CRÔNICAS E CASOS – Olinda e a Moeda

 

OLINDA E A MOEDA

(Lembranças da Infância- 01)

J.L..Belas -2006

  

Naquele dia de chuva forte, eu estava completando meus 4 anos de idade.

A vila onde eu morava haviase transformado num alagado só.

Costumava ser assim no verão, e essa estória de água e meus aniversários passou a ser quase uma marca registrada, algo como uma ocorrência previsível, ano após ano.

Dia 5 de fevereiro não parecia ser a data do meu aniversário, se não chegasse acompanhado de um aguaceiro, ou não terminasse debaixo dele. Para mim, o que mais vívido permanece do dia em que comemorávamos os meus quatro anos são duas sensações: o colo aconchegante e farto de Olinda e a moeda que o pai dela me deu de presente. Sobre essas duas lembranças escreverei um pouco, começando pela segunda.

É interessante como me senti fascinado pela moeda. 

Pode parecer estranho, mas é como se eu tivesse, pela primeira vez, certo “poder”. Eu tinha um dinheiro MEU. Sentia que ele era algo ligado a mim e que as pessoas valorizavam aquilo que eu carregava em minhas pequenas mãos.

– Pô! Que “viagem”, meu camarada! Essa ideia é coisa da sua cabeça de hoje, de adulto, já formatada com esses valores de nossa sociedade de consumo, etc., etc., dirá você, que está lendo este meu texto.

Mas, viagem ou não, é o de que me lembro sobre o que aquela moeda provocou em mim: um fascínio. Com certeza ela me impressionava não pelo significado mercantil que pudesse possuir, mas pelo que as expressões dos adultos, ou das crianças mais velhas, que faziam parte do meu mundo, me transmitiam.  De fato, uma criança pequena, em 1944, um ano antes de terminar a Segunda Guerra Mundial, possuidora de uma “fortuna” daquelas, não era algo tão comum assim.

Não me tornei Economista, nem sou um grande poupador. Creio que o efeito daquele momento, tão forte para mim, foi diluído através dos tempos e minha relação com o dinheiro parece ser até bastante saudável.

A primeira lembrança está ligada a essa segunda sobre a qual passo a lhes escrever: “o colo de Olinda”.

Olinda era a filha do Senhor Manoel (ou José, ou Joaquim, ou…). Minha memória neste momento me deu uma rasteira, mas, como ele era português, tenho a impressão de que o pensar Manuel não é tão fora do possível. Entretanto é sobre a filha dele que quero contar.

Olinda era uma jovem portuguesa, loira, de cabelos curtos, de corpo roliço, rostinho redondo, alegre, uma “moleca”. Vivia rindo, brincando, falando coisas engraçadas e me fazendo rir. Entretanto, era o seu colo o que mais me encantava: farto, aconchegante, morno, delicado, amigo, cuidadoso. Foi nesse colo que, debaixo de um imenso temporal, fui levado à casa do Senhor Manoel e, lá, ganhei dele o “meu tesouro”, minha moeda encantada.

Que colo é esse?!!! Que moeda é essa?!!! Afeto e dinheiro, o “espiritual” e o “material” fundidos num só momento, numa experiência única!

Ainda me lembro dos olhos verdes de Olinda, do seu sorriso amigo e caloroso que me transmitia tanta ternura e aceitação; dos seus braços fortes, capazes de me proteger de qualquer inimigo, até das fortes tempestades como aquela do dia 5 de fevereiro de 1944. 

Oh!Linda!  Hoje, se a vida ainda lhe restar, será uma senhora com muito mais de 80 anos. Talvez já não mais tão forte como naquele tempo. Mas tenho a impressão de que, se ela ainda existir, existirá nela aquela “moleca” que geralmente nunca envelhece e aquele olhar terno que só as pessoas verdadeiramente boas possuem.

Tão bom se eu pudesse vê-la novamente…

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