PSICOLOGIA ESCOLAR – Orientação Vocacional & Terapia Expressiva

ORIENTAÇÃO VOCACIONAL
                                                               ou
Terapia Expressiva Centrada na Pessoa e Escolha Profissional
José Luiz Belas
Niterói-RJ-1998
Texto revisado em maio de 2009

 

 

INTRODUÇÃO

No final de 89, participei de um workshop sobre terapia expressiva, no Rio de Janeiro, dirigido por Natalie Rogers. Os recursos e as técnicas que foram demonstrados naquela ocasião despertaram em mim a idéia de utilizá-los num campo diferente da clínica, na orientação vocacional.

Tive a oportunidade de realizar isso no início de 1990, quando, por solicitação do SOE da escola onde trabalhava, participei de uma atividade, cujo objetivo era ajudar os alunos do terceiro ano do ensino médio nas suas escolhas profissionais.

Neste texto, apresento em linhas gerais, a metodologia desenvolvida nessa experiência e os resultados obtidos. Tudo indica que os recursos utilizados pela terapia expressiva, quando aplicados no trabalho de orientação vocacional, podem ajudar bastante o jovem na escolha de sua futura profissão.

 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

HORROCKS¹ apresenta-nos um belo histórico sobre o grau de atenção dada pelos mais velhos à adolescência. Diz ele:

Historicamente, em todas as culturas, em todas as épocas, sempre os adultos se mostraram muito interessados nas atividades e no bem-estar de seus jovens.

Os estudos e pesquisas mostram que existe farto material, documentos e produções generalizadas, expressivos, cujo conteúdo indica, claramente, uma atenção voltada para a segunda década do ciclo vital.

-Aristóteles na sua ‘Retórica 1’ analisou os aspectos fisiológicos deste período e, na sua ‘História Animalium’, discutiu a puberdade especificamente em relação a seus concomitantes físicos, incluindo um extenso aparecimento dos caracteres sexuais secundários e sua influência.

 -As Festas Romanas da ’liberalia’ durante as quais os jovens de 16 anos vestiam a ‘toga virilis’.

-Platão: em seu ‘Diálogos’ (Diálogos de Sócrates com Lísias) onde este se queixa que até os servos de seu pai podem manejar os cavalos da família, enquanto  (por ser ainda jovem) o privam de fazer isso.

Posteriormente, estudos mais sistematizados foram realizados pelos educadores e por outras pessoas interessadas na educação da juventude.

HORROCKS¹ continua:

– Rousseau assinalou que o acontecimento mais crucial da ontogênese é o aparecimento da sexualidade e escreveu extensamente em ‘Emílio’ sobre o lapso compreendido entre os 12 e os 15 anos, que denominou ’a idade da razão’.

– G. Stanley Hall foi um dos primeiros psicólogos que considerou a adolescência em si, séria e extensamente. Publicou em 1904 uma obra de dois volumes intitulada ADOLESCÊNCIA, que ficou como modelo para qualquer trabalho sobre este tema durante um quarto de século.

Hoje, o jovem continua despertando em todos nós, educadores, pais, orientadores e psicólogos, um grande interesse, pois, como nos tempos antigos, esta fase da vida ainda se caracteriza por um momento de grandes conflitos, de angústias, de inseguranças, principalmente por ser o ponto exato onde se processam as mudanças significativas na sua vida.

Entre uma série de transformações que ocorrem nesse período vital, encontramos uma que se mostra bastante intensificada em nossos dias: a escolha profissional.

Num mundo de grande competição, onde não se tem tempo a perder, onde não se pode “errar” nas escolhas, sob pena de “ficar para trás”, o adolescente se vê muito pressionado quando chega ao final do ensino médio. Ele sabe que, para vencer, precisará ser bom no que se propuser a fazer profissionalmente.

Com as especializações cada vez mais diversificadas, com pouca informação sobre o mundo profissional e sobre si mesmo, o jovem fica profundamente perdido, sem saber por onde ir, nem o que fazer de seu futuro.

UMA ENTRE VÁRIAS MANEIRAS DE SE DECIDIR PELA FUTURA PROFISSÃO

Minha formação profissional teve como ponto de partida o treinamento, quase intensivo, em aplicação, avaliação e interpretação de testes, com o objetivo de fazer uma Orientação Vocacional. Isso ocorreu no início de 1967.

Durante muitos anos, apliquei testes, orientei muitos jovens através desses instrumentos, utilizando uma técnica muito interessante (que respeito até hoje), mas cuja dinâmica é menos excitante e estimulante do que a que utilizei nas últimas orientações, feitas em 1997.

No final de 1989, vivi uma experiência incrível. Como já mencionei acima, participei de um workshop sobre terapia expressiva. A figura central desse encontro, sem dúvida, foi Natalie Rogers.

Embora o objetivo daquele trabalho se ligasse, basicamente, à atividade clínica, os recursos e as técnicas empregadas por ela me levaram a pensar na possibilidade de utilização deles num campo diferente, a orientação vocacional.

Quando, no início de 1990, na escola onde eu trabalhava, me pediram que eu ajudasse alguns alunos do terceiro ano do ensino médio na definição de suas escolhas profissionais, imediatamente pensei em aplicar o que havia aprendido naquele workshop. Elaborei um pequeno projeto, fazendo nele adaptações necessárias para a utilização de algumas de suas técnicas no trabalho de orientação vocacional.

O grupo era composto de aproximadamente 17 alunos. Estavam ansiosos e preocupados por cursarem a última série do ensino médio, às vésperas do vestibular, e não terem ainda definido o que pretendiam fazer profissionalmente. Essa indefinição acarretava para eles um outro problema muito importante: em que  turmas seriam inseridos de modo a receberem um reforço nas matérias mais específicas da prova que prestariam no vestibular. Portanto, enquanto eles não se definissem, não saberiam também que aulas deveriam, prioritariamente, frequentar. Por exemplo: os que fariam vestibular para engenharia não frequentariam algumas aulas destinadas ao grupo que iria fazer inscrição para letras, etc..

O clima que, normalmente surge numa situação desse tipo, é de tensão, nervosismo, irritabilidade. Sem ter a pretensão de realizar um trabalho tradicional em orientação vocacional, propus-me a estar com esse grupo de alunos durante cinco sessões, de 90 minutos cada uma delas.

O que ficava mais claro naquele momento, onde tudo era novo, tanto para mim quanto para esses jovens, era que eu tentaria criar algumas condições favoráveis ao surgimento, neles, de uma percepção mais nítida do que sentiam em relação ao futuro. Esforçar-me-ia também para facilitar a tomada de consciência de suas dúvidas, medos, angústias, preconceitos em relação a algumas profissões e/ou atividades, assim como a das pressões que lhes eram impostas, cruelmente, pela sociedade e pela própria família.

As hipóteses testadas foram:

         1ª – as técnicas utilizadas na terapia expressiva podem ser eficazes no trabalho de Orientação Vocacional;

2ª – SE, através delas, esses jovens conseguirem entrar – mais conscientemente – em contato com os medos, inseguranças e preconceitos que coexistem neles neste momento tão importante de suas vidas, ENTÃO, eles poderão fazer suas opções com mais tranquilidade e segurança.

 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DO TRABALHO REALIZADO

1- Os grupos eram relativamente pequenos, constituídos de, no máximo, quinze jovens.

2- Não se discriminou nem idade, nem sexo.

3- Todos os participantes haviam completado, pelo menos, o primeiro trimestre do segundo ano do ensino médio.

4- Realizamos cinco encontros. Cada um durou, no mínimo, 90 minutos.

5- Durante esse tempo, os alunos foram estimulados a discutirem sobre suas dúvidas, expressarem seus temores, seus anseios, suas inseguranças, ou seja, tentamos criar um clima semelhante àquele que se experimenta nos Grupos de Encontro Centrados na Pessoa e nas vivências em Terapias Expressivas.

6- Para isso, lançamos mão de materiais, tais como lápis, papel, e também de técnicas de relaxamento e de expressão corporal.

7- Consideramos que seria importante que ficasse claro, desde o início dos nossos trabalhos, que, se o grupo, ou algum de seus integrantes, necessitasse de mais tempo para alcançar seus objetivos, o prazo estabelecido inicialmente para o término dos nossos encontros poderia ser reavaliado.

Tínhamos como meta a criação de meios que pudessem ajudar os alunos a terem consciência mais plena dos sentimentos experimentados por eles durante nossos encontros. Incentivamos cada jovem a trocar essas informações com os demais colegas do grupo. Acreditávamos que essa permuta geraria uma aprendizagem mais significativa para todos e lhes daria uma sensação de estarem juntos numa mesma luta.

UMA BREVE AMOSTRA DE COMO O GRUPO COMEÇOU E COMO TERMINOU

Na primeira sessão, o grupo era composto de dezessete alunos.

À segunda sessão, só compareceram doze alunos.

Doze continuaram até a 4ª.

Na 5ª sessão, só compareceram dez.

Como uma das avaliações feitas ficou incompleta, faremos a comparação somente com as dos nove alunos que participaram de todas as sessões.

O quadro abaixo mostra as respostas dadas pelos alunos ao preencheram os questionários de avaliação, recebidos ao término de cada sessão

A pergunta básica respondida foi: Como você está-se sentindo após nossas discussões de hoje?

A 1ª coluna corresponde à resposta dada pelo aluno ao término da primeira sessão.

A 2ª coluna corresponde à resposta dada pelo mesmo aluno ao término da 5a sessão.

PRIMEIRA SESSÃO

QUINTA SESSÃO

1- O que eu gosto? Ou o dinheiro?

1- Mais tranquilo. Não me cobro muito.

2- Achar algo que realmente goste. Não enjoe.

2- Agora tenho certeza da minha área. Ainda

 há dúvidas sobre alguns outros pontos….

3-Falta de informação e experiência.

3- Vi um Psicólogo trabalhando. Valeu. Continuo querendo psicologia.

4- Escolher uma profissão que dê prazer e também dinheiro.

4- Já não tenho mais tanto medo de errar na escolha.

5- Pobre realizado? / Rico não realizado?

5- Estou mais certo do que quero. Gostei.

6- Medo de enfrentar, de errar.

6- Perdi o medo de errar, fazer outras provas.

7- Falta de informação: qual a melhor profissão?

7- Conhecer-me melhor para melhor escolher a profissão.

8-Insegurança e falta de informação.

8-Confusa, mas compreendendo estar assim por ter sido um momento de reflexão.

9-Falta de informação e insegurança.

9-Se não me encontrar em breve, não terei medo de tentar de novo.

COMENTÁRIOS

Podemos notar, pelo quadro acima, que houve um movimento significativo, e positivo, no grupo que permaneceu no trabalho, nas cinco sessões.

De modo geral, na quinta sessão, eles experimentaram um sentimento de maior segurança e de crescimento.

Notamos também que o nível de ansiedade baixou bastante.

O grupo parece ter ampliado sua consciência relativamente aos problemas que trouxeram no início, que lhes deu uma medida mais realista, menos emocional.

Começaram a encontrar soluções para suas dificuldades de escolha.

Nenhum aluno sentiu necessidade de nos procurar – ainda que mantivesse contato conosco na escola – buscando mais ajuda além da que recebeu durante o nosso trabalho.

Alguns que não frequentaram as 5 sessões conseguiram “resolver” suas dúvidas antes do tempo previsto.

Tudo indica, a grande “arma” que nos ajudou a obter um resultado positivo foi a utilização dos recursos da Terapia Expressiva. Através deles, em pouco tempo conseguimos penetrar mais profundamente nas questões básicas daqueles alunos e, com isso, ajudá-los na compreensão e no enfrentamento de suas dificuldades.

É importante que se registre a estranheza experimentada, inicialmente, por quase todos os alunos ao introduzirmos a metodologia utilizada. Ficaram um pouco encabulados, com vergonha de se expressarem com movimentos, sons, etc. Ficaram também um pouco constrangidos ao terem que falar sobre seus receios e inseguranças. Mas, logo depois, começaram a perceber o sentido de estarmos utilizando aqueles recursos e, já ao término do primeiro encontro, consideraram que o resultado final daquela experiência havia sido bom.

Viver uma experiência de relaxamento corporal, expressar seus medos e suas fantasias quanto ao futuro profissional por meio de desenhos (formas geométricas, figuras humanas, etc.) foi completamente diferente daquilo que até então conheciam.

Mostrar suas produções gráficas para os colegas, comentar sobre os desenhos dos outros e sobre os seus próprios, tudo isso foi uma experiência muito alegre e interessante que nos proporcionou conhecer uma forma muito nova e muito enriquecedora de aprendizagem sobre si e sobre o outro.

CONCLUSÕES

Embora essa experiência tenha sido um estudo preliminar sobre a viabilidade e a eficácia da utilização dos recursos da Terapia Expressiva na ajuda da escolha profissional, podemos, desde já, afirmar: há fortes indícios de suas técnicas poderem somar melhorias ao trabalho de orientação para os jovens nessa fase de suas vidas.

Entretanto, tornam-se necessárias mais experiências e estudos sobre esta forma de se atuar em Orientação Vocacional. Uma metodologia mais bem estruturada e um bom treinamento do profissional interessado na aplicação desse tipo de ajuda são imprescindíveis para o êxito de um projeto como esse.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1 – HORROCKS, John E. Manual de Psicologia Infantil, Cap 11 – “El Adolescente”. Barcelona – España: Editorial El Ateneo, 1964.