A VIDA É UM GRANDE MISTÉRIO

j.l.belas – maio de 2022

        Se a gente parar pra tentar explicar o que é a vida e o viver, provavelmente, depois de algum tempo, o melhor a se fazer será desistir de esquentar a cabeça, parar de pensar, deixar pra lá.

        Minha profissão é uma daquelas nas quais a matéria prima, com a qual temos contato diariamente, é a compreensão da vida, seu sentido, seu inesperado fluir que nos desafia a cada instante.

        Muitas vezes uma pessoa chega ao meu consultório em total desespero achando que a vida lhe pregara uma peça, e que o drama que vive tem uma explicação terrível e profunda.

Poucos dias depois, ou mesmo meses depois, essa mesma pessoa me relata que tudo mudou sem ela ter compreendido o que gerou tanta mudança.

          Inesperadamente, o rumo de sua vida mudou! E, por incrível que pareça, ela se surpreende com isso.

Nada nos seria surpreendente na vida se entendêssemos, profundamente sua natureza.

        Quando o cliente fala sobre seus problemas, fala sobre a sua “vida”. A descrição que faz é fruto de uma realidade vivida por ele e que, ao relatá-la a, já não é mais a realidade em si, mas um fato histórico.  É uma mistura de lembranças, recheadas de comentários que dizem não só sobre o que aconteceu no passado, mas, o que “deveria ter acontecido”, SE.

Neste “se” mora a “fantasia”, o “desejo”, e muitas vezes a matéria prima da “culpa”, ou da “autopiedade”.

        Quando uma pessoa pensa sobre sua vida ela fala de um “filme”, composto de um passado, de um presente e um futuro. Quando fala sobre um problema que enfrenta, geralmente foca o seu presente e as situações que a perturbam e incomodam no seu hoje: problemas no trabalho, na família, na escola, o relacionamento com amigos e outras pessoas mais próximas. Ele sente que sua vida não anda bem e “sabe” como seria a vida que gostaria de ter.

        O movimento mais comum da pessoa com problemas é partir na busca de uma explicação que justifique seu sofrimento. Nessa busca, realizada no presente, se perde em milhares de possibilidades, quase sempre oriundas de fatos ocorridos no passado, na sua história pessoal. O futuro muitas vezes não é cogitado.

        A “vida” é uma abstração.  Pois é! Podemos falar assim. A vida que realmente temos, aquela que a gente vê acontecer diante de nossos olhos, minuto a minuto, dia após dia, no nosso presente “real”, pode não ser a que gostaríamos de ter, mas É a que temos. A que gostaríamos de viver, é um sonho, um desejo, um projeto que nem sempre acontecerá.

        Vou tentar colocar essa ideia de forma mais simples.

        Imagine que uma pessoa projete realizar uma viagem. Marca dia, local para onde deseja ir, hotel onde se hospedará etc. Uma semana antes, surge um fato que a impede de viajar. Tudo aquilo que havia planejado vai por água abaixo. O inesperado aconteceu e mudou radicalmente seus planos. Vemos aí, um simples exemplo do quanto não temos nenhum controle sobre o futuro. O “futuro” É imprevisível. Quem não sabe disso, não é?  Mas, por que a gente vive acreditando que a vida será composta apenas de lembranças do passado somadas a um “presente sem futuro”? Ou, ainda, as de um passado somadas a um “presente com um futuro tenebroso”?

        A vida é um mistério que, por mistério ser, não nos dá a chance de antevê-la e saber os caminhos por onde ela andará. Por isso, a cada fato inesperado que vivemos, a perplexidade toma conta de nós. A vida é sempre uma surpresa, mesmo quando a gente acredita que “já sabia”.

        O que nos leva a acreditar que basta planejar bem e tudo sairá certinho?

        Não estou querendo dizer, com a firmação anterior, que deveríamos ser pessimistas quanto ao futuro, ou que é uma grande bobagem fazer planos para o futuro.  Não! O que quero pensar aqui, com você, é que quando a gente não está preparado para as surpresas que o futuro pode nos trazer, ficamos profundamente vulneráveis à frustração, ao desencanto com a vida, sentindo-nos decepcionados e tristes com ela. Como se a vida nos tivesse pregado uma peça, nos dado uma rasteira. Esquecemo-nos de todas as coisas boas que nos aconteceram no passado.  Passamos a ter uma visão negativa do futuro e, a partir disso, surge um desânimo e um descrença na nossa capacidade para lutar e acreditar que há chance de surgirem fatos novos, animadores, que nos tragam, novamente, ou pela primeira vez, se este for o caso, um estado de realização e felicidade, de encantamento com a vida.

        Algumas pessoas já me ouviram dizer que a pior coisa que nos pode acontecer é nos tornarmos um “otimista ingênuo”.  Sabe? Aquele tipo que diz: (cruzando os braços e não fazendo nada) tudo vai dar certo!!!

        Para acontecer o que desejamos que aconteça, é preciso se fazer por onde.  Mas, é preciso também saber que, mesmo fazendo tudo que for necessário para que nosso projeto dê certo, podemos não alcançar nossos objetivos. A realidade se impõe. Ela não nos pede permissão. A realidade é o resultado da combinação de um número enorme de variáveis. Imprevisibilidade é sua grande e principal característica.

        Acredito que, quando estamos preparados para não brigar com a realidade, nem achar que ela é nossa inimiga, quando tentamos fazer com ela o melhor possível, quando temos certeza que utilizamos o que de melhor possuímos, que fomos verdadeiros em nossas escolhas, que demos o máximo de nós mesmos…, o que vier no futuro se transformará em uma nova experiência, agradável, ou não, que trará um enriquecimento para nossa vida.

        Nada de sorte, ou azar. Nada de merecimentos, culpas, desculpas ou injustiças. A realidade não nos julga, apenas nos ensina, nos mostra o quanto já aprendemos e o que ainda nos falta aprender sobre esse grande mistério que é a vida e o viver.

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