AINDA SOBRE O RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO

AINDA SOBRE O RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO

José Luiz Belas – 1975

 

Há cinco anos proponho-me a ajudar pessoas com problemas de ajustamento.

Gostaria, agora, de compartilhar com vocês o que sinto nos contatos com meus clientes.

Muitos deles, quando dão por terminados nossos encontros, ou mesmo durante o seu desenrolar, verbalizam o modo como me veem.  Ao mesmo tempo, costumo fazer gravações, para me poder ver melhor e sentir se realmente estou agindo de acordo com o que “me proponho”. Lembro-me de um cliente que me disse: Se um dia eu tiver que lhe agradecer pelo que você fez por mim, só lhe direi: obrigado por você me ter ajudado a eu poder me ajudar.

Um outro disse: É interessante como o senhor não me diz o que devo fazer e, mesmo assim, encontro aqui forças para fazer o melhor por mim mesmo.

Outros disseram:

 Uma das coisas que acho mais importante na sua maneira de ser é que eu sinto que TUDO que digo para você parece ser realmente importante e você se mostra, sempre, muito atento.

Muitas vezes, eu sinto em você a expressão de grande alegria e, até mesmo,  de entusiasmo, quando consigo dar um passo além, na compreensão de meus problemas.

Percebo que não estou mais ´necessitando´ vir aqui. Porém, ainda acho interessante conversarmos. Agora,  não é mais por necessidade e,  sim, por vontade. Chego mesmo a pensar que sempre sentirei vontade de vir trocar ideias, pois me convenci de que sempre serei uma pessoa inacabada e, portanto, sempre sentirei vontade de pensar sobre mim mesmo.

Agora sinto o senhor como uma pessoa da minha própria família, na qual posso confiar. É uma amizade muito boa mesmo.

Poderia escrever, escrever muito sobre as informações que meus clientes me dão, e que me deixam bastante satisfeito comigo mesmo. Porém, diante desses fatos, fico perguntando-me sempre: o que poderia estar acontecendo,  exatamente, em meu relacionamento com o outro, quando estamos no gabinete de entrevistas?

Gostaria de deixar, o mais claro possível, o que realmente sinto, quando inicio um atendimento, quando ele está em pleno andamento e quando um cliente termina.

Sou o único psicólogo que atende em meu consultório.

Tenho uma secretária, que cuida da parte administrativa, marca as consultas e resolve os problemas burocráticos.

Assim sendo, o primeiro contato real que meu cliente tem, para tratar de suas dificuldades, é comigo.

Quando chega a mim, não sei nada sobre ele. Sinto, de início, uma “curiosidade” intensa sobre o que terá para me dizer. Uma vontade imensa de poder  ajudá-lo. Uma atenção redobrada por tudo aquilo que ele me conseguir comunicar. Percebo-me esquecendo de mim mesmo, e quase me confundindo com ele. Sei que, para muitos clientes, esta atitude parece estranha, inesperada, mas, gradativamente, começam a sentir nela uma qualidade altamente positiva.

Não sei nada sobre o meu cliente e, muitas vezes, também ele está em condições semelhantes à minha. “Embarcamos juntos naquele mesmo barco.”, e, quase sempre, sentimo-nos perdidos num vasto oceano sob um céu noturno. De repente, avistamos uma estrela que nos dá um rumo e, mais à frente, perdemo-la de vista. Gradativamente, tornamo-nos mais e mais atentos a tudo e até a nós mesmos. Um silêncio frio, oco e pleno. Uma descoberta altamente significativa. Uma entrevista cheia de fatos novos. Duas ou três delas altamente “vazias”. E vamos, ao sabor dos ventos, das tempestades, das calmarias, dos furacões, das estrelas, das nuvens sombrias, mas vamos juntos. E seu mundo parece meu e o meu mundo parece dele. Sentimo-nos fortes e fracos, corajosos e medrosos, esperançosos e firmes, sempre percebendo, sem nos falar – que acharemos – juntos – a alvorada de um novo dia, que poderá ser belo ou feio, difícil ou fácil, amargo ou saboroso, feliz ou não, mas que será o que de melhor existe, por ser nosso, realmente nosso.

Agora, já não necessitamos estar mais juntos. Já podemos caminhar separados. A vereda já está aberta, definida. Um adeus amigo, uma emoção surda, mas profunda, e a sensação de uma liberdade duramente conquistada, definida por um sentimento de se poder ser mais a gente mesmo, seja o que a gente for.

Não raro, um aperto de mão e um abraço.

Resta, em mim, uma saudade daquele mundo novo que pude conhecer – o outro, e um sentimento intraduzível de felicidade por poder ter colaborado em sua caminhada para si mesmo.

Niterói, 9 de abril de 1975