CRÔNICAS E CASOS – Theodoro, o pescador

THEODORO, O PESCADOR

                                     Lembranças da adolescência -01

J. L. Belas – 2006

 

Muitas pessoas que me conhecem desde quando eu tinha meus 15 anos, ou menos um pouco, se lembram muito bem das minhas festas de aniversário. Inesquecíveis!!!

Até hoje, dia 5 de fevereiro é lembrado como uma data em que reuníamos centenas de pessoas no quintal de minha casa, e lá tomávamos guaraná, mineirinho, coca-cola, cerveja e o delicioso chope gelado, passado por uma serpentina feita – pelo meu pai – com canos de chumbo, muito usados, naquele tempo, nos encanamentos de água das residências.

Os salgadinhos, todos, eram feitos na casa do Seu Theodoro, casado com uma senhora, muito calada e bondosa, chamada Maria.

Ele havia construído uma máquina fantástica que servia para espichar a massa de pastéis, dando–lhe uma espessura de cerca de menos de 1mm. Quando eles eram fritos, por Dona Maria, meu Deus, ficavam crocantes. Verdadeiros manjares dos deuses.

Está aí o porquê Seu Teodoro e Dona Maria, todos os anos, faziam os pastéis da minha festa. Formavam uma dupla fantástica, eram os melhores!

Acontece que não há pastéis sem recheios. Certo? E é aí que entra o meu querido e saudoso amigo pescador, o Dorico (apelido do Seu Theodoro, para os íntimos).

No dia 3 de fevereiro, à noite, saímos de casa para pescar camarão.

Nosso grupo tinha à frente o pescador Theodoro – que tecias suas próprias redes de pesca – seu filho Pedro, eu, Antônio (Toninho), Oswaldo e, eventualmente, mais alguém.

A rede era lançada ao mar na praia do Porto do Coqueiro, no Barreto, na base do morro que ficava atrás da igreja de São Sebastião. Hoje, passa por lá a estrada Niterói-Manilha e, provavelmente, quem tiver menos de 50 anos de idade terá dificuldade para imaginar que ali existia uma praia de águas límpidas, repletas de camarões cinza (desses que agora a gente compra por R$20,00 – ou mais – o quilo) e de siris azuis de tamanho maior que 25cm. 

Pois é, era com esses camarões que fazíamos os recheios dos nossos salgados.

Com os incautos siris, que se enroscavam na nossa rede, fazíamos o almoço do dia 4, do qual participavam todos os “pescadores” da noite anterior e outros amigos que vinham neste dia para ajudar na preparação da festa do dia 5. Na realidade, a festa começava, mesmo, já no dia 3.

Seu Theodoro e Dona Maria foram pessoas incríveis, que me ensinaram sobre boa vontade, amizade, desprendimento, cooperação, simplicidade.

Ensinaram, mais do que isso, que não basta cultura, conhecimento,  frequência assídua aos bancos escolares, para que nos tornemos pessoas boas, amigas, sensíveis.

Recebi deles carinho só comparável àquele que se costuma receber dos bons avós.

De Theodoro, “o pescador”, guardo em mim lembranças que jamais serão apagadas e aprendizagens que nunca serão esquecidas. Ele era um “faz-tudo”, de inteligência rara, sempre disponível para os amigos e um inventor nato. Uma pessoa cuja paixão maior era vencer os desafios que se apresentavam diante dele.

A cada ano, a cada pescaria do dia 3, eu recebia dele o “saber” e o “sabor”.

As minhas festas de aniversário tinham – em grande parte – o SABOR que vinha dessa pessoa que viveu nos “bastidores”, conhecida por poucos daqueles que saborearam os deliciosos pastéis e outros salgadinhos do dia 5 de fevereiro.