PSICOTERAPIAS, PSICOTERAPEUTAS E CLIENTES

Psicoterapia: Teoria e Prática
J.L.Belas – set 2007

No mês passado, recebi uma propaganda de um curso sobre Terapia Cognitiva. Meu primeiro impulso foi: os temas parecem interessantes! Se eu tivesse mais tempo disponível, talvez fosse até São Paulo só para ver como funciona essa abordagem.

No início deste mês, passei por uma livraria e procurei o que havia de mais recente sobre o tema, Terapia Cognitiva, e comprei dois livros.

Não sabia que minha esposa, que é psicóloga como eu, havia comprado, meses antes, também um livro sobre este mesmo assunto.

Agora, tenho meus primeiros três livros que tratam deste modo de terapia e já comecei a dar uma olhada no conteúdo deles e tenho ficado muito motivado para continuar a leitura, pois, para alegria minha, sinto que há neles muitas coisas que me são familiares, no que se refere à prática clínica.

Minha formação básica, como psicoterapeuta, é rogeriana. Até alguns anos atrás, ser rogeriano, do mesmo modo que ser freudiano, quase que implicava, para muitas pessoas da área “psi”, numa inviabilidade de conciliação de métodos de outras abordagens. Ou se era rogeriano, ou freudiano, ou comportamentalista, ou gestaltista,  e assim por diante.

Já em 1979, eu tentava mostrar aos meus estagiários que tal divisão era lamentável, pois o que importava, de fato, era a Pessoa que estava diante de nós, procurando alívio e solução para seus problemas.

Para mim, nunca foi inviável o somatório de conhecimentos advindos da prática psicoterápica, independentemente das suas origens epistemológicas.

Penso que a boa prática terapêutica será sempre centrada na pessoa (do cliente) e a terapia “rogeriana” não escapa – ela principalmente – disso.

Conheço muitos terapeutas, com formações completamente diferentes, que conseguem ter bons resultados com seus clientes. Quando converso com eles e falamos sobre nossas práticas, o que se evidencia é o foco do nosso trabalho. Ele é “centrado na pessoa do seu cliente”. Quando isso não acontece, raramente a psicoterapia chega a bom termo. Em outras palavras, sempre acreditei que as terapias tendem a se tornar muito parecidas, semelhantes e quase idênticas. É tudo uma questão de tempo.

São poucos os terapeutas radicais hoje em dia. Aqueles que se tornam ortodoxos tendem a “morrer”. No mundo atual, não há lugar para rigidez e para verdades fechadas, únicas, acabadas.

Por outro lado, gostaria de que as pessoas não entendessem de forma equivocada o que estou tentando apresentar neste meu texto. Não estou propondo nenhuma “panterapia”, ou um “ecletismo” tipo colcha de retalhos. Não. Estou somente mostrando que a boa utilização de diversas técnicas, reconhecidamente eficazes, e de diversos métodos pode encerrar, no seu bojo, aspectos muito semelhantes. Tais aspectos guardam entre si átomos de uma mesma substância que poderia ser definida como um “real e consciente interesse do terapeuta em ajudar o cliente a crescer e a superar suas dificuldades do presente, utilizando metodologias comprovadamente eficazes, adquiridas através de uma boa formação profissional”.

Sempre acreditei que, para podermos crescer como psicoterapeutas, precisamos aprender a olhar o ser humano por vários ângulos. As várias teorias psicoterápicas nos ajudam a compreender melhor a pessoa que está diante de nós. Lançam luz na percepção mais aguçada que possamos ter dela. Conhecer vários enfoques teóricos, filosóficos, técnicos sobre as psicoterapias é criar condições para que o profissional desenvolva um “olhar mais completo” sobre a realidade do seu cliente.

Penso, também, que a nossa profissão de psicoterapeuta tem uma particularidade que muitos ignoram, ou tentam ignorar. Refiro-me à singeleza que ela encerra. Não somos poderosos como muita gente nos costuma ver. Entretanto, é compreensível que o cliente fantasie o seu terapeuta como um tal poder e chegue a imaginá-lo como um semideus. Sua fragilidade, no momento em que busca uma terapia, principalmente se seu estado é de grande desajuste e ansiedade, exige que ele crie um ser poderoso que possa ajudá-lo a enfrentar seus obstáculos e os fantasmas que o atormentam.

Costumo dizer que considero o trabalho de psicoterapeuta semelhante ao de um ajudante de caminhoneiro. O cliente é o dono do seu caminhão, da carga que ele transporta. É quem decide por que caminho pretende chegar ao seu destino e em que tempo gostaria de percorrê-lo. Dentro do seu caminhão há uma grande variedade de coisas: caixas de todos os tipos, materiais diversos, frutas, legumes, etc. Num determinado momento de sua vida, o dono do caminhão vê-se fragilizado e com dificuldades para arrumar sua preciosa carga. Talvez seja portador de uma luxação em um músculo do braço, ou tenha um dedo destroncado. Nada tão grave assim, mas isso não lhe está dando condições de – sozinho – arrumar sua carga (seu mundo interior, em sua totalidade) e seguir viagem (viver a sua vida, na sua realidade). Nesse exato momento, ele lança mão de um recurso: pede a uma pessoa para ajudá-lo a melhor arrumar todo aquele material na carroceria do seu caminhão. E é isso que o ajudante de caminhoneiro faz: ajuda a arrumar. O terapeuta (o ajudante, no caso) deve continuar seguindo as orientações do seu “patrão temporário” ( o cliente ).

Diz:

– Vou colocar esta caixa aqui.

E o dono do caminhão sinaliza:

– Não. Esta deve ficar mais no fundo, pois será uma das últimas a ser entregue.

Em outro momento, o ajudante fala:

– Estas caixas contêm tomates. Devo colocá-las debaixo das melancias, como o senhor sugeriu?

E o dono do caminhão diz:

-Foi bom você ter-me avisado. Não havia percebido isso.

E os dois continuam. Um ajudando o outro a melhor arrumar a “carga do caminhão”.

Terminada a tarefa, o dono da carga e do veículo parte para a estrada.

O ajudante permanece no local, onde o “patrão temporário” o encontrou.

O terapeuta é um “simples” (mas importante) ajudante. Nada mais.

Quanto mais ele for sensato, experiente, sensível, compreensivo, perspicaz, gentil, e possuir outras qualidades igualmente fundamentais, provavelmente ficará mais bem arrumado o caminhão.

Mas, o mais importante é que ele nunca se esqueça de que não é o dono daquele caminhão, nem daquela carga, e que também não tem como saber qual será a melhor estrada pela qual o “patrão” deverá seguir.

Creio que todo bom psicoterapeuta é um excelente ajudante de caminhoneiro. E isso não depende de sua formação intelectual, acadêmica, cultural, mas sim do modo como ele aprendeu a respeitar e aceitar, sincera e profundamente, a Si Mesmo e o Outro.

Ser terapeuta rogeriano, psicanalista, cognitivista, gestaltista, culturalista, condutista, reichiano, jungiano, analista transacional, etc., etc. não significa nada se eles forem bons profissionais. Sendo assim, usarão seus métodos e técnicas visando, sempre, o melhor para seu cliente.

 Costumava dizer, quando eu era supervisor no Hospital de Jurujuba: “Cada terapeuta tem o cliente que merece. Cada cliente tem o terapeuta que merece”. Algumas pessoas não entendiam bem isso e pensavam que eu estava criticando ou desqualificando um dos dois: o cliente ou o terapeuta. Nada disso. Queria apenas assinalar, com essa afirmação, o fato de que algumas pessoas (clientes e terapeutas) se identificam com algumas orientações teóricas, ou seja, umas se sentem mais à vontade para discutir suas dificuldades com um psicanalista ortodoxo, outras, com hipnoterapeutas, outras com terapeutas humanistas-existenciais, e assim por diante.

Alguns profissionais encontram dificuldades para ajudar alguns clientes, pois seus métodos não são bem aceitos por eles. O que isso significa? Apenas que não há uma metodologia ou teoria psicoterápica que consiga dar conta de todos os tipos de clientes.

Não é de se estranhar que inúmeras formas de terapia continuem existindo, há tanto tempo, com reconhecido sucesso.

Também não é incomum que clientes circulem em vários consultórios, de bons terapeutas, até encontrar aquele com o qual construirá sua melhora psicológica tão desejada.

Considero de grande importância para os estudantes que pretendam dedicar-se à Clínica Psicológica que busquem, com afinco, aquela orientação teórica que mais se afine com seu modo de ser, de pensar e de agir. Não forcem caminhos para isso. Procurem conhecer as diversas teorias, da maneira mais profunda possível, inclusive, se houver chance, vivenciem seus métodos.

Um psicoterapeuta identificado com seu modo de trabalhar tem muito mais chance de desenvolver uma boa ajuda profissional, ser uma pessoa “inteira”, congruente, sensível e, provavelmente, estará em condições de ajudar seu cliente a alcançar um estágio melhor no seu desenvolvimento como ser humano.