PSICOLOGIA ESCOLAR – Pais & Educadores hoje

 

PAIS & EDUCADORES HOJE

Um desafio para todos nós

 

j.l.belas –outubro/2000

 

 

A- OBJETIVO  

 

Pensar sobre a dificuldade que os pais e educadores do ano 2000 encontram ao educar e tentar compreender qual é a natureza de tal dificuldade.

 

B- AFIRMAÇÃO PRINCIPAL  

 

Os pais e os educadores de hoje não estão devidamente preparados para a tarefa de EDUCAR seus jovens.

 

C- ARGUMENTOS para FUNDAMENTAR TAL AFIRMAÇÃO  

 

1-  A educação, nos anos 40 e 50, caracterizava-se por sua      verticalidade. O educador era “superior” ao educando, quando os pais eram os senhores dos filhos e sobre eles exerciam toda a autoridade.

 

2-  Nos anos 60, 70 e 80, ocorreu uma “distorção” na forma de se educar. Podem-se sentir os reflexos dela, de algum modo, até hoje.

 

3- Tais reflexos se revelaram, principalmente, na dificuldade que os pais passaram a ter ao estabelecer os “limites da liberdade”, que, nessas décadas, era vista como o “sumo bem”, a busca da juventude e daqueles que, por inúmeras razões, viveram a opressão política. Essa situação marcou a década de 60 e só foi sendo atenuada, principalmente em nosso país, no final da década de 70. A busca da liberdade modificou completamente o conceito de autoridade na relação pai-filho e professor-aluno.

 

4-  Ficam as questões postas: Os pais se confundem quando pensam como educar sem serem autoridade? Como dar liberdade e manter a autoridade? Como dar liberdade limitada, sem ser autoritário?

 

D- OS FATOS ONTEM E HOJE

 

1-  Anos 40 e 50: pais e professores eram a fonte de “certezas” sobre os valores do mundo e sobre as “verdades” sociais. Os educadores ERAM AUTORIDADES.

2-  Anos 60: uma verdadeira revolução nos padrões educacionais então vigentes.   

2.1- A criança e o jovem se tornaram detentores de uma individualidade

       e de verdades que deveriam ser respeitadas.

2.2- O educador deveria incentivar a independência da criança e     

             respeitar suas vontades.

         2.3- O educador deveria dar liberdade aos educandos (alunos ou

                 filhos) para que pudessem desenvolver seu senso crítico e

                 sua personalidade.

2.4- Saía-se, assim, de uma relação autoritária (anos 40 e 50) para  

       uma relação “democrática”, “NÃO AUTORITÁRIA”.  A relação

       desejável educador/educando  não via no professor

       um diferente, um “acima”, mas, sim, um IGUAL.

         2.5 – A escola desses novos tempos ganhou nome de Escola Nova.

2.6- Jornais e revistas esbanjavam temas sobre educação e criança,

       na tentativa de “ensinar” a nova pedagogia aos pais e mestres.

         2.7- A escola se viu “invadida” pelas famílias dos seus alunos, pois as

                 reuniões de pais e mestres prometiam momentos onde a troca

                 de novas ideias sobre como educar as crianças era a grande

                 atração, boa para a escola e boa para a família.

 

3- Nos anos 70 e 80, isso foi ampliado e, progressivamente, os pais, os professores e  os meios de comunicação promoveram um estímulo aos jovens, no sentido de  cada vez mais eles poderem expressar suas motivações, suas idéias.

A atmosfera democrática “venceu”. Festejou-se o fato, mas, paradoxalmente, em função da distorção no modo como ela foi implementada, o que se viu foi o surgimento progressivo de uma atmosfera anárquica.

 

E- AS DISTORÇÕES

 

         Muitos pais e mestres entenderam corretamente que, para que a criança crescesse positivamente, desenvolvesse seu potencial como pessoa, deveria viver num contexto de liberdade. Mas a distorção ficou no que significaria exatamente isso: LIBERDADE.

         Muitos dos educadores (pais e professores) não passaram por esse processo: não VIVERAM essa tal liberdade. Para muitos, liberdade era somente uma palavra, um conceito abstrato, racional. Um sonho muito pouco real.

         E muita gente confundiu liberdade com ausência de limites, o que é um lamentável e terrível equívoco, uma postura antagônica ao que se pregava: democracia.

         Evidentemente, isso, ao longo do tempo, provocou um resultado que, em muitos casos, foi catastrófico.

 

         F- A NOVA PEDAGOGIA DOS ANOS 60/70 E AS NOVAS ESCOLAS

 

         Escolas desse período poderiam ser classificadas em três grupos: as Modernas (incluindo-se aí as experimentais), as Tradicionais e as Moderadas.

         Os pais que eram adeptos das novas idéias liberais na educação escolhiam para seus filhos as escolas do primeiro grupo.

         Aqueles que eram contra as propostas democráticas da educação matriculavam seus filhos nas tradicionais.

         Finalmente, os que estavam divididos, inseguros em relação às mudanças pedagógicas colocavam seus filhos nas do terceiro grupo.

         Tenho a impressão de que, ainda que se possam classificar as instituições nesses três grupos, a força da liberdade, que foi solta como um animal selvagem em nossa sociedade dos anos 60, contagiou essas propostas num nível mais abrangente, pois não podemos esquecer que,  ainda que se dividam as escolas em três categorias, como citei acima, educação é algo muito mais amplo, principalmente se considerarmos que as crianças e os jovens estão mergulhados num contexto educacional que é a sua própria sociedade.

         Na medida em que a sociedade foi-se liberando, a educação – ou melhor – a

formação das crianças acompanhou esse processo.

Nos anos 70 e 80, vivemos momentos politicamente sérios em nosso país. A abertura em 79, com as “Diretas Já”, fechava um período de grande repressão e de censura. Até ali, escola (pré-escola, fundamental e ensino médio) era o local onde ainda se podia exercitar, mesmo que timidamente, a “democracia e a liberdade”.

          

G- MAIS ALGUNS FATOS CONCRETOS

Os educadores, cujos filhos ou alunos estão numa faixa de 11 a 18 anos hoje, têm idades que variam entre 60 e 45 anos, aproximadamente. Tiveram seus filhos no final ou no início dos anos 80. Esses educadores nasceram nos anos 40 ou 50 (fase anterior à “revolução” pedagógica).

Esses pais viveram sua infância e juventude nos anos 50-60.

Alguns deles, que se casaram mais tarde ou que tiveram filhos alguns anos depois do casamento, foram educadores de crianças que viveram as décadas de 80-90.      Ocorre que nem os primeiros, nem esses últimos viveram, salvo poucas exceções, verdadeiramente uma educação democrática, ou seja, não se prepararam para dar aos filhos esse tipo de educação. 

Em outras palavras, o que quero dizer é que, ainda que a “idéia pudesse ser boa”, os pais não estavam preparados para colocá-la em prática. Carregavam, no mais profundo deles, uma experiência oposta àquela que teriam que viver junto aos seus educandos. Deram-lhes liberdade e esqueceram de colocar, ao mesmo tempo, os seus alicerces: os limites justos, coerentes, lógicos.

 

         H- ALGUMAS CONCLUSÕES possíveis

 

1- “Os pais estão perdidos e não conseguem encontrar alternativas eficazes para lidar com seus filhos, que vivem num mundo profundamente diferente daquele em que eles, pais, viveram”.

2- O jovem de hoje tem muitas ideias, é criativo, independente…. ,mas isso tudo parece ser um obstáculo na relação entre eles e seus educadores. Digo isso não considerando que os jovens de hoje sejam superiores, ou coisa assim, em relação aos da geração de seus pais. O que afirmo com isso é que os filhos tiveram uma educação que incentivou o surgimento de uma autonomia que os pais não estavam preparados para suportar, para saberem lidar com ela e compreender seu sentido.

3- Por outro lado, essa autonomia e essa independência de alguns jovens mostram-se profundamente “irreais”, por terem sido criadas a partir de elementos de um mundo inconsistente, bastante falso, que os levava a acreditar que poderiam realizar qualquer coisa, a qualquer momento, ao seu bel prazer. A liberdade que muitos jovens conquistaram ocorreu com um não aprendizado do que significa NÃO. Nesse mundo sem limites, ou proibições, ele se tornou rei e senhor.

Com que roupa você quer ir à festa? Dizia a mãe (ou pai) e lá vinha a sugestão do(a) jovem ditador(a): sapato amarelo, blusa roxa, meia rosa, gravata verde… E lá ia aquele espantalhozinho, assustando a todos na rua por onde passasse. Mas tudo era válido, desde que não se reprimisse a criança.

O que você quer comer? Batata frita, maionese e melão.

4- Costumo dizer que os pais criaram cobras e se esqueceram de comprar botas adequadas para usarem. Agora estão sendo picados pelas cobras que eles mesmos educaram.

5- Educação, ontem, hoje e amanhã, sempre será calcada numa relação em que o educador dá os parâmetros para o educando. Esses parâmetros representam os valores dos educadores, mas precisam ser os valores verdadeiros, consistentes. A isso nós podemos chamar de coerência. 

Muitos perguntarão: isso é suficiente, já que alguns educadores acreditam em valores profundamente antissociais  e, se forem coerentes com seus educandos, acabarão passando para eles esses mesmos valores e aqueles jovens tornar-se-ão uns marginais em sua sociedade?

Creio que isso é um risco que se corre, mas esse erro poderá ser mais saudável do que aquele que surge da incoerência do educador.

Na coerência, ter-se-á um educador “real”. Ele não é uma abstração e o educando terá referenciais seguros para avaliar sua própria conduta e a do seu educador.

Na incoerência, o educando acaba tornando-se  uma pessoa sem referenciais para fazer sua própria avaliação, a avaliação de suas atitudes e do seu comportamento, bem como as de seu “mestre”.

Em se tratando de pais e educadores, o que se espera é que sejam coerentes com o que acreditam, que passem seus valores com convicção, que deem suas opiniões de forma sincera, mas que possam fazer tudo isso de maneira bem refletida, amadurecida, através de um exercício constante de autorrevisão de si e de tudo em que acreditam.

 

6- O de que nossos jovens precisam é de pais e educadores que não sejam, como muitos pais dos anos 60 e 70, pessoas querendo mudar reacionariamente.  Precisam, sim, de pessoas que desejem, de fato, mudanças significativas, revolucionárias, transformadoras e conscientes do que estão promovendo.

 

7- Os jovens precisam realmente de liberdade, mas, antes disso, os educadores precisam aprender a viver sua própria liberdade e a não ter medo dela.

 

         8- Os educadores, hoje, precisam entender que o que aconteceu nas décadas passadas e o que acontece nos dias de hoje produziram  jovens bem diferentes dos que eles foram e que não estão preparados para falar muitas coisas para esses rapazes e moças que estão aí, nesse mundo dos anos 2000.

 

         9- Os educadores de hoje precisam ouvir, muito mais do que falar. Precisam emprestar seus ouvidos para sentirem, o mais profundamente possível, os discursos de seus filhos e alunos.

         Suas bocas dever-se-iam abrir somente para lhes passar o modo como apreenderam o discurso deles e opinar a partir de sua capacidade adulta de refletir, de raciocinar, habilidades essas que precisam estar sempre desenvolvendo, para colaborar com esses jovens que se aproximam deles, como filhos ou alunos.

 

10- Os educadores de hoje precisam ser muito humildes para reconhecerem que já vai longe o tempo em que o professor, ou o educador, sabia tudo.

 

No tempo de Internet, crianças pequenas não raramente detêm informações que ultrapassam as de muitos adultos. Informações superficiais? Talvez, mas que, no dia a dia, contam no mundo atual.

 

11- Hoje, educar, como sempre foi, é um desafio.

Esse desafio caminha na estrada do bom senso, da humildade, da sinceridade, do reconhecimento de nossa limitação como agente de informação, do ouvir mais do que falar, do opinar mantendo a dúvida sobre a opinião que foi dada, do perceber que – como educadores – somos meros ajudantes, e que, a cada dia que passa, o papel principal que nos é reservado é o de um “amigo adulto” e que, por ser amigo e adulto, possa merecer de nossos jovens – alunos ou filhos – todo o respeito e a admiração.