INTRODUÇÃO A UMA PSICOTERAPIA CENTRADA NA PESSOA

Psicoterapia: Teoria e Prática

J.L.Belas – 1974/2008

INTRODUÇÃO
Quando eu era menino, sonhava ser um piloto de aviões.
Quando entrei para o Liceu Nilo Peçanha, aos 12 anos, meu sonho era tornar-me um médico.
Ao servir ao Exército, imaginei que me poderia tornar um militar.
Ao tentar manter o sonho de ser médico, enveredei-me pela Matemática e, depois, pelo Direito.
Ao trabalhar num banco, imaginei que me pudesse tornar um bom Contador e ser Gerente de uma agência bancária.
A Música sempre esteve presente em minha vida e, por alguns anos, ela me atraiu a ponto de pensar seguir este caminho profissionalmente.
Cheguei aos 25 anos sem saber que rumo tomar.
No final de 1965, passei por uma experiência fundamental para minha vida. Fiz uma orientação vocacional. Descobri, ali, a Psicologia e tudo o que ela me poderia oferecer, enquanto campo de realização pessoal e profissional.
Meu primeiro ano de estudos foi no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (antes conhecida como Universidade do Brasil). Isso aconteceu em março de 1966.
Quando fui para a “Nacional”, ainda tinha dúvidas sobre a escolha que havia feito. Imaginei que o Curso de Psicologia me fosse frustrar um pouco, pois a ideia que eu tinha, ainda como leigo, era que esse assunto me iria colocar muito mais próximo da Filosofia do que das ciências exatas (meu sonho de consumo naquela época).
Para surpresa minha, ao lado de muita Filosofia, nesse curso havia uma exigência grande, não só em relação à precisão das ideias, mas também das medidas matemáticas: Estatística, Psicometria, etc. Nele, pude também reencontrar a Biologia, que me fascinava, quando ainda pensava na Medicina.
Foi de imensa importância, na consolidação de minha certeza em relação ao curso que iniciara, o contato como um docente de metodologia científica, Professor Otávio Soares Leite.
Nos primeiros anos de minha formação como psicólogo, os estudos sobre Psicanálise tomaram grande parte do meu tempo, como costuma acontecer com os estudantes nos Cursos de Psicologia. Os temas psicanalíticos eram interessantes, mas, para mim, ficava faltando algo, que não percebia com clareza o que poderia ser. Não me sentia afinado com a metodologia freudiana.
Em 1969, entrei em contato com as ideias de Carl Ramson Rogers.
A forma de aquele psicólogo apresentar suas propostas teóricas e o modo como desenvolvia seu trabalho clínico provocaram em mim um interesse muito grande por suas teorias. Portanto, foi somente, quando já estava cursando o quarto ano da faculdade, é que percebi que havia encontrado o que me parecia faltar nos outros enfoques teóricos, que até então me haviam apresentado.
O interesse desse autor pela pesquisa talvez tenha sido o que mais me atraiu em seus trabalhos: era, para mim, o tão sonhado encontro entre o subjetivo e o objetivo no estudo da psicoterapia, entre o “exato” e o “inexato”.
Em 1972, já como psicólogo do Hospital Estadual Psiquiátrico de Jurujuba, Niterói, fui procurado por alguns estudantes de Psicologia, que me pediram para estagiar lá, sob minha supervisão.
Nessa época, já havia organizado, em meu consultório, um grupo de estudo sobre a Psicoterapia Centrada no Cliente. Esse grupo, que se reuniu semanalmente até 1975, era constituído por quatro Psicólogos, um Médico Clínico, dois Filósofos e uma Orientadora Educacional.
Cada vez mais as teorias de Rogers estavam presentes no meu dia a dia, e crescia em mim a vontade de escrever um trabalho sobre essa abordagem, segundo minha experiência.
A possibilidade de estar com um grupo de estudantes estagiários de Psicologia e com outras pessoas, profissionais da área da Saúde, interessados nas ideias de Rogers, motivou-me a tentar organizar e transmitir algumas de suas ideias, consideradas por mim como importantes para o desenvolvimento de um trabalho clínico.
Esse material, que ora lhes apresento, revisado, foi escrito em 1976. Sua redação inicial teve como objetivo servir como base para os grupos de discussão e estudos do estágio, de duração de 2 anos, supervisionados por mim, entre 1972 e 1984, realizados no nosso Serviço de Psicologia Clínica do Hospital Estadual Psiquiátrico (Jurujuba – Niterói/RJ – Brasil).
Seu conteúdo contém algumas ideias minhas sobre a Psicoterapia Centrada no Cliente, tal como a entendi durante aqueles doze anos, em que a supervisão dos estagiários de Psicologia ficou sob minha responsabilidade.
No período anterior a 76, alguns artigos já haviam sido escritos por mim sobre a clínica rogeriana, mas todos eles focalizavam situações práticas gerais do dia a dia do trabalho como psicoterapeuta, e não davam uma ideia mais abrangente e clara sobre a teoria, que sustentava a minha atividade profissional.
Em 1976, surgiu, então, uma razão mais forte para iniciar esta tarefa árdua, mas apaixonante, que é escrever um documento tão longo como o que agora lhes apresento: meus grupos de estagiários.
A pouca bibliografia disponível naquela época, principalmente em língua portuguesa, não favorecia aos estudantes um acesso mais objetivo aos conceitos e às definições importantes para o estudo e a compreensão da Psicoterapia Centrada no Cliente.
Para sistematizar os temas a serem apresentados aos estagiários, tomei como base um documento escrito pelo próprio Rogers para o COMPREHENSIVE TEXTBOOK OF PSYCHIATRY, editado por Freedman, Kaplan e Sadock, publicado em 1974.
Desse livro, tirei o roteiro geral e procurei, dentro do possível, enriquecê-lo com alguns comentários, além de desenvolver alguns temas que, naquela publicação, só eram levemente tocados.
Procurei também acrescentar um pouco da minha experiência pessoal como psicoterapeuta: o que senti junto aos meus clientes, suas declarações, minhas observações e as hipóteses que eu havia ratificado ao tentar ser o que se poderia chamar de “Rogeriano”.
Todavia, ao escrever este documento, acreditava muito no que Rogers dizia e com ele concordava mas isso não bastava para que me pudesse considerar, ou que os outros me considerassem um Rogeriano, ou um de seus “representantes”. Por isso, busquei escrever sobre as ideias desse autor tal como foram documentadas em várias obras e, além disso, dar também algumas opiniões minhas sobre o tema, baseadas na minha vivência clínica, “adotando” esse enfoque teórico.
O termo adotar, no enfoque rogeriano, não me parece muito válido, já que dá margem ao surgimento de distorções, como aquelas que se observam comumente entre alguns terapeutas. Alguns deles, às vezes, dizem: “Eu também adoto uma atitude rogeriana com alguns clientes”. Na verdade, não se pode ADOTAR uma atitude rogeriana. Chega-se a ela de dentro para fora, como algo que tem de partir de certas convicções sobre a natureza humana. Não se podem pegar as ideias de Rogers e adotá-las como um instrumento que sirva para algumas ocasiões. Esta explicação, provavelmente, ficará mais clara através do que poderá ser lido ao longo deste documento.
Esse propósito de não me colocar como representante de uma corrente de pensamento, ou da teoria psicoterápica proposta por Rogers, levou-me a dar a este trabalho o título de “Introdução a UMA PSICOTERAPIA CENTRADA NO CLIENTE”.
Desejo, com isto, deixar claro que muito do que foi escrito aqui, com exceção, é claro, das citações do próprio Rogers, e de outros que sobre ele escreveram, é uma visão muito pessoal, minha, sobre o pensamento daquele autor.
Indiscutivelmente, o pensamento desse psicólogo teve uma influência profunda na construção do meu modo de agir e ser junto aos meus clientes. Isso fica claro em cada escrito meu, em cada afirmação que ouso fazer sobre as conclusões e os achados que venho acumulando ao longo de algumas décadas de trabalho com pessoas.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Várias vezes, vi-me diante de pessoas que – a despeito de seus conhecimentos sobre Teorias Psicoterápicas – tinham uma visão distorcida da Abordagem Rogeriana.
A sucessão de fatos idênticos a este chamou minha atenção.
Perguntava a mim mesmo: por que essas pessoas formam uma ideia da Client-Centered,
como se ela fosse um enfoque SUPERFICIAL e INGÊNUO?
No rastro dessa pergunta, surgiram inúmeras respostas. Citarei algumas, sem, contudo, estabelecer um critério de grau de importância entre elas.
Tenho observado que vários cursos, em que se ministram cadeiras como Aconselhamento Psicológico, Teorias e Técnicas Psicoterápicas, etc. (como acontece nas Faculdades de Psicologia, nas de Educação e em tantas outras), às vezes, incluem a teoria rogeriana em seus programas. Entretanto, como os professores têm que dar uma ideia de várias teorias sobre “aconselhamento” e “psicoterapia”, num espaço de tempo exíguo, seria de se esperar que seus alunos tivessem apenas uma ideia SUPERFICIAL E INGÊNUA não só da PCC, como também de todas as outras orientações teóricas.
Um outro fator possivelmente acarrete também tais dificuldades. Se não me equivoco, os alunos, que frequentam os cursos ligados, direta ou indiretamente, à tarefa de ajuda psicológica, recebem uma carga horária maior destinada ao estudo da Psicanálise, em comparação com as destinadas ao ensino de outros enfoques. Todos sabemos o quanto as ideias psicanalíticas foram, e ainda são, exploradas pelo cinema, pela literatura… Muitas pessoas, mesmo hoje, chegam a confundir tratamento psicológico com Psicanálise ou, como muita gente fala, Análise.
Muitos estudantes chegam à Faculdade de Psicologia já “sabendo” muitas coisas sobre Psicanálise. Sabendo entre aspas, pois há, comumente, uma visão distorcida do que Freud escreveu. Entram, portanto, pensando que sabem alguns conceitos da Psicanálise e, quando começam a estudar realmente o assunto, percebem o quanto desconheciam até mesmo os conceitos mais básicos daquele enfoque teórico. Passam a considerar a Psicanálise uma teoria complexa e profunda, difícil de ser entendida sem um estudo sério e sistemático. As outras teorias lhes soam como desinteressantes, superficiais, de linguagem simples (ingênuas).
Superficiais, porque imaginam que elas não poderiam ajudar as pessoas na solução dos distúrbios “mais profundos” da personalidade (tarefa que seria reservada, e exclusiva, a um método tal como o da psicanálise); ingênuas, por não serem (aparentemente) teorias estruturadas com o mesmo grau de complexidade daquelas que norteiam as obras freudiana e neofreudiana.
Esse, entre outros aspectos que surgem na comparação entre a Psicanálise e outros Enfoques Teóricos, faz com que muitas pessoas passem a ter a impressão de faltar uma profundidade em suas bases filosóficas e “científicas” em todos aqueles que se distanciem, mesmo que minimamente, das ideias freudianas.
Como falei anteriormente, todas (incluindo a Psicanálise) são estudadas superficialmente pelos alunos de nossas Faculdades, e são raros os que conseguem saber bem, ao término de seus cursos, sequer uma delas.
Considerar a teoria psicanalítica complexa parece válido. Achar todas as outras simples não parece correto.
Creio que, muitas vezes, não há tempo suficiente para que o estudante descubra o grau de complexidade que existe naquelas teorias, aparentemente simples, superficiais, que usam uma linguagem diferente da Psicanálise. Mas, infelizmente, parece que já se instalou, com o tempo, este preconceito. Ele também contribuiu para que vejam a PCC como superficial e ingênua. Para conhecer a Psicanálise, precisa-se de muito tempo, de vários anos, mas, para saber o que é a PCC, alguns meses bastam. Assim pensam aqueles que nada entendem sobre a teoria rogeriana.
Se, por um lado, muitos, a priori, veem a PCC como superficial e ingênua, outros, num polo
oposto, acreditam que ela seja uma SUPERTEORIA.
Nem num polo, nem no outro. Temos que tentar conhecer, o mais que pudermos, as ideias lançadas por Rogers e seus colaboradores, e procurar sentir o que realmente eles propõem, o que concluíram em suas pesquisas, o que chamam de psicoterapia, o conceito que têm sobre o papel do terapeuta, o que consideram ser uma personalidade saudável, etc.
Num determinado momento histórico das práticas psicoterápicas e também dos métodos pedagógicos, muitos profissionais descobriram as ideias de Rogers. Por elas estarem ligadas a valores aparentemente “recém-redescobertos” por nós, como, por exemplo: LIBERDADE, AUTENTICIDADE, ACEITAÇÃO DO OUTRO, etc., essas pessoas optaram pelas ideias daquele autor e tentaram “adotar” os conceitos contidos em suas obras. Todavia, o que se pode perceber é que vários profissionais, que se diziam “simpatizantes” das propostas de Rogers, íntima e profundamente, não traziam em si as convicções que caracterizavam os que se sintonizavam,verdadeiramente, com a filosofia subjacente às suas ideias mais importantes.
Nas décadas de 60 e 70, muitos profissionais brasileiros, principalmente os da Educação, da Psicologia e da Psiquiatria, viram-se envoltos num MODISMO, sem perceberem, exatamente, até onde sentiam, de fato, em si mesmos, uma ressonância da filosofia contida nos escritos de Rogers. Notava-se, por suas atitudes, que eles não viviam, no dia a dia, tais ideias como uma parcela da sua própria maneira de viver.
Ser ROGERIANO estava na moda, e muitos embarcavam nesse rótulo apenas pelo STATUS.
Por outro lado, as informações distorcidas das ideias de Rogers acarretaram – principalmente em muitos ambientes ligados à psicoterapia e à saúde – uma negação desse status(ser rogeriano).
Para muitos psicólogos, estudantes de psicologia, psiquiatras e outros profissionais da saúde, ser rogeriano era ser superficial, era fazer “H-hm!”, era fazer terapia de apoio, era ser ingênuo quanto à natureza dos problemas mais profundos dos seres humanos, etc., etc.
Isso apenas demonstrava a distância em que se encontravam daquilo que foi proposto por Rogers.
Por essas razões, o mais importante, agora, depois de tais considerações iniciais, é que tentarei descrever, da melhor maneira que puder, o que vem a ser “rogeriano”, segundo minha ótica.
Sempre que for citada alguma frase ou palavra retirada do que Rogers tenha escrito, destacarei isto colocando “entre aspas”, acompanhadas de uma referência bibliográfica. As demais serão um olhar meu sobre o tema, baseado na minha própria experiência clínica e, por isso mesmo, poderão ter muito, ou quase nada, do que Rogers propôs.
Tal postura justifica o título que dei ao presente trabalho: “Uma psicoterapia centrada no cliente”.
2 – DEFINIÇÀO E HISTÓRICO
DEFINIÇÃO
A seguir, alguns conceitos que, no conjunto, nos ajudarão a definir mais corretamente este enfoque terapêutico.
Podemos, logo de início, dizer que ele é FUNDAMENTALMENTE UMA TEORIA DAS RELAÇÕES
HUMANAS.
De fato, quem vivenciou as ideias de Rogers teve oportunidade de sentir como a psicoterapia centrada no cliente é, em sua base, um processo de relacionamento humano, e como este tipo peculiar de contato entre pessoas é um fator fundamental na promoção de uma ajuda psicológica.
Na terapia rogeriana, o terapeuta parte de uma hipótese principal:
“O potencial de crescimento de qualquer indivíduo tende a ocorrer num clima de relacionamento onde uma pessoa (considerada auxiliar) está experienciando e comunicando, como um indivíduo real, seu apreço e uma profunda compreensão não julgadora” (ROGERS, 1974).
Embora esta hipótese possa soar como simples, não complexa, encerra justamente o oposto.
Comunicar, “experienciar”, não julgar, como veremos mais adiante, passam a ser condições importantes para que se coloque em andamento o processo, ao qual damos o nome de psicoterapia. Reunir essas atitudes é o que se espera de uma pessoa que se proponha a ser um terapeuta, neste enfoque teórico.
Como se pode deduzir, não se trata de uma conquista fácil, pois isso exige que o profissional tenha, muito bem sedimentada dentro de si, uma “filosofia pessoal”, caracterizada por alguns valores em relação aos seres humano e sobre o relacionamento entre eles.
Uma outra observação faz-se necessária: A PCC É UM ENFOQUE QUE SE ORIENTA MAIS PARA O PROCESSO DO RELACIONAMENTO DO QUE PARA OS SINTOMAS OU SUA CURA.
O que se pretende com essa afirmativa é deixar bem claro o quanto esse enfoque teórico se afasta de um modelo médico.
Esse modelo (médico) é o que praticamente norteia a maioria dos enfoques, que visam remover sintomas e “curar” as “doenças”. Talvez esse modelo nunca tenha sido bom para se trabalhar em nível de relacionamento humano, pois a relação com pessoas não pode ser artificializada por uma metodologia que tire do contato delas o que, nele, de humano realmente existe: dois seres complexos que vivem, que se querem conhecer, e que percebem que nenhum ponto de referência fora deles pode explicar o que eles são. Desta forma, o mundo de cada um é “experienciado” individualmente e, aí, não há lugar para julgamentos e críticas. Pode-se, somente, sentir o fluir de uma existência singular, suas configurações, seus caminhos, suas dúvidas, seus medos, seus ódios, seus amores, tudo que ocorre, de forma única, dentro de cada pessoa.
Esta realidade singular, esta vivência particular, neste mundo igualmente particular, em que cada um de nós vive, constitui o contexto em que cada problema de cada pessoa se desenrola. Só ela é capaz de conhecer realmente os elementos deste cenário. Entretanto, ela pode transmitir-nos muitos desses elementos que o constituem e, assim, passamos a, paralelamente, vivenciar um pouco daquilo que existe dentro dela, o seu mundo.
Quanto mais livremente o outro puder falar sobre o seu mundo, mais poderemos conhecê-lo.
Para que possamos conhecê-lo mais correta e plenamente, precisamos dar ao outro as condições, para que o seu discurso possa, além de detalhado, ser também o mais verdadeiro.
Ele só nos poderá dar uma ideia precisa sobre si mesmo quando não formos, para ele, um obstáculo, um “desconhecido”, alguém que fale uma linguagem diferente da sua, mas, pelo contrário, uma pessoa capaz de entender o seu discurso, de caminhar de mãos dadas com ele pelas alamedas do seu mundo interior. Em outras palavras, quando puder sentir em nós não um outro, mas sim uma extensão de si mesmo.
Para que tudo isso possa ocorrer, o terapeuta precisa acreditar no ser humano que está diante de si. Precisa gostar de se relacionar e dar condições para que aquele encontro, que está estabelecendo com essa pessoa diante de si, se processe construtivamente. É igualmente necessário que não fique preocupado com os significados teóricos de tais ou quais atitudes de seu cliente, mas que possa estar integralmente ali, ao lado dele, vivenciando aquele processo terapêutico, sem interferir na direção que venha a tomar.
Se, por um lado, podemos sentir a fundamentação humanista na teoria rogeriana, por outro, também podemos perceber o quanto ele se preocupou em objetivar os achados subjetivos que surgem no decorrer do processo terapêutico. Assim, constatamos que a Psicoterapia Centrada no Cliente, na sua origem, se mostrou profundamente voltada para a pesquisa.
No enfoque rogeriano, objetivar o subjetivo foi uma tarefa razoavelmente superada, quando o comparamos com outros métodos terapêuticos, que, por vários motivos, se abstiveram do uso de recursos, tais como as gravações em fitas magnéticas e filmes. Na utilização desses recursos, métodos e técnicas especiais foram utilizados e permitiram que se estudasse o processo de uma forma muito mais precisa, dando àqueles que se interessavam por esse enfoque uma visão bem mais segura do método que utilizavam, e o que dele se poderia obter: seus limites e suas potencialidades.
Através dos achados em pesquisas, pode-se não somente confirmar a maioria das hipóteses norteadoras desta linha teórica, como também refutar muitas delas.
Muitas pesquisas continuam sendo realizadas e, com isso, o nível de confiabilidade da teoria aumenta.
Muitos conceitos foram alterados, outros novos surgiram e outros mais surgirão. Isso nos leva a mais um outro aspecto da característica da Psicoterapia Centrada no Cliente: É UMA TEORIA EM CONSTANTE EVOLUÇÃO, NÃO TERMINADA, NÃO CONCLUSA, NÃO DOGMÁTICA.
O fato de ser um construto teórico sempre em estudo, em constante pesquisa, evolução e transformação, parece-me muito coerente com as ideias do próprio Rogers sobre as pessoas que teriam alcançado um estágio de “plenitude de vida”. Tais pessoas gozariam de um estado de fluidez, abertura para as experiências, etc., como veremos mais detalhadamente no capítulo IX.
A teoria rogeriana é uma teoria em mudança construtiva e permanente. Não é estática, não é fechada, não é fantasiosa, não se considera acabada e não é dúbia. Define-se, mostra-se e propõe-se a afirmar apenas aquilo sobre o que já sabe o suficiente, para assim proceder. Não nega as outras teorias, apenas acredita que existem várias formas de ajuda igualmente válidas, e que as pessoas têm o direito de acreditar naquela teoria que realmente as ajude mais, que sintam mais condizentes com a sua maneira de ser, com seus valores pessoais.
Com relação ao campo de aplicação da PCC, creio que seria interessante esclarecer que, DA PRÁTICA TERAPÊUTICA, ORIGINOU-SE UMA TEORIA DA TERAPIA E, DESTA, UMA TEORIA DAS RELAÇÕES HUMANAS.
A hipótese principal que mostra a importância do relacionamento terapeuta-cliente, como falei acima, passou a ser a mesma para o processo de relacionamento “não terapêutico”, ou melhor dizendo, no relacionamento “fora do gabinete de consulta”.
Apenas para relembrar o que escrevi sobre a hipótese principal, veja:
“O potencial de crescimento de qualquer indivíduo tende a ocorrer num clima de relacionamento onde uma pessoa (considerada auxiliar) está experienciando e comunicando, como um indivíduo real, seu apreço e uma profunda compreensão não julgadora” (ROGERS, 1974).
Esta hipótese se aplica a qualquer situação onde o relacionamento humano construtivo for desejado. A partir daí, podemos perceber que as áreas da Educação e da Administração, os trabalhos com grupos e tantas outras atividades poderão ser beneficiadas com as propostas da teoria rogeriana. Os relacionamentos professor-aluno, empregado-patrão, marido-esposa, e todos os demais estão sujeitos a uma hipótese básica sobre o relacionamento humano, proposta por Rogers.
BREVE HISTÓRICO
Embora muitas ideias de diversas pessoas tenham influenciado Rogers, coube a ele o papel principal de sintetizar essas várias fontes, criando algo realmente novo, que foi a PCC.
Sua teoria tomou forma entre 1938 e 1950.
Antes de 1940, Rogers já havia percebido a importância do relacionamento e da confiança em seus clientes, como ficou muito bem documentado em um artigo escrito para o Journal of Humanistic Psychology. Nessa revista, ele mostra-nos também como, em 1940, em Ohio, na condição de professor, quando tentava ensinar suas opiniões sobre o trabalho clínico, começou a perceber que “(…) estava dizendo algo novo (talvez até original) em relação ao aconselhamento e à psicoterapia” (ROGERS, J.H.P.,1974). Nessa ocasião, lançou o livro Psychoterapy and Counseling,recentemente traduzido para nossa língua pela Moraes Editores, 1973.
Entre 1945 e 1950, esteve ligado ao Centro de Aconselhamento da Universidade de Chicago e suas ideias foram ainda mais elaboradas.
Entre 1940 e 1950, as ideias de Rogers foram identificadas, basicamente, como uma forma de Counseling e Psicoterapia denominada “não diretiva”.
Um outro aspecto importante na história da PCC foi, sem dúvida, o crescente uso de gravações, que ajudaram nas pesquisas e nas observações mais sistematizadas, e deram, como consequência, origem a uma preocupação mais acentuada com as técnicas. Tanto assim que, nessa época, as “técnicas não diretivas” passaram a ser marcas identificadoras desse novo enfoque teórico.
Gradativamente, esta concepção (técnica não diretiva) foi sendo alterada, não só pelas experiências e pelos achados em pesquisas, os quais foram mostrando a inadequação do termo, como também por ela dar margem a mal-entendidos e questionamentos, tais como: O terapeuta rogeriano é não diretivo? Em que medida pode haver não direção? O que se entende por não diretividade?
Outra coisa que, com o passar do tempo, precisou ser mudada foi a palavra paciente. Inicialmente, o uso dessa palavra era comum, mas o sentido dela dava margem a vários equívocos, provavelmente por seu uso estar ligado à clinica médica e associado à figura de uma pessoa passiva , obediente, que recebia do clínico as orientações sobre como se cuidar e encontrar a melhor maneira de superar sua “doença”.
Em lugar de paciente, surge a palavra cliente, que sugeria uma participação mais ativa da pessoa no seu processo terapêutico.
A denominação de terapia não diretiva deu lugar então à PCC, Psicoterapia Centrada no Cliente.
Uma explicação melhor sobre essa mudança pode ser encontrada no livro Psicoterapia Centrada no Cliente (ROGERS, C.R., Buenos Aires: Editorial Paidós, 2ª. ed.,1969), e também no Psicoterapia e Relações Humanas (ROGERS, C. R. & KINGET, G.Marian , Madrid: Ed.Alfaguara,1967).
No prólogo desse segundo livro sugerido, Mariano Yela nos diz:
“Queiramos ou não, nos dirigimos uns aos outros. Uma das coisas, segundo penso, mais claras, é a enorme influência de Rogers, sua personalidade, sua maneira de ser peculiar ao conduzir as sessões clínicas – exercem?? sobre seus pacientes. É inútil querer pular sobre a própria sombra. A psicoterapia é, inevitavelmente, técnica e diretiva, o que não significa dizer que tenha igual valor qualquer técnica nem qualquer tipo de direção.
“‘Não dirigir’ quase sempre sugere ausência de liderança, liberdade não controlada, inexistência de objetivos, laissez-faire, desinteresse, etc., e ‘terapia não-diretiva’, logicamente, teria que sugerir algo semelhante. Assim sendo, poderíamos dizer que, nem tanto por necessidade de esclarecer as críticas levantadas em decorrência de uma terminologia ambígua, mostrou-se cada vez mais necessário operacionalizar os conceitos teóricos desta terapia.
“A opção pela denominação Psicoterapia Centrada no Cliente (ROGERS, 1951) realmente está mais próxima do que ocorre nos encontros terapêuticos. Porém ainda não satisfaz plenamente e, como diz o próprio Rogers, será usada enquanto não se encontrar outra melhor.”
Ainda sobre a denominação “não diretiva”, diz-nos Kinget (ROGERS & KINGET,1967):
“De um ponto de vista exterior, não direção e permissão total se parecem muito. Porém, em sua intenção e em sua especificidade, não há nada em comum com elas. A não-direção, tal como o rogeriano a entende, se inspira numa atitude incondicionalmente positiva, enquanto permissão total se reduz essencialmente a indiferença e, inclusive, a uma tolerância parecida com o desprezo.”
Um outro mal-entendido, que decorre do que falamos acima, e que levou muitos a fazerem (segundo penso) as tão conhecidas piadas sobre a terapia e o terapeuta rogeriano, refere-se à ideia de permissão total junto ao cliente:
“Devido a isso, o terapeuta rogeriano é erroneamente descrito, com frequência, como‘inativo’. Entretanto, é bom que se entenda este termo num sentido oriental, quer dizer, significando não ausência de atividade, senão ausência de atividade intervencionista” (ROGERS & KINGET, 1967).
Ainda sobre este assunto, a mesma autora citada acrescenta um esclarecimento da maior importância:
“É verdade que, em certo sentido a não direção não existe. É importante que se distinga entre NÃO DAR DIRETIVAS e NÃO TER DIREÇÃO, ou mais especificamente entre DIRETIVAS E DIREÇÃO. O termo ‘diretivas’ implica em conselhos, instruções, sugestões, etc., enquanto que ‘direção’ sugere a ideia de orientação ou de significação.”
O terapeuta rogeriano não se propõe a dar diretivas. Todavia, existe um conhecimento adquirido, uma experiência pessoal, um valor implícito em todo terapeuta (no que ele crê, o que está fazendo, porque o faz, para que o faz, etc.). Tudo isso, obviamente, implica numa “direção”, num algo que esquematiza e dá sentido e forma ao encontro terapêutico.
O terapeuta rogeriano não é alguém que “vai a reboque” do cliente. Ele atua junto, participa, vive a experiência do cliente, vive sua própria experiência naquele momento, centraliza-se no cliente, mas também em si mesmo, nos momentos tão importantes de autoatenção, sobre a qual falaremos, com mais detalhes, mais adiante.
Por outro lado, o processo terapêutico é determinado por alguém que vem voluntariamente procurar ajuda, que quer participar ativamente de seu próprio crescimento, que conta com o terapeuta como um auxiliar seu na busca de si mesmo. Assim, cliente e terapeuta, ambos, são ativos. Não caberia, portanto, o termo paciente que, comumente, caracteriza alguém inativo, que espera a intervenção de algo ou alguém de fora. Por isso, tanto a denominação não diretiva, assim como paciente deram lugar a uma terminologia mais abrangente e mais próxima da realidade do que ocorre na relação terapêutica rogeriana: CENTRADA NO CLIENTE.
Foi em 1951, após todo um período de pesquisas, reformulações teóricas e experimentais, que surgiu a denominação PSICOTERAPIA CENTRADA NO CLIENTE, ou CCT, em inglês, Client Centered Therapy, que, como se pode observar, foi adotada para evidenciar que o foco se dirigia para o “mundo fenomenológico” do cliente.
Nos anos 50, houve um grande número de pesquisas, uma verdadeira onda de entusiasmo neste campo que desabrochava com grandes perspectivas. A partir delas, começou a surgir uma teoria bem mais completa e sistematizada. Muitas hipóteses foram confirmadas, algumas refutadas, outras dependiam de novas pesquisas, enfim, tudo isso levou as idéias, lançadas no livro Client Centered Therapy, que já eram bastante sistematizadas, a uma prova ainda mais sofisticada, a fim de garantir, mais ainda, a validade de certas hipóteses contidas naquela obra.
Por volta de 1959, chegou-se a uma sistematização rigorosa dos achados das pesquisas, surgindo, daí, uma sólida teoria da terapia e da personalidade. Reconheceu-se, além disso, que ela não era simplesmente aplicável à prática psicoterápica, mas um enfoque para a compreensão de todos os tipos de relacionamento humano.
Por essa época foi lançado o livro TORNAR-SE PESSOA (ROGERS,1961), que, inicialmente, se destinava a psicólogos e profissionais de campos afins. Inesperadamente, houve uma receptividade muito grande do público em geral, o que possivelmente tenha feito com que esse livro de Rogers seja um dos mais conhecidos.
Nos anos 60, estendeu-se mais o campo de pesquisa e enfatizaram-se as experiências desse enfoque junto a um campo de observação muito maior. Esquizofrênicos crônicos fizeram parte de um amplo plano de pesquisa. Os resultados desse programa foram publicados, em 1967, por Rogers e vários colaboradores, no livro Person to Person.
Alguns anos depois, foi desenvolvido um projeto junto a grupos de trabalhadores, professores, executivos, etc. Os resultados dessas experiências foram publicadas em duas obras, uma, em 1969, Liberdade para Aprender, e outra, em 1970, Grupos de Encontro.
Este breve histórico da PCC (até a década de 70) poderia ser sumariado da seguinte forma:
– no início, alguns de seus conceitos pareciam dúbios e causavam confusão para o
leitor;
– no final, tivemos uma teoria bastante estruturada e bem definida;
– iniciou-se como técnica e, gradativamente, afastou-se dela;
– no começo, counseling e terapia;
– no final, uma abordagem ampla do relacionamento humano;
– do trabalho individual (terapia e counseling), passou a abranger e a preocupar-se com o trabalho intensivo com grupos de pessoas.
Sofreu influência dos filósofos, dos psicanalistas e dos biólogos, e chegou a um posicionamento bem original e, muitas vezes, distante de tantos quantos a influenciaram.
Partindo de um modelo inicial de pesquisa científica, que a identificava com as ciências naturais, chegou à formulação e à aplicação de uma metodologia que lhe era mais própria e que lhe dava condições de compreender, mais corretamente, o significado dos dados que surgiam no processo terapêutico, através de recursos que criavam meios de se objetivarem os fatos subjetivos.
Finalmente, parte do conceito de “paciente” e chega ao de “cliente”, termo esse que “(…) foi adotado para indicar que este não era um modelo médico, prescritivo ou manipulativo” (ROGERS,1974).

3- ORIGENS E CARACTERÍSTICAS

3-1- ORIGENS
Não se pode reconhecer, nas ideias contidas na teoria rogeriana, a marca definida de um único pensador que pudesse ter influenciado Rogers. Ele não teve um MENTOR.
Nas propostas da PCC, podemos sentir as influências de inúmeros pensadores, de várias épocas.
A própria formação de Rogers foi de importância capital na origem dessa abordagem.
Suas experiências no Teachers College (Universidade de Columbia) levaram-no a entrar em contato com as ideias de John Dewey, através de William A. Kilpatrik, e, ao mesmo tempo, com a preocupação científica que havia ali.
No Teachers, havia uma cobrança do rigor científico. Ali, enfatizavam-se a pesquisa, a utilização do método hipotético-dedutivo e a preocupação com definições operacionais.
Durante esse mesmo período, Rogers sofreu outra influência importante. Em seu internato no Institute for Child Guidance, entrou em contato com o pensamento freudiano, que era o norteador daquela instituição.
A essa altura, já se pode sentir uma mistura, digamos assim, heterogênea de influências freudianas, um pensamento educacional progressista e uma metodologia científica, num trabalho basicamente de psicologia aplicada.
Anos mais tarde, em Philadelphia, uma outra experiência será marcante na formação de Rogers. Ele entra em contato com as ideias de Otto Rank. Este, discípulo de Freud,enfatizava alguns pontos sobre a terapia, que estão muito próximos da PCC. Acreditava que “A terapia é, para o cliente, algo além de um canal para as teorias intelectualizadas do terapeuta. …É importante que o cliente expresse sua própria vontade, tome o comando de sua própria vida e crie sua própria realidade.” (RANK,1936). Veremos a proximidade dessas ideias com a PCC, a seguir.
Se tentarmos fazer uma relação de tudo e todos que influenciaram Rogers, logo de início, verificaremos a impossibilidade de tal empreendimento. Recebeu influências de várias pessoas, que possuíam opiniões completamente diferentes. Entretanto, não se prendeu a nenhuma teoria “acabada” ou dogma. Sua teoria chegou a ser elaborada através de exames e reexames, das mudanças e das experiências vividas junto a seus clientes.
Rogers e seus colegas estudaram, pesquisaram, observaram e puderam chegar a algumas “conclusões” sobre o processo terapêutico. Sua teoria não cresceu, nem nasceu num gabinete, através de especulações somente teóricas. Nasceu de uma prática, de sua própria experiência como terapeuta.
A PCC, atualmente, está bastante distanciada, em muitos aspectos, das obras iniciais. Para se perceber tal fato, basta lermos e compararmos, por exemplo, sua obra de 42 com a de 51, a de 51 com a de 67, etc. Podemos notar, fazendo isso, que sempre há, nas obras mais recentes, a preocupação incansável com a pesquisa.
Quando se leem as obras de Rogers, sente-se que há um paralelismo entre suas ideias e outras linhas de pensamento, tais como a fenomenologia europeia, a filosofia existencial de Kierkegaard e Martin Buber, as teorias da Gestalt (principalmente as ideias de Kurt Lewin), como também se percebem alguns pontos em comum com o pensamento Zen (A experiência pessoal é a principal via de aprendizagem) e com Lao-Tsé (Se eu evito impor às pessoas, elas se tornam elas mesmas).
É importante que se destaque, mais uma vez, que, para essa teoria, “o modelo médico nunca foi visto como ideal a ser aplicado ao relacionamento interpessoal”.

3-2- CARACTERÍSTICAS MARCANTES DA PCC
Até aqui, tentei fazer um breve histórico da teoria desenvolvida por C. R. Rogers. Minha preocupação foi dar ao leitor uma noção de como foram criadas as condições para que Rogers chegasse a formular sua teoria, tal como a conhecíamos até a data da publicação do presente documento.
Indiscutivelmente, há muita coisa em comum entre a PCC e outras terapias. Entretanto, no conjunto, ela se estrutura de forma bem peculiar.
As características que definem esta teoria como CC, e não como outra qualquer, serão, agora, apresentadas. Possivelmente a partir disso, o leitor poderá fazer um quadro comparativo com outras correntes teóricas que ele conheça e, dessa forma, conseguirá definir mais precisamente o que chamamos de PCC.
1ª Característica
A PCC se fundamenta numa hipótese sobre as atitudes do terapeuta.
“Certas atitudes do terapeuta constituem as condições necessárias e suficientes para a efetividade terapêutica” (ROGERS, 1975).
2ª Característica
Um outro aspecto marcante diz respeito à função do terapeuta.
“Estar imediatamente presente e acessível ao seu cliente, atento à sua ‘experienciação’, momento a momento, no relacionamento com ele” (ROGERS, 1975).
3ª Característica
Quanto ao que se focaliza na relação.
“Há uma focalização contínua sobre o mundo fenomenológico do cliente” (ROGERS, 1975).
4ª Característica
Sobre o processo terapêutico,
“(…) O que se espera que ocorra a partir de um relacionamento terapêutico efetivo? Tal processo se caracteriza por uma mudança na maneira de experienciar do cliente a qual consiste num aumento crescente da habilidade para viver mais plenamente o momento presente.”
5ª Característica
Uma motivação de base positiva,
“Gradativamente foi-se constatando uma qualidade que existe em TODO SER VIVO. Em todos eles se observa uma tendência a uma auto-atualização. O organismo humano não foge à regra. Essa qualidade (tendência atualizante) passa a ser uma força motivadora em terapia.”
6ª Característica
Ênfase maior no processo de mudança da personalidade.
“Neste enfoque teórico observa-se uma ênfase maior no processo de mudança da personalidade do que na sua estrutura.”
7ª Característica
Igualmente é enfatizado o espírito de pesquisa.
Constantemente são feitas pesquisas, a fim de se conseguir uma aprendizagem mais sólida sobre psicoterapia.

8ª Característica
A hipótese de que os princípios da PCC são aplicáveis a uma gama de situações e distúrbios.
Assim, foi e é aplicada e pesquisada entre “psicóticos”, “neuróticos” e “normais”.

9ª Característica
Ênfase na relação interpessoal
“A PCC vê na psicoterapia uma semelhança com todo o relacionamento interpessoal construtivo.”
10ª Características:
– a importância da experiência na formulação teórica;
– a preocupação em construir toda formulação teórica a partir da experiência.

11ª Características:
– os valores filosóficos e a prática;
– da prática da psicoterapia, chegou-se a uma série de valores filosóficos.

SÍNTESE
Como mencionamos no início deste item, o leitor poderá observar muitos pontos semelhantes entre a PCC e outros enfoques psicoterápicos. Entretanto, reconhecerão, também, o distanciamento de algumas de suas características, que, realmente, a diferenciam de outras orientações teóricas.
No desenvolvimento deste trabalho, teremos oportunidade de esclarecer algumas das características que acabamos de apontar.

4 – O RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO

4-1- Considerações Gerais
Há alguns anos, venho entrando em contato com estudantes de Psicologia, interessados na prática e no estudo de psicoterapia.
Lidar com eles tem sido uma experiência muito enriquecedora para mim, e esse contato tem- me dado a oportunidade de verificar uma hipótese que, a cada dia que passa, mais e mais se confirma. Refiro-me ao relacionamento terapêutico e à sua capital importância no sucesso da terapia.
Poderíamos formular essa hipótese da seguinte maneira:
“O sucesso da terapia não depende primariamente do treinamento técnico ou da qualificação do terapeuta, mas sim da presença, nele, de certas atitudes” (ROGERS,1975).
Por outro lado, esta hipótese se completa com a seguinte afirmativa:
“Não basta que haja tais atitudes. Elas precisam ser
comunicadas ao cliente e percebidas por esse.”
Poderíamos juntar essas duas afirmações e fazer delas uma hipótese bem mais ampla:
“Se o terapeuta apresenta determinadas atitudes, se ocorrer uma comunicação dessas por parte dele, e uma recepção das mesmas por parte do cliente, então, este fato se tornará um determinante fundamental no processo terapêutico e de mudanças construtivas da personalidade.” (ROGERS,1975).
O que tenho observado no contato com os estudantes, ou com os recém-formados, não é tanto uma incapacidade pessoal para se relacionarem com as pessoas que atendem, mas, sim, uma maneira deformada de estabelecerem tais relacionamentos, muitas vezes em decorrência de informações equivocadas adquiridas nas salas de aula de suas universidades.
Os Cursos de Psicologia parecem muito mais voltados para a informação do que para a formação dos futuros terapeutas. Assim sendo, não é raro o aluno aprender superficialmente sobre várias técnicas e teorias e ter pouca oportunidade de aprender sobre o seu “objeto de estudo” – o ser humano – através da vivência concreta de relacionamentos humanos profundos.
Talvez, este seja um dos motivos principais das dificuldades apresentadas pelos alunos nas supervisões de suas práticas clínicas. Eles chegam aos supervisores cheios de teorias, de rótulos, de hipóteses, de dogmas e, com tudo isso, tentam ser “naturais” e plenos no contato com seus clientes. Não conseguem. Tentam compreendê-los. Não conseguem. Tentam ouvi-los, o mesmo acontece. Tudo indica que estão presos a rótulos e não conseguem perceber o OUTRO de forma não preconceituosa.
Essa postura dos estagiários, com padrões rígidos de percepção, dificulta a sua prática como terapeutas, principalmente se se estiverem preparando para um uma atuação profissional num enfoque rogeriano. Nessa abordagem, o relacionamento humano transparente, congruente e autêntico é básico para se pôr em marcha uma psicoterapia bem sucedida.
Inicialmente, os alunos tentam utilizar os conceitos rogerianos, como se fossem instruções técnicas. Como o resultado que costumam obter – usando esta estratégia – não costuma ser positivo, é frequente surgirem dúvidas neles em relação à validade da PCC. Alguns começam a ter uma percepção mais clara sobre o quanto esse enfoque é complexo e exige do terapeuta uma mudança enorme, no que diz respeito a muitas convicções tradicionais, relativas ao seu papel profissional.

4-2- AS ATITUDES DO TERAPEUTA
O que escreveremos, a seguir, constitui quase que uma tradução bem livre do que Rogers escreveu para o Comprehensive Textbook of Psychiatry (CTP, 1974).
Naquele trabalho, Rogers conceitua com mais detalhes o que considera como atitudes do terapeuta.
“A experiência clínica e as pesquisas nos mostraram, passo a passo, que as atitudes mais importantes para o sucesso da terapia são três:
1ª A autenticidade do terapeuta ou CONGRUÊNCIA.
2ª A ACEITAÇÃO POSITIVA INCONDICIONAL do terapeuta em relação a seu cliente.
3ª Uma sensível e acurada COMPREENSÃO EMPÁTICA do cliente pelo terapeuta.
Com relação às três atitudes que mencionamos, temos que observar o seguinte:
a- A experiência tende a nos levar a crer que as condições acima estão na ordem de importância;
b- Assim sendo, a congruência é a mais importante das três atitudes;
c- As outras duas são provavelmente menos importantes;
d- Todavia, a terapia ocorre de forma mais efetiva, quando todos os três elementos estão presentes em alto grau.”
Passaremos, agora, a discutir cada um desses aspectos isoladamente. Para isso, preferimos apresentá-los na ordem inversa.

COMPREENSÃO EMPÁTICA
Das três atitudes necessárias ao terapeuta, a empatia é a mais facilmente adquirível, através de um treinamento específico, contrariamente às outras duas.
“Compreensão Empática corresponde a um ‘estar em casa’ no universo do cliente” (ROGERS, 1974).
Mais adiante, Rogers completa:
“É uma sensitividade imediata no aqui e agora. Sentir o mundo não simbolizado do cliente como seus significados pessoais, próprios, COMO SE fora o do próprio terapeuta, mas sem nunca esquecer da qualidade do ‘COMO SE’” (ROGERS,1974).
Observa-se, aqui, uma aproximação com alguns conceitos da fenomenologia, principalmente quando, na mesma obra, Rogers diz que:
“(…) compreender o mundo fenomenal do cliente requer do terapeuta mais do que meramente a compreensão de suas palavras.”
Compreender empaticamente implicaria num “estar na pele” do outro, imergir no mundo de significados complexos que comumente são expressos pelo cliente.
Por outro lado, não basta que o terapeuta compreenda, neste nível, o discurso do seu cliente. É imprescindível que o cliente perceba tal compreensão.
Não raramente, se o terapeuta satisfizer às condições citadas acima, seus comentários conterão dados que irão além daquilo de que o cliente tem plena consciência.
Muitos dados que estão em áreas limítrofes de sua consciência são postos à luz. Seria como uma
“(…) compreensão do que o cliente deseja significar, incluindo-se aí aqueles significados ainda não plenamente concebidos na consciência” (ROGERS,1974).
Quando isso ocorre, faz-se brotar uma condição, para que o cliente amplie sua compreensão de si mesmo e se permita entrar em contato com um maior número de experiências atuais.
É como se surgisse no cliente a sensação de “poder compreender-se”, advindo daí um sentimento de segurança. Alguém me compreende profundamente – diz o cliente – e eu posso seguir explorando-me, pois não estarei só nesta caminhada.
As experiências e as sensações que ocorrem dentro dele podem, agora, ser experimentadas, cada vez mais, a nível organísmico.
ORGANISMO, para Rogers, corresponde ao seguinte:
– o organismo é o indivíduo total;
– o campo fenomenológico é a totalidade da experiência;
– o SELF, que é uma parte diferenciada do campo fenomenológico, consiste
num conjunto de percepções conscientes e de valores do “EU” e do “MEU”.

O organismo possui as seguintes propriedades:
– Reage ao campo fenomenológico como um todo organizado, a fim de satisfazer
suas necessidades.
– Possui um motivo básico: o de realizar-se, manter-se e melhorar.
– Pode simbolizar suas experiências, a fim de se tornarem conscientes, ou pode
negar-lhes a simbolização, para que permaneçam inconscientes, ou, ainda,
ignorá-las.
Nota: Chamamos de “experiência” tudo que acontece dentro do organismo, em qualquer momento, inclusive os processos fisiológicos, impressões sensoriais e atividades motoras. No entanto, a maioria das experiências inconscientes pode transformar-se em conscientes, quando isso for necessário. Na terminologia psicanalítica, elas existem não tanto no inconsciente, mas no pré-consciente. O conhecimento interior, segundo Rogers, origina-se naquilo que pode ser simbolizado; é um atributo da figura do campo fenomenológico, cujas bases são mais ou menos inconscientes.
O organismo reage ao campo, conforme o percebe e o experimenta.
“O organismo reage ao campo fenomenológico como um todo organizado, no qual a alteração de uma parte produz mudança em outra” (HALL-LINDZEY, Teorias da Personalidade. São Paulo/Brasil: Ed.Herder, 1966, pp. 521-22).
Quando a compreensão vem unida à aceitação, surge uma experiência que é sentida pelo cliente como profundamente rica. A segurança que isso gera dentro dele é muito grande, pois se sente não só compreendido, mas, além disso, aceito. A aceitação torna-se mais válida e poderosa, quando o cliente percebe que o seu discurso está sendo plenamente compreendido pelo terapeuta.
No momento em que o cliente experimenta a aceitação associada à compreensão, surgem:
a- uma segurança maior para aprofundar a exploração de suas vivências e do seu autoconceito;
b- uma sensação do tipo “Parece tudo tranquilo, quando me vejo.
Ocorrendo a e b, então, há um caminhar mais efetivo na exploração de si mesmo. Não há mais tanto medo. O cliente parece sentir:
“Esta tentativa para chegar a um novo EU emerge, na medida em que me percebo compreensível e aceitável para o meu terapeuta.” (ROGERS,1975).
Rogers procura chamar atenção, aqui, para a “finalidade” (se fosse válido dizer assim) da compreensão empática. Ela não visa ser um instrumento para o terapeuta, com o propósito de diagnosticar ou interpretar.
A experiência de “ser compreendido” tem, ela mesma, uma poderosa influência no crescimento daquele que a estiver sentindo.
Quanto mais empaticamente uma pessoa for compreendida, maior será a ajuda que ela receberá na compreensão de si mesma.
Constata-se, na prática, que, mesmo não se conseguindo uma compreensão em nível profundo, o simples fato de se tentar compreender o outro pode ser, por si mesmo, de grande ajuda.
Esta situação é muito comum ocorrer com os terapeutas iniciantes. Eles ficam ansiosos e tensos. Ainda estão envolvidos com muitas teorias. Ouvem, mas não escutam. Perdem, constantemente, o campo de referência do cliente. Nesse tumulto todo, uma coisa que geralmente persiste é a preocupação em entender o que outro quer dizer. Nem sempre conseguem, pois o foco da atenção oscila constantemente entre dois mundos: o do cliente e o do novo terapeuta. A despeito disso, a vontade de entender o outro pode, para surpresa do estagiário, ainda assim, determinar o surgimento de um encontro construtivo com efeito terapêutico.
Ainda em relação à compreensão empática, a prática e a pesquisa têm mostrado o valor altamente significativo dessa tentativa de compreensão nos atendimentos a “psicóticos”
(Veja GENDLIN et al., 1967).
Para o “psicótico”, é importante sentir que alguém está tentando compreendê-lo em suas afirmações por vezes bizarras, confusas e incertas, e que, mesmo assim, elas são válidas.
Gendlin, em seu trabalho escrito para o livro Person to Person (1967), intitulado Tendências da Terapia Centrada no Cliente com Esquizofrênicos, deixa claro o que tentei mostrar acima. Diz ele:
“(…) comumente, quando dirigimos as palavras à experienciação, ao invés de dirigi-las ao conteúdo verbal, veremos que a nossa imaginação não foi precisa, mas o fato de se reagir a essa experienciação sempre presente estabelece a possibilidade de comunicação dos sentimentos mais profundos dos quais as verbalizações emergem.”
Para ficar mais claro e mostrar os níveis em que, teoricamente, pode ocorrer a compreensão empática, daremos alguns exemplos.
Rogers (1974/75) propõe três níveis de compreensão e de sua comunicação ao cliente.
No primeiro nível, haveria uma compreensão apenas superficial daquilo que o cliente expressou. Quando isso ocorre, é comum o cliente responder: “De fato. Isto é exatamente o que lhe disse”. Podemos verificar que não houve, possivelmente, através dessa compreensão, uma ajuda que produzisse um avanço significativo na autoexploração do cliente.
No segundo nível, há uma comunicação efetiva de uma compreensão empática, e a reação do cliente a ela poderia ser comparada a: “Isso é absolutamente certo. Eu não supunha que alguém pudesse compreender o que realmente sinto. Agora eu desejo falar-lhe algo mais”.
No terceiro nível, o terapeuta é excepcionalmente efetivo e capta os sentimentos encobertos na mensagem que o cliente traz a nível consciente. Neste caso, a reação do cliente corresponderia aproximadamente a:
1º – inicialmente, uma pausa e uma apreciação gradativa daquilo que o
terapeuta lhe disse;
2º – surgem, depois, verbalizações como: “Sim. Talvez seja isso que estive
dizendo. Sim eu acho que é certo! Nunca havia pensado nisto até agora
mas isto é o que senti e experimentei”.
Quando este terceiro nível ocorre, podemos dizer que o terapeuta ajudou efetivamente o cliente a se mover para além dos limites de sua consciência, para os aspectos desconhecidos de si mesmo. Um exemplo muito bom disso pode ser lido no livro Tornar-se Pessoa (ROGERS, Ed. Moraes, 1970, p.-93).
Num trabalho escrito para o The Counseling Psychologist, volume 5, número2, de 1975, intitulado Empathic: An Unappreciated Way of Being, Rogers mostra as mudanças sofridas nas definições de Empatia. Nesse documento, apresenta-nos as definições do que seria a empatia numa escala de oito graus.
No primeiro grau de empatia teríamos:
“O terapeuta parece completamente inconsciente até mesmo dos sentimentos mais claramente manifestos do cliente. Suas respostas não são adequadas ao clima e ao conteúdo dos sentimentos do cliente e não há nenhum tipo de empatia ou de qualquer previsão. O terapeuta pode estar chateado ou desinteressado, ou até mesmo dando conselhos ativamente, mas não está comunicando e dando-se conta dos sentimentos atuais do cliente.”
No oitavo grau de empatia (máximo), teríamos:
“O terapeuta interpreta com precisão todos os sentimentos que o cliente concebe no momento. Além disso, ele põe a descoberto as áreas de sentimentos mais profundamente escondidas do cliente, enunciando significados da experiência do cliente dos quais o cliente quase que não se consegue dar conta. O terapeuta se envolve em sentimentos e experiências dos quais o cliente dá apenas algumas ‘pistas‘, e isto ele (o terapeuta) faz com sensibilidade e precisão. Os conteúdos que vêm à tona podem ser novos, mas não são estranhos. O terapeuta comete erros nesse oitavo estágio, mas esses erros não carregam o seu sentido comum, eles se recobrem do caráter de tentativa de resposta. Além disso, o terapeuta percebe esses erros facilmente e, de pronto, muda suas respostas dando a entender que consegue ver mais claramente aquilo que se está falando, do que é mais almejado nas explorações do próprio cliente. O terapeuta demonstra uma solidariedade com o cliente, numa tentativa de exploração por ensaio e erro. Seu tom de voz reflete a seriedade e profundidade da sua maneira empática de abordagem.”
Um terapeuta, por mais hábil que seja, não consegue, durante uma entrevista inteira, ser compreensivamente empático ao máximo. Sua capacidade de empatia oscila, como se pode observar na gravação da entrevista de Mrs. Oak (OBP,1993). Ela pode ir do nível 1 ao 3 (ou, como vimos acima, ao 8). Entretanto fica evidenciado que, quanto mais sua atuação atingir um nível mais elevado, o aprofundamento da entrevista também seguirá essa tendência.
Concluindo:
“A empatia é adquirível como o treino, todavia o ‘sucesso’ da terapia não pode ser baseado somente no treino técnico ou na capacidade do terapeuta, mas sim na presença de certas atitudes que o terapeuta possua” (ROGERS,1974).

B-2 – CONSIDERAÇÃO POSITIVA INCONDICIONAL

Costumo afirmar que o terapeuta precisa, antes de mais nada, CRER NO SER HUMANO.

Esta crença não deve ser confundida com um Ato de Fé. Não se trata de uma crença envolta em mistérios, nem em beata benevolência. Consiste numa crença em que o ser humano, mesmo aquele que, por qualquer razão, estiver bastante limitado (expressando muito pouco do potencial que geralmente se nota nas pessoas), terá condições de ir além do ponto em que se encontra naquele momento.

Quando este ser humano nos procura, parece pedir, apenas, que o ajudemos a chegar mais próximo daquilo que ele mesmo é capaz de ser. Não pede que façamos por ele, mas sim que o ajudemos a fazer o que ele, naquele momento, está tendo dificuldade para realizar. Não pede que nos ponhamos à sua frente, mas ao seu lado. Sabe o caminho, apenas teme ir só. Talvez se sinta amedrontado, inseguro, mas o caminho é dele. O território também lhe pertence. E ele o conhece melhor do que nós. Tem o direito de escolher por onde ir, que estrada quer percorrer, o atalho que lhe parece mais conveniente. Tem o direito de se perder e de se achar. De andar ou parar. Não quero dizer, com isto, que só quando o terapeuta vê realmente seu cliente assim, tendo esses direitos, poderá, de fato, ajudá-lo. Mas, dentro de uma abordagem rogeriana, parece-me quase imprescindível que o terapeuta se sinta assim em relação ao cliente.

Segundo uma série de pesquisas, a terapia torna-se mais efetiva, quando há, por parte do terapeuta, uma genuína e profunda consideração positiva incondicional para com seu cliente, como uma pessoa que tem muitas potencialidades para se construírem.

Essa aceitação, ou seja, esta genuína e profunda consideração positiva incondicional, só pode ser chamada INCONDICIONAL se não for “contaminada” por julgamentos e valorações dos pensamentos, dos sentimentos e dos comportamentos do cliente.

Podemos chamar INCONDICIONAL, na medida em que não haja, de nossa parte, um julgamento dos fatos que o cliente nos traz, como se alguns fossem válidos e outros, nem tanto.

Não se pode usar um critério pessoal para considerar alguns fatos vividos pelo cliente como certos, e outros, errados.

Acredito na importância de vermos o cliente exatamente como ele é. Quando conseguimos vê-lo na sua singularidade, surge a possibilidade de percebermos que, nem sempre, estamos de acordo com o que ele diz. Em decorrência disso, podemos identificar-nos a nós mesmos e ao cliente como duas pessoas diferentes.

No momento exato em que conseguimos, convicta e plenamente, admitir essa verdade óbvia: “cada pessoa é única”, temos, então, a chance de aceitar incondicionalmente o cliente, pois nasce, nesse instante, a possibilidade de percebermos o outro como outro, com total direito de ser o que ele é.

O que, muitas vezes, confunde as pessoas que buscam entender esse conceito de aceitação incondicional é o fato de imaginarem que essa atitude faria com que o terapeuta tivesse que concordar com tudo o que o cliente diz, expressa, sente… Não. O terapeuta pode não concordar com o que o cliente lhe relata, sobre o que sente ou pensa, mas esse não concordar não anula a aceitação, desde que possa fazer a distinção EU-TU. O que mais importa para o processo não é a concordância ou a discordância em relação ao que o cliente narra, ou seja, o fato de os dois terem percepções bastante díspares sobre os mesmos fatos, mas, sim, a vontade verdadeira do terapeuta de compreender “a verdade do cliente, o mundo, segundo a versão dele, cliente”. Por isso, o terapeuta, que experimenta uma aceitação positiva incondicional do seu cliente, não aceita somente alguns sentimentos dele e nega outros.

O sentimento de aceitação plena e incondicional dos comportamentos do cliente é acompanhado de um “calor positivo”, mas não possessivo. Esse interesse cálido pelo cliente é muito importante, mas é desejável que seja espontâneo, flua de um modo natural, de tal forma que não monopolize o outro, mas, pelo contrário, o deixe livre para “andar por dentro de si mesmo”, facilitando, assim, sua autoexploração.

Poderíamos afirmar, repetindo Rogers:

“(…) um calor positivo, não possessivo, que sai do terapeuta naturalmente, que não monopoliza, que

é, que existe sem reservas e sem avaliações.”

Muitas pessoas do campo da psicoterapia, que adotam teorias diferentes da rogeriana, colocam em dúvida essa possibilidade de “não julgar”. Essa dúvida expressa, também, uma dificuldade para entenderem o que se considera, na PCC, uma atitude de não julgamento.

O julgamento ao qual nos referiremos, aqui, não significa não ter uma opinião a respeito de um fato, ou, simplesmente, ser “neutro” na forma de perceber um fato.

Sempre que entramos em contato com algum fato, nós o julgamos. No caso do terapeuta, quando entra em contato com o discurso do seu cliente, é colocado diante de uma apresentação de fatos e, obviamente, ele os julga. O próprio cliente sabe que o terapeuta estará avaliando e julgando o que ele disser. Um exemplo disso pode ser observado quando o cliente diz: “Vou lhe falar uma coisa, que sei que você achará uma bobagem. Tenho certeza de que você vai achar isso muito idiota de minha parte”. Nesses momentos, sentimos que o cliente percebe que certas situações, que ocorrem na experiência dele, podem ser vivenciadas pelo terapeuta como se não as aprovasse, com as quais ele não concorda. Entretanto, é importante que se observe que ele – o terapeuta – provavelmente, naquela situação, não agiria  da maneira como o cliente está agindo. Por outro lado, indiscutivelmente, isso não o impede de sentir que a ação, realizada pelo cliente, se mostra muito coerente com o modo como aquela pessoa percebe a realidade.

O que mais importa não é exatamente o julgar ou não julgar. Muito mais importante na atitude do terapeuta é sua capacidade para perceber, da forma mais consciente possível, a discordância que há entre essas duas maneiras de pensar e sentir (a dele e a do seu cliente).

Seria, mais ou menos, assim: eu, como pessoa, como terapeuta, não concordo com o que o cliente está dizendo. Não penso dessa maneira. Esse julgamento tem origem em meus valores pessoais, que são, seguramente, diferentes dos que norteiam os julgamentos do meu cliente.

Se eu, como profissional, puder perceber isso com nitidez e não colocar esses sentimentos em “lados opostos”, certo/errado, provavelmente poderei separar o que é meu e o que é do outro. Aceitarei a diferença entre nós, como pessoas distintas que percebem o mundo através de lentes que foram construídas ao longo da história de cada uma delas, e que guardam, em si, suas próprias verdades, “igualmente verdadeiras”.

Se o terapeuta puder ver a relação com seu cliente como a de dois seres, que estão vivenciando realidades diferentes e igualmente válidas, poderá, também, com bastante facilidade, “caminhar no universo do outro”, sem confundir o seu mundo com o dele.

Por isso, quando dizemos sobre empatia:

“É uma sensitividade imediata no aqui e agora. Sentir o mundo, não simbolizado do cliente como seus significados pessoais, próprios, COMO SE fora o do próprio terapeuta, mas sem nunca esquecer da qualidade do ‘COMO SE’” (Rogers, 1974),

notamos que esses dois conceitos, Aceitação e Empatia, caminham unidos.

A aceitação cria melhores condições para a compreensão empática ocorrer, e vice-versa.

Quando compreendo e aceito que o universo do outro é OUTRO, e tento perceber esse universo como se eu estivesse mergulhado também nele, como se eu fosse o outro, então, o julgamento, que poderia ocorrer fora dessa condição, se dissolve, não tem mais lugar na relação.

Todos nós entramos em contato com o mundo, seguindo um critério de julgamento, baseado nas nossas experiências e vivências. Isso é indiscutível. Mas, por outro lado, na relação com o cliente, é importante que não se misturem:

– o que é meu, como percebo o mundo e o que sinto nele;

– o que é do cliente, como ele percebe e sente o próprio mundo.

A Consideração Positiva Incondicional refere-se tanto às expressões de sentimentos de hostilidade, dolorosos, aversivos, como também a sentimentos de amor, positivos, prazerosos. Isso ocorre porque todos esses sentimentos, tanto os que podemos chamar de amadurecidos, positivos, etc., como os que denominamos negativos, todos partem de um contexto complexo de vivências totais do indivíduo, e que, quando são expressos, revelam tão somente o seu mundo interior, tal como foi construído.

Em algumas teorias de terapia, sentimentos de amor ou ódio, que surgem durante o processo terapêutico, são vistos como sinalizadores positivos ou negativos, e servem para se inferirem alguns dados relevantes sobre o próprio tratamento. Dentro de uma Psicoterapia Centrada no Cliente, esses sentimentos são vivenciados no encontro terapêutico, sem que um deles seja considerado como mais ou menos positivo do que o outro. Representam sentimentos a serem compreendidos, aceitos como quaisquer outros e, não, julgados.

Os sentimentos de afeto, que costumam ocorrer em muitos relacionamentos cliente-terapeuta, podem ser compreendidos, a partir da própria qualidade da relação estabelecida entre o profissional e a pessoa que ele atende. Se o cliente tem diante de si um profissional atencioso, atento, que o respeita como pessoa, que o aceita como ele se mostra, etc., provavelmente os sentimentos de afeição e carinho tornam-se muito naturais, e o surgimento desse afeto não carrega, forçosamente, nenhuma outra “intenção” que não seja a expressão de um reconhecimento pela acolhida e pela postura de respeito e apreço por sua pessoa.

Da mesma forma, a irritação, que surja num contexto de relacionamento terapêutico por parte do cliente, pode ser perfeitamente compreendida, quando eles – terapeuta e cliente – se permitem vivenciar contatos bastante francos e abertos, nos quais as insatisfações e as frustrações experimentadas em alguns momentos tensos, que podem surgir durante o processo terapêutico, tenham espaço para ser  explicitados.

Nas duas situações citadas acima, tanto o “amor” como a “ódio” passam a fazer parte da variedade de sentimentos que podem surgir num encontro entre duas pessoas reais, que se encontram frente a frente.

Ambos os sentimentos serão simplesmente aceitos e buscar-se-á, nos dois casos, a compreensão do que eles possam estar significando para o cliente e para o terapeuta, naquele exato momento, no aqui e no agora daquele processo.

Será tão simples, assim, aceitar o cliente exatamente como ele é? Certamente, não.

O terapeuta, como qualquer ser humano, poderá experimentar essa dificuldade. Entretanto, numa terapia centrada no cliente é desejável que esse profissional tenha desenvolvido, ao máximo, essa capacidade.

Essa busca para se atingir um nível consideravelmente bom de aceitação incondicional, em relação ao nosso cliente, pode parecer, para muitas pessoas, distantes desse enfoque, uma ideia ingênua. Mas, longe disso, a partir da compreensão profunda dos princípios filosóficos que fundamentam a Psicoterapia Centrada no Cliente, da experiência e do treinamento do terapeuta, é possível que esse profissional alcance um nível muito próximo do que se idealiza enquanto capacidade para aceitar o outro, exatamente como o outro é, sem necessitar confrontar a sua realidade com a dele.

Acredito que, do mesmo modo que podemos desenvolver a capacidade de compreensão empática, também, em relação à aceitação incondicional, há possibilidade de essa capacidade ser melhorada numa pessoa, através de uma vivência profunda de relacionamentos humanos. Nesse sentido, no treinamento de futuros terapeutas, faz-se necessária a participação deles em trabalhos de grupo, nos quais experimentem tais contatos e, através deles, comecem a compreender melhor o sentido vivo do que significa o mundo do outro, e as consequências dessa realidade individual na forma de percebê-la.

Como um breve exemplo, lembro-me de uma experiência vivida por mim, em meu consultório, quando estava atendendo uma criança. Ao chegar à porta para convidá-la a entrar, verifiquei que ela estava com o rosto machucado. Na sala de espera, junto a ela, encontravam-se duas outras pessoas. Uma era a minha atendente e a outra, a que acompanhava esse meu jovem cliente. Assim que ele me viu, ainda ali, na sala de espera, começou a explicar que se machucara, pois havia caído de um cavalo, lá na fazenda onde passara o último fim de semana. Ao chegar ao interior da sala de consulta, foi-se apressando em me contar o seguinte: “Vou lhe contar uma estória. O negócio é o seguinte: não foi do cavalo, não. Eu caí foi de uma bicicleta. Não foi na fazenda. Foi lá perto de minha casa. Bati com o nariz no chão. Para você, eu posso contar isso. Lá fora fica chato. Por isso, não contei a verdade. Para você, eu não preciso mentir”.

Considero significativo o fato citado acima. Ele, entre outras coisas, mostra-nos que o cliente pode ser ele mesmo, pode contar as coisas que  julga importantes ou não. Pode contar, falar sobre tudo. Dizer para mim uma série de coisas que são “inverdades” ou “verdades”. Sabe que pode falar sobre o que quiser e que não questionarei a veracidade ou a falsidade do que me disser. Isso lhe permite transitar entre os limites de sua “verdade” e da sua “mentira”, e poderá optar por entrar em contato com a verdade diante de mim. Não precisa mentir para mim para, através disso, ser aceito.

Ainda como exemplo, posso citar um outro menino que, numa sessão, me falou sobre o barco que o pai dele havia comprado.

– “Era um barco enorme. Muito bonito e tão grande que as paredes de dentro eram feitas com tijolos”. Ao terminar de dizer isso, falou rindo. “Olha só, cara, tô exagerando muito. Que mentira danada essa que te contei. Onde já se viu parede de tijolos num barco. Essa foi demais”. Poder mentir, admitir a mentira, corrigi-la naturalmente, geralmente isto ocorre quando o grau de confiança no outro e a certeza do não julgamento do ouvinte estão presentes.

Como consequência do sentir-se incondicionalmente aceito numa relação terapêutica, o cliente demonstra uma tendência maior para corrigir suas falsas percepções, suas “mentiras”, para aprofundar sua autoconfiança e para desenvolver uma aceitação maior de si mesmo.

Tais correções parecem decorrer da menor necessidade de usar lentes de aumento, ou de redução da realidade. Há, progressivamente, uma aproximação bastante mais adequada da realidade. Não se necessita mais fantasiar tanto ou usar máscaras. E, quanto mais ele consegue  compreender-se, mais vai-se aprofundando e encontrando-se com seu eu verdadeiro.

Em decorrência de uma percepção mais realista de si e do mundo ao seu redor, nota-se que vai surgindo um comportamento mais flexível, e o cliente, aos poucos, se distancia do comportamento rígido que adotava até então.

Esse movimento, quando atingido pelo cliente no processo terapêutico, passa a ser – segundo penso – o produto mais significativo do que comumente chamamos de Psicoterapia.

Uma observação vem a calhar. A partir do que foi escrito acima, tudo indica que é, através da qualidade da relação humana, estabelecida entre o terapeuta e o cliente, que o cliente atinge a condição de poder “ver-se” e “aceitar-se”. Essa “qualidade” é expressa – em parte – pela presença, no terapeuta, de uma genuína e incondicional aceitação do cliente.

Quando digo genuína, refiro-me a uma característica da pessoa do terapeuta que dificilmente será aprendida. Essa característica não é construída a partir de uma compreensão teórica, intelectual, sobre a importância dela no processo terapêutico. Não se trata de aceitar o outro como se a aceitação fosse uma “técnica”, que funciona. A aceitação do cliente precisa ser sentida pelo terapeuta de modo muito verdadeiro e profundo, dentro de si. Aceitar o outro. Entender visceralmente que cada pessoa é um universo à parte e que, como tal, possui uma realidade única. Entender também que o fato de o outro ser um OUTRO faz dele uma pessoa singular, com forma própria de pensar, sentir, perceber…

Não cabe ao terapeuta criar um mundo para o seu cliente, mas, tão somente, ajudá-lo a entender o seu próprio mundo, de tal modo que  consiga ser ele próprio da forma mais plena possível.

O cliente não cabe no mundo do terapeuta, como este não cabe no daquele.

O que o cliente nos pede é uma colaboração, para que, andando com ele, no mundo dele, possamos ajudá-lo a perceber, com mais clareza, os elementos que compõem seu universo.

Somos apenas um convidado no mundo dele, sem licença, nem autorização para modificá-lo, mas somente para o explorar. O mundo é dele e, sobre esse mundo, ele tem todos os direitos.

CONGRUÊNCIA

Por congruência, ou autenticidade, pretendemos denominar uma condição fundamental do relacionamento terapêutico, dentro de uma Psicoterapia Centrada no Cliente.

O processo terapêutico é colocado em marcha, à medida que as três condições, que descrevemos anteriormente, estejam presentes, mas, dentre elas, a mais significativa (como nos têm mostrado as pesquisas) é a congruência.

Significa que o terapeuta seja transparente para seu cliente.

Acredito que muitos poderão ficar em dúvida com relação à afirmativa anterior: ser transparente…

Ser transparente, como queremos afirmar aqui, significa que o terapeuta não use, ou não sinta necessidade de usar, ou não precise usar  máscaras, posturas técnicas e/ou uma série de artifícios para manter contato com o cliente.

O psicólogo é um ser humano e, como tal, tem suas necessidades, fraquezas, pontos altos e baixos. Ele é tudo isso e não precisa negar tal coisa. Ele é o que é. Não precisa esconder-se, deixar de ser “gente” para se tornar um “terapeuta”.

Ama, odeia, sofre, inquieta-se, maravilha-se, aprecia, nega, julga, gosta de ser gostado… Não precisa ser visto pelo cliente como um super-homem, como alguém que está acima de todas as coisas, como uma incógnita… Não! Ele é uma pessoa.

Minha experiência veio-me mostrar que, justamente pelo fato de as pessoas me conhecerem como ser humano, como pessoa, vêm ao meu consultório.

Acho que, nesse aspecto, meu posicionamento metodológico, em relação ao encontro terapêutico, difere bastante dos de outros profissionais.

Para alguns, o que disse anteriormente talvez seja considerado inadmissível.

Acredito que esse meu posicionamento talvez seja “radical”, quando leva ao extremo uma característica da Psicoterapia Centrada no Cliente: este enfoque terapêutico é fundamentalmente uma teoria das relações humanas.

Tenho observado que o cliente, ao iniciar a sua terapia, via de regra, adota uma atitude de expectativa e “desconfiança” em relação ao seu terapeuta.

Falo desconfiança entre aspas, pois, na realidade, esta palavra, aqui usada, não corresponde exatamente ao que normalmente se entende por ela, fora da relação terapeuta-cliente.

O cliente confia no profissional (quase sempre) e (muito comumente) desconfia do ser humano que está à sua frente.

No decorrer dos encontros terapêuticos, gradativamente, passa a confiar mais no terapeuta como pessoa e, quase sempre, começa a sentir uma afeição pelo profissional.

Quando essa afeição e essa confiança vão aumentando, dentro de um ambiente no qual o terapeuta apresenta as condições necessárias, que mencionamos acima, para pôr em andamento o processo terapêutico, o cliente, cada vez mais, é capaz de expressar seus sentimentos com menos barreiras e explorar mais o seu mundo e sua relação com ele.

Ora, se um dos elementos básicos para a ocorrência de uma modificação na autoimagem é poder defrontá-la tal como ela realmente é, com o mínimo de distorções, e, se uma pessoa que já não precise usar máscaras junto ao terapeuta, por já o sentir como alguém em quem ele confia e por quem experimente afeto, poderíamos supor que, se duas pessoas já forem realmente amigas, estariam em condições favoráveis para iniciar concretamente o processo terapêutico.

Assim sendo, na prática clínica, tenho observado que pessoas que atendi, que eram minhas amigas, colegas, conhecidas, se beneficiavam tanto, ou mais, quanto as que jamais haviam, antes, tido qualquer tipo de relacionamento comigo.

Ainda sobre este ponto, quero frisar um fator que, provavelmente, seja muito importante para que isso ocorra – não vejo diferença significativa entre minhas atitudes dentro ou fora do gabinete de entrevistas.

Percebo-me sendo eu mesmo, a cada momento com meu cliente. Existe, apenas, uma diferença: na hora da consulta é ele que “está com a palavra”, é o “tema dele” que importa, e fico atento aos “problemas” que ELE me traz. Lá fora é pouco provável que eles tratem dos mesmos assuntos que trazem para as consultas, a não ser em situações muito especiais, de urgência e tensão elevada, associadas a alguma experiência que esteja ocorrendo naquele momento.

Uma pessoa, minha amiga, não me estranharia ao entrar no meu consultório. Não me veria com atitudes diferentes das que normalmente tenho, a não ser nas situações em que, por causa do grau de emoção que ele imprime à sua conversa, fico mais fortemente focado no seu discurso.

Para mim, o tema trazido pelo cliente é que direciona o encontro terapêutico, e é a minha atitude que contribuirá para a ocorrência do desencadeamento, dentro dele, do seu processo de crescimento.

Dizer que um amigo possa ser terapeuta de um outro amigo poderá soar estranho para muitos, mas, se considerarmos a psicoterapia como um processo de relacionamento humano construtivo, essa afirmação provavelmente não soará mais dessa forma.

Se um relacionamento humano puder dar-se neste nível, concreto, real, não modificado por artifícios ou rótulos profissionais, será uma fonte inesgotável para que as pessoas, engajadas nele, possam tornar-se muito mais humanas.

A aceitação da Pessoa em relação a si mesma só vai ocorrer na medida em que, nesse processo de relacionamento, ela possa, também, ver o outro como um ser humano. Em outras palavras, se ela vir o profissional apenas como psicólogo, como um técnico, como aquele que sabe teorias (e essa é uma atitude inicial de quase todos os clientes), obviamente, começará a imaginar que ela é aceita e compreendida, apenas porque o profissional está usando uma teoria ou uma técnica.

Quando o terapeuta é visto apenas como um profissional que é pago para ouvir, compreender e aceitar, o processo terapêutico ainda está no seu início, ainda não chegou ao máximo do seu potencial de ajuda ao cliente.

Como escrevi, linhas atrás, é muito comum, no início de uma terapia, o cliente ver o terapeuta apenas como um profissional. Chega até nós e  sente-se como alguém que “compra” os 50 minutos de uma outra pessoa, que poderá ajudá-la a resolver seu problema.

O terapeuta, nessa fase da terapia, é, para o cliente, um técnico que estudou para ser um psicoterapeuta, aquele que conhece a mente humana e, portanto, sabe as razões de suas dificuldades psíquicas. O psicólogo, portanto, é uma pessoa paga para ouvi-lo. Porém, apenas quando uma dimensão realmente humana surge nesse relacionamento, só quando o cliente deixa de ver o profissional-psicólogo e passa a ver o psicólogo-pessoa, acredito que se inicia uma fase importante do processo terapêutico: o encontro real entre duas pessoas reais.

Se, nas linhas anteriores, tentei expor o que penso sobre as atitudes do terapeuta, isso não quer dizer que julgue ser fácil viver congruentemente uma relação psicoterápica. Rogers nos fala que congruência

“(…) envolve autoconsciência, ou seja, isto é, não somente os sentimentos do terapeuta são acessíveis a ele próprio, como ele pode viver e ver estes sentimentos nesse relacionamento.

O terapeuta pode se sentir chateado, aborrecido, inquieto junto ao seu cliente, mas é importante que ele não negue esses sentimentos em nome de um papel profissional estereotipado. Por outro lado, muitas pessoas pensam assim: ‘psicólogo não pode se chatear com seu cliente. Tem que ser amável, compreensivo, receptivo, etc.’”

Quando tentamos negar, para nós mesmos, esses sentimentos “negativos” em relação ao cliente, não nos permitimos experimentar, plenamente, o nosso relacionamento com ele.

Por outro lado, quando podemos admitir esses sentimentos como nossos e aceitá-los dentro de nós mesmos, não necessitamos lançá-los sobre o cliente.

O cliente pode perceber no terapeuta uma expressão de desagrado, de chateação e o psicólogo não precisa negar este fato ao cliente, desde que possa deixar bem claro que este sentimento está ocorrendo dentro dele – terapeuta – e seria importante que eles (terapeuta e cliente) chegassem a sentir, o mais claramente possível, o que está acontecendo naquela relação, naquele exato momento.

Conforme afirma Rogers,

“Ser real é reduzir barreiras. O cliente agora pode ser mais congruente, porque o terapeuta teve a coragem de ser real com ele. É um relacionamento pessoa a pessoa, entre dois seres humanos imperfeitos. Isso não quer dizer que o terapeuta vá por a carga de seus problemas no cliente, como também qualquer coisa que chegue à sua consciência deva ser lançada sobre o cliente. Significa, sim, basicamente, evitar que o terapeuta se esconda atrás de uma máscara de profissionalismo.”

Como afirma Kinget G.M. (1971, vol. 1, p.11):

“Para que a ajuda seja eficaz o terapeuta não pode contentar-se em atuar COMO SE colocasse no ponto de vista desse; COMO SE abstivesse de julgar; COMO SE aceitasse o cliente tal como é; COMO SE desejasse que o cliente tomasse a direção da entrevista, etc. É preciso que, de um modo geral, experimente o que manifesta.”

E, mais à frente:

“Pois a ausência da autenticidade conduz a uma deterioração da relação, o que a faz não só ineficaz, se não prejudicial.”

Maiores detalhes sobre este tema poderão ser encontrados em Kinget (1971), capítulo V. Recomendamos esse capítulo por ele levantar uma série de questões relativas ao terapeuta e ao seu papel numa terapia relacional (como é caracterizada a PCC).

Para consolidar mais o que expus, neste capítulo, sobre as atitudes do terapeuta, seria interessante que o leitor procurasse, na obra de Kinget, citada acima, o capítulo VI, A Relação.

5- O PROCESSO TERAPÊUTICO

Quando as condições que descrevemos no capítulo anterior estão presentes no relacionamento terapeuta/cliente, surge a oportunidade de ocorrer uma situação ímpar entre duas pessoas. Ela pode ser denominada “situação terapêutica”.

Assim, quando o relacionamento se estrutura como uma “situação terapêutica”, é colocado em marcha um processo de “mudança terapêutica”.

Se observarmos esse processo de fora (simplesmente como um observador), nós o veremos como uma sequência de fenômenos que caracterizam bem o que conceituamos como um “relacionamento psicoterápico”.

Por outro lado, se o cliente nos puder informar o que ocorre dentro dele durante aquele processo, poderemos conhecer o modo como ele o percebe.

Poderíamos dizer que a atitude do terapeuta DETERMINA uma outra por parte do cliente. A atitude dele parece-nos um reflexo gradativo de toda uma postura filosófica do terapeuta, principalmente no que se refere à aceitação e ao respeito pelo outro e por si mesmo.

Na terapia rogeriana, é desejável que o terapeuta seja uma pessoa que escuta o cliente com tamanho respeito e aceitação, que tais atitudes se tornem, a cada novo instante da relação, mais indubitáveis.

Ao expressar seus pensamentos e sentimentos diante de alguém, que, claramente, o respeita e o aceita, o cliente, progressivamente, torna-se mais capaz de ouvir a si mesmo.

As comunicações que partem do mais íntimo de si passam, gradativamente, a ser mais reconhecíveis.  Seu ódio, seus medos, seus afetos passam a ser verbalizados (pois, agora, ele sente que os pode expressar sem receio). Talvez esses mesmos sentimentos, até então, lhe tenham sempre  soado como estranhos, terríveis e desorganizados, e, por essa razão, não puderam ser admitidos na consciência.

No início do tratamento, eles ainda não são capazes de simbolizar tais sentimentos. Ainda lhe parecem perigosos, principalmente para serem compartilhados com outra pessoa. Esperam uma reprovação, um julgamento, uma incompreensão. Só, com o tempo (e ele é variável), os clientes começam a CONFIAR no terapeuta, pois passam a perceber nele as condições que descrevemos acima, e, principalmente, notam que elas não existem como modelos de atitudes adotados pelo psicólogo, mas, sim, como algo que lhe é realmente próprio.

O fato de se sentir aceito, não julgado, compreendido por uma pessoa congruente parece dar ao cliente a certeza de que se poderá descobrir, tirar a fachada que comumente usa no seu contato com as pessoas, e ser ele mesmo.

“Como se revela estes aspectos escondidos e terríveis de si mesmo, como ele é, e, dessa forma, se prepara para caminhar para adiante no processo de vir a ser ele mesmo.”

Torna-se mais aberto , menos defensivo.

“Sente-se mais livre para mudar e crescer tomando as direções que são naturais para o

amadurecimento do organismo humano.”

UM PROCESSO CONTÍNUO

Poderá parecer ao iniciante que o processo, que descrevemos acima, se assemelhe a um bloco, a uma questão de tudo ou nada, que ocorre sem gradações. Em outras palavras, se as condições propostas para pôr em marcha o processo terapêutico existirem, então ocorrerá a mudança, o amadurecimento, etc. Poderíamos dizer que essa seria uma visão simplista do processo. Na realidade, ele se constitui como um processo contínuo e que pode, para fins didáticos, ser dividido em sete estágios distintos. Por outro lado, esses estágios não são percebidos de forma absoluta durante o processo total. Diríamos que – de certa forma – se trata de uma escala.

O cliente, quando chega à terapia, encontra-se num dos pontos desse contínuo e tende a mudar durante o processo, adotando caminhos que o levarão a um estágio mais elaborado e mais positivo desta escala. É como se (caso a terapia tenha êxito) ele se encaminhasse em direção ao  ponto final da escala.

Rogers nos diz que, provavelmente, nenhum cliente caminha do estágio 1 até o 7, mas este critério numérico é um meio fecundo de verificação do processo que ocorre na terapia.

Cada estágio representa um nível de elaboração das vivências do cliente, da capacidade de autojulgamento, de aceitação de si e da realidade que o envolve.

Quanto mais o cliente for capaz de se ver, de se perceber, de se aceitar, de não distorcer sua realidade, etc., mais alto estaria na escala sobre a qual nos referimos. Corresponde, pois, à definição de funcionamento ótimo da personalidade, proposto por Rogers.

Em cada entrevista, podemos verificar diversos graus da escala ali presentes. Ela vai desde a rigidez de atitudes e percepções, até a  maleabilidade e a flexibilidade relativamente a todos esses aspectos. Vai na direção da experienciação imediata, do estático para o dinâmico, da rigidez para a fluidez.

Tentaremos, agora, descrever, ainda que sumariamente, cada um desses estágios, através de breves exemplos. Uma visão mais completa poderá ser vista em (Rogers, Tornar-se Pessoa, 1970, p. 114).

ESTÁGIO 1

“Pois bem, dir-lhe-ei que sempre me pareceu um bocado idiota falar de si próprio, a não ser em caso de extrema necessidade (Tornar-se Pessoa, p. 114).”

O indivíduo está rigidamente desestruturado nos conceitos que ele forma sobre si mesmo e seu mundo.

ESTÁGIO 2

“Eu quero aprender, mais fico a olhar para a mesma página durante uma hora.”

ESTÁGIO 3

“Esforcei-me imenso por ser perfeito para ela – entusiasta, amigável, inteligente, falador – porque quero que ele goste de mim.”

ESTÁGIO 4

“Fico desanimado por me sentir dependente, porque isso quer dizer que não acredito em mim mesmo.”

ESTÁGIO 5

“Eu esperava ser rejeitado… estou sempre à espera disso… tenho até a impressão de sentir a mesma coisa consigo… Custa-me falar disso, porque queria ser o melhor que posso consigo.”

“A verdade é que eu não sou o indivíduo delicado e tolerante que procuro mostrar que sou. Há coisas que me irritam. Sinto-me ríspido para com as pessoas e sinto-me por vezes egoísta; e não sei por que é que havia de pretender que não sou assim.”

ESTÁGIO-6

Exemplo: O paciente, um rapaz, exprimira o desejo de que os seus pais morressem ou desaparecessem…

“É um pouco como se eu quisesse vê-los desaparecer, como se desejasse que eles nunca tivessem existido. E tenho de tal maneira vergonha de mim próprio que, quando eles me chamam, eu vou logo! A sua presença é ainda muito forte. Não sei. ‘É qualquer coisa de visceral – quase que posso sentir isso dentro de mim’(começa a gesticular puxando o umbigo, com se quisesse se despedaçar).”

O terapeuta: Eles realmente prendem-no pelo cordão umbilical.

O paciente: Tem graça como é realmente isso que eu sinto… É como que uma sensação de

                  queimadura, mais ou menos, e quando eles dizem alguma coisa que provoca em

                  mim ansiedade, sinto isso exatamente aqui (apontando). Nunca pensei nisso

                   assim tão completamente.

O terapeuta: Tudo se passa como se, quando há uma perturbação nas suas relações, tivesse

                     precisamente a impressão de uma tensão no umbigo.

O paciente: Sim, é como se fosse aqui. E é tão difícil definir a sensação que aqui tenho.

                   Nesse caso, o indivíduo está a viver subjetivamente o sentimento da

                  dependência  em relação aos seus pais. Todavia, seria bastante inexato afirmar

                   que ele se apercebe desse sentimento. Está NELE, experimentando-o como uma

                  tensão no seu cordão umbilical.

ESTÁGIO 7

“Quando estou a trabalhar numa ideia, esta se desenvolve totalmente. Tal como a imagem latente que aparece quando se revela uma fotografia. Não há um ponto de partida para chegar a um outro ponto, mas espalha-se por toda a superfície. De início, tudo o que se vê é um vago contorno e pergunta-se o que será que se vai passar; e, então, gradualmente, vai aparecendo alguma coisa e, de repente, tudo se torna claro.

Ocorre muito raramente, se é que ocorre alguma vez, que um paciente que viveu plenamente a primeira fase chegue a um ponto em que viva plenamente a sétima fase. Se isto acontecer, serão necessários alguns anos” (Rogers, Tornar-se Pessoa, p. 137).

Tenho certeza de que os exemplos dados, referentes aos sete estágios do processo, são insuficientes para dar ao leitor uma ideia deste tema. Por isso, relembro, mais uma vez, que se torna altamente indispensável  a consulta ao livro Tornar-se Pessoa, p. 114 e seguintes, para que a falha deste documento, que ora lhes apresento, seja minimizada.

6- A TEORIA DA TERAPIA

(Tal como se desenvolveu no enfoque centrado na pessoa.)

A Terapia Centrada no Cliente, como foi desenvolvida por Rogers, surgiu da vivência clínica.

Alguns documentos, redigidos pelo próprio Rogers, levam-nos a crer que, no início de suas atividades clínicas, ele atuava de forma bem centrada no terapeuta

Sua formação inicial o levava ao diagnóstico meticuloso, ao aconselhamento, à interpretação, enfim, a agir de forma muito diferente daquela que depois nos passou a apresentar.

Foram, justamente, o contato com o cliente e a sistemática observação sobre o processo posto em marcha naqueles primeiros relacionamentos terapêuticos que levaram Rogers a questionar a forma como agia junto a seus clientes.

Sua formulação mais acabada sobre tais observações deu-se no livro Terapia Centrada no Cliente.

A partir dessa formulação, muitas outras observações foram feitas e muitas hipóteses novas foram levantadas, surgindo, daí, uma série de modificações (aprimoramentos) do que já havia sido apresentado nas suas obras anteriores.

Pesquisas novas e em outros campos foram realizadas.

Outros tipos de clientes foram atendidos, e isso ampliou a consistência das hipóteses lançadas até ali, e abriu caminho para outras formulações teóricas e práticas.

Poderíamos dizer que houve quatro grandes apresentações da teoria rogeriana, durante três décadas:

A primeira –

Uma teoria simples – Counseling and Psychotherapy , Rogers, 1942

Nessa obra, traduzida pela Editora Moraes (1974), com o título Psicoterapia e Consulta Psicológica, o leitor já poderá observar uma série de ideias que foram ali lançadas sobre o conceito de psicoterapia, muitas das quais ainda permanecem nos mais recentes escritos sobre a PCC. Todavia, a apresentação delas ainda era bastante incompleta e, inclusive, quem somente conhecer esta obra não poderá fazer uma ideia do quanto muito do que ali está relatado se distancia dos mais recentes trabalhos sobre a teoria rogeriana.

A segunda –

Uma teoria bem elaborada – Client Centered Psychoterapy, Rogers, 1951.

Nesse ano, Rogers apresentou seu livro Psicoterapia Centrada no Cliente, no qual já se sente uma preocupação não só em sistematizar suas observações, como também em demonstrar, através de dados de pesquisa, o grau de validade de suas hipóteses básicas. Além disso, apresentou, também ali, uma aplicabilidade de suas ideias em diferentes campos, como aprendizagem, grupos, etc.

A terceira-

Uma formulação ainda mais elaborada, rigorosa e formal: On Becoming a Person, Rogers, 1959.

Progredindo nos experimentos sobre as hipóteses básicas, Rogers nos apresentou suas ideias de forma ainda mais elaborada, rigorosa e formal.

Embora esta obra tenha tido uma aceitação pelo público leigo, traz, em seu bojo, um manancial de informações que vão além do que muitos viram nela.

A Quarta –

Trabalhos com psicóticos: Person To Person, Rogers e Colaboradores, 1967.

A partir de trabalhos com psicóticos, mais especificamente com esquizofrênicos, Rogers e vários colaboradores publicaram uma obra de grande importância, que foi traduzida para o português com o título De Pessoa Para Pessoa, São Paulo: Ed. Livraria Pioneira Editora, 1976.

Notamos, claramente, por esses quatro itens acima mencionados, uma evolução da própria teoria, que partiu de uma enunciação simples e chegou a uma formulação bastante complexa, com uma população que constituiu uma prova de fogo para os mais refinados métodos terapêuticos.

Observa-se, nas apresentações desta terapia, que ela se propôs sempre a ser mais uma teoria do processo de mudança, uma teoria da terapia, do que uma teoria da personalidade. Esta última foi muito mais uma consequência dos achados na busca de uma teoria da terapia e do processo da mudança.

Constitui-se, dessa maneira, mais uma proposição de um processo do que a de um desenvolvimento. É mais uma teoria de campo do que uma teoria genética com a de Freud.

Com o propósito de compreendê-la de uma forma mais precisa, tentaremos definir, o mais claro que pudermos, alguns conceitos que consideramos básicos.

CONCEITOS BÁSICOS

TENDÊNCIA A ATUALIZAÇÃO

Com o contato com o cliente, por anos a fio, chegou-se a confiar, cada vez mais, num conceito sobre a natureza do organismo humano.

“Criou-se uma hipótese que o homem, como todos os outros organismos vivos, planta ou animal, possui uma tendência, que lhe é própria, para desenvolver todas as suas capacidades no sentido que o leva a manter e enriquecer o organismo.

Esta é uma tendência que, quando livre para operar, movimenta o indivíduo na direção que denominamos de crescimento, maturidade, vida plena.”

Muitos fatos justificam a crença nesta tendência.

Em maio de 1975, a TV GLOBO-BR apresentou um documentário sobre os Tassadei (povo que mora em cavernas, no extremo sul das Filipinas) e, em março de 1976, um outro, sobre os Pigmeus (uma raça que habita as florestas africanas).

Esses povos nos dão um exemplo vivo desta tendência, principalmente no que se refere à busca de um estágio de plenitude psíquica e harmonia com o meio ambiente.

Um outro exemplo, bastante citado pelo próprio Rogers, refere-se à criança e à sua luta para conseguir andar.

Esse autor nos lembra que – a despeito dos tombos e dos sofrimentos deles decorrentes – a criança se põe de pé e anda, embora o número de obstáculos que enfrenta seja grande.

Este conceito é essencial e pode ser considerado a espinha dorsal desse enfoque teórico. Ele fundamenta o posicionamento típico do terapeuta rogeriano. É essa convicção que o leva a agir de forma não intervencionista junto ao cliente, e que também lhe permite sentir a limitação do seu papel na ajuda ao “outro”.

Além disso, é importante lembrar que o meio (físico ou psicológico), no qual o indivíduo se desenvolve, poderá criar inúmeras condições para que esta tendência seja ativada ou bloqueada. Neste sentido, o ser humano não difere dos outros organismos vivos, exceto na sua complexidade existencial.

O CONCEITO DE SELF

Observou-se que clientes em terapia frequentemente expressavam seus problemas e seus progressos em termos de self. Gradativamente, a importância crucial do self e suas qualidades de mudanças tornaram-se evidentes.

Como defini-lo?

A criança torna-se consciente de experiências que percebe como sendo “mim”. Lentamente, um autoconceito é formado.

“O self pode ser considerado como uma gestalt organizada, consistente, composta de percepções do ‘mim’ do ‘eu’ e as percepções do relacionamento deste ‘eu’ com o mundo exterior e os outros. Inclui os valores ligados a essas percepções.

É uma gestalt modificável e fluida, mas em alguns dados momentos é uma entidade toscamente uniforme mensurável, por exemplo, através de uma ‘Q-sort1’. Está disponível à consciência, mas não necessariamente NA consciência. É um ponto de referência constante para o indivíduo, o qual age em termos dele.”

EXPERIENCIAÇÃO

A experienciação é um importante agente de mudança. Segundo Gendlin (1967):

“É um processo somático sentido dentro do indivíduo, a maneira e o significado do qual são afetados

pela interação.”

Quando o cliente se expressa, há, no terapeuta, uma experienciação que consiste na compreensão empática daquilo que ele quer dar a entender. Poderíamos, por outro lado, supor que a experienciação do terapeuta só ocorreria quando houvesse verbalização por parte do cliente. Na realidade, o que ocorre não é isso.

“Quando o cliente não se expressa, a experienciação do terapeuta não é vazia, pois, a cada momento, ocorrem vários sentimentos dentro dele. Além disso, o que é importante, a maioria desses sentimentos se refere àquele determinado momento do cliente. Assim sendo, mesmo diante do silêncio, eu ainda posso tentar compreender o que está ocorrendo no outro, principalmente se consigo verbalizar tais sentimentos, ou, melhor ainda, comunicá-los ao cliente sem tentar impô-los.”

É o que estou sentindo em meu contato com ele, naquele momento. Não se trata de um julgamento, mas de algo que sinto dentro de mim e que proponho (se achar sinceramente válido) transmitir ao cliente. A experienciação é um processo interno, amplo, do qual podem emergir verbalizações.

Ele se liga à compreensão de sentimentos (o que está implícito no relacionamento entre duas pessoas, num dado instante) em lugar de se ligar às palavras ditas naquele mesmo momento (o que está explícito no relacionamento).

INCONGRUÊNCIA

Observamos um fato muito comum nos contatos terapêuticos. De início, o cliente tenta mostrar-se para seu psicólogo como alguém que sustenta uma imagem “coerente” de si mesmo. Há como que uma tentativa de se mostrar muito bem definido diante de suas dificuldades. Podemos exemplificar este fato da seguinte maneira:

“Bem, eu vim aqui falar com o senhor (diz o cliente), porque sinto que as pessoas não me aceitam, que minha família me pressiona muito, que, às vezes, me sinto muito descontente com a vida que levo.”

A partir daí, parece que o restante do discurso do cliente tende a se fazer conforme as “queixas” iniciais.

Mais adiante, começa a perceber que nos transmite algo como:

“Às vezes sinto momentos de grande felicidade, tenho amigos que, de fato, me apreciam e me aceitam, minha família, às vezes, me pressiona muito e chego mesmo a sentir que são liberais e me estimulam bastante para que me liberte deles.”

É frequente o surgimento da percepção dessas incoerências por parte do cliente. Algumas podem até ser simbolizadas, por não trazerem angústia elevada, e o cliente começa a ampliar o campo de percepção sobre si mesmo.

Outras constatações de incongruências não são tão facilmente aceitas pelo cliente, pois, se assim ocorresse, precisaria haver uma reformulação profunda na sua autoimagem. Por exemplo, alguns valores são bastante sedimentados durante o processo educativo. Entre eles, ser bom filho, amar os pais, ser boa esposa, boa mãe, etc. parecem “valorizar” as pessoas que se sentem possuidoras dessas características. Assim sendo, quando um cliente inicia uma psicoterapia parece, para ele, difícil colocar (sem sentimento de culpa) que odeia seu pai ou odeia sua mãe, ou seu irmão… Também é difícil dizer que não é uma boa esposa, que não suporta o filho, etc.

Obviamente, não queremos dizer que o cliente nunca fale, de início, sobre esses fatos. Queremos apenas mostra que falar sobre eles é difícil, principalmente se estiverem percebendo que terão que se mostrar de forma oposta àquela que normalmente é considerada como valorosa, boa, certa, normal, etc.

Observamos, então, uma tentativa constante de negar as afirmações que fizeram junto ao terapeuta e a forma comum disso ocorrer é: O cliente diz: “Odeio meus pais!” Logo depois, surge sua tentativa de negar o que acabara de dizer, declarando: “Bem, na realidade a coisa não é bem assim… Não posso falar assim deles. Eles não merecem. Afinal são meus pais!”

Dois pontos precisam ser destacados aqui:

O self: Eu e Meu

EU: filha(o) má(mau)

MEU: meus pais são odiáveis.

Tudo que se refere ao “eu” ou ao “meu” precisa funcionar no indivíduo de modo a manter uma coerência. Dessa forma, a pessoa, que se considera um “bom filho”, não pode admitir uma autopercepção que o leve a se sentir um “mau filho”. Por outro lado, é também difícil admitir ter “pais odiáveis”, na medida que ter pais assim significa, ao mesmo tempo, ter que reconhecer coisas ruins em si mesmo, ou seja, MEUS pais são odiáveis.

Concluindo, a percepção correta do EU e do MEU acontece somente quando os adjetivos que o seguem forem compatíveis com valores considerados aceitáveis para o indivíduo. As características referentes ao EU e ou MEU, contrários aos valores aceitos pelo indivíduo, tentam  ser negados à consciência. Apenas quando esses valores perdem seu significado (bom-mau, certo-errado), a pessoa pode admitir uma percepção mais ampla de si mesma, que englobe tudo aquilo que ela é realmente.

Por outro lado, quanto mais a pessoa nega sua globalidade e, com isso, passa a negar seus aspectos socialmente não aceitos, ou seja, aqueles que ela mesma reprova em si, mais se encontra, a nível de conduta, um certo grau de incongruência. Nota-se isso facilmente, quando alguém diz ser ou pensar de determinada forma e suas ações espontâneas apontam numa direção oposta.

Para obter maiores detalhes sobre o que acabamos de afirmar, consulte as obras mencionadas nas referências bibliográficas (Parte III), principalmente H. Justo (1973), Rogers, C. R. (OBP. p. 255, Ed.Moraes, 19 0).

Um alto grau de incongruência leva a uma bifurcação e a uma confusão no papel da tendência atualizante.

Há uma direção que é a de manter a autoimagem e outra de melhorá-la.

Surge daí um grau elevado de conflito, já que, para tomar consciência “plena” de si mesmo, implicaria em ter que admitir partes “indesejáveis” em si mesmo.

7- TEORIA DAS CONDIÇÕES PARA A TERAPIA

Para que a mudança terapêutica ocorra, torna-se necessária a existência de certas condições, para que:

– o cliente sinta uma vaga incongruência e, em decorrência dela, também um certo

grau de ansiedade;

–  terapeuta se apresente congruente durante o relacionamento;

– o terapeuta esteja experimentando uma consideração positiva incondicional em

relação a  seu  cliente;

– o terapeuta esteja experienciando uma compreensão sensível e profunda do marco

Interno de referência do cliente, o universo das realidades internas tal como

são percebidas por ele  pelo cliente;

– o cliente perceba, pelo menos em grau suficiente, a genuinidade, a consideração e

a compreensão do terapeuta. Sua percepção disso é baseada apenas parcialmente nas

palavras do terapeuta e, simples e frequentemente, através de outras fontes NÃO

VERBAIS.

Como vimos, não é muito extensa a lista das condições para a terapia. Por outro lado, indiscutivelmente, ela implica num processo altamente complexo.

A autenticidade, a consideração positiva, a empatia e sua comunicação ao cliente são fatores imprescindíveis no relacionamento terapêutico, na Terapia Centrada no Cliente.

Chegar a possuir tais características em grau razoável é sempre uma meta, mesmo para os terapeutas mais experientes neste enfoque.

8- O PROCESSO DA TERAPIA

Quando as condições, que descrevemos linhas atrás, estão presentes e permanecem no relacionamento terapêutico, um processo é colocado em andamento.

Poderíamos fazer a seguinte afirmação:

– “SE as condições (tais como foram descritas) existirem, ENTÃO se seguirá a elas um processo”.

Observamos, em nossos clientes, que, quanto mais lhes dermos uma atmosfera terapêutica, tal como foi descrito no tópico anterior, ocorrerá também maior movimento em direção ao que denominamos, em nossa teoria, de melhora psicológica.

Tentaremos dar, a seguir, uma ideia do que acontece durante a terapia.

O cliente, ao iniciar seu atendimento, geralmente demonstra uma “fachada”. Seu discurso está ligado diretamente à imagem que faz de si mesmo, ou àquela que os outros lhe dão. Os fatos descritos por ele têm um tom de impessoalidade, e o que nos conta parece referir-se a uma terceira pessoa. Quase sempre os problemas que traz dizem respeito aos outros, que o cercam.

Não queremos, com isso, afirmar que ele “nunca fala de si mesmo”. Não! Ele fala de si, mas suas verbalizações carregam distorções da realidade, que ele mesmo vivencia. Por exemplo:

“Eu vim aqui, porque não consigo viver bem com minha família. Eu me considero implicante e exigente demais. Tudo que eles dizem para mim me atinge bastante. Sou muito dependente. Eles são severos comigo. Mas eu gosto deles, eu apenas não sei como lidar com minha gente.”

Bem, esse é um dos inícios. A variedade deles é enorme. Entretanto, há quase uma constante na maioria dos casos. Ela se refere a uma “queixa” de si mesmo e dos outros.

No decorrer dos encontros terapêuticos, os temas das sessões vão-se modificando, e surge uma crescente liberdade de expressão de sentimentos, os quais começam, gradativamente, a ganhar um tom pessoal, um significado pessoal. Não só seu discurso se torna mais complexo, mais profundo, mas sua postura física, seus gestos, suas mímicas acompanham o crescente “explorar-se” do cliente.

Aos poucos, as reflexões que fazem sobre “seus problemas” adquirem características novas. Há uma crescente abertura para “compreender” o que se passa consigo mesmo. Percebem que a “queixa” inicial, seu problema principal (aquele que o trouxe às consultas) nada mais é do que uma parcela ínfima de seu universo psíquico, e que ela (a queixa) se torna, apenas, a resultante de inúmeros vetores desconhecidos.

No caso que citamos acima, o cliente começa a perceber o sentido de sua “dependência”, do seu “gostar deles”, do “não saber lidar com sua gente”, do “não conseguir viver bem com sua família”, do seu “considerar-se implicante e exigente demais”. Ele começa a demonstrar suas verdadeiras mágoas, seus medos, suas alegrias, seus amores. Emociona-se, fica tranquilo, treme de ódio, chora… Passa a ser ele mesmo, sem precisar negar o que sente, nem o que é. Sua percepção do problema passa a ser mais correta e menos limitada ou tendenciosa. Passa, também, a perceber os sentimentos mais verdadeiros, que estão em jogo no seu contato com as pessoas e consigo mesmo. Pode passar a se criticar e a se elogiar, e faz o mesmo em relação às pessoas que o cercam. Tudo isso vai acontecendo de modo espontâneo, natural. Nessa evolução, o cliente não precisa mais ter, de si, nem dos outros, uma imagem preconceituosa. Começa a perceber suas reais limitações e suas virtudes mais genuínas. Suas experiências, boas ou más, são mais e mais simbolizadas corretamente na consciência. Percebe, pouco a pouco, suas incongruências, ou seja, as discrepâncias entre o que diz ser e o que demonstra realmente ser. Vejamos.

– Inicialmente:

“Eu os adoro. São meus pais. Sinto ódio mortal das pessoas que me tiram a liberdade. Meus pais são assim. Não posso ter ódio deles porque, afinal de contas, são meus pais!”

– No final, pode dizer:

“Mesmo sendo meus pais, reconheço que às vezes, quando eles me tiram a liberdade, chego a sentir ódio deles.”

No decorrer do processo, a sua autoimagem se reorganiza para assimilar essas experiências novas, que, até então, tinham sido negadas à sua consciência.

Inicia-se um mecanismo de flexibilidade maior na sua maneira de perceber a realidade. Não ocorre mais, ou passa a ser bem menor, o radicalismo inicial:

“Sou dependente. Sou impulsivo. Sou intolerante. Amo as pessoas. Adoro meus pais. Vejo-me como uma pessoa má. Sou infeliz. As pessoas não gostam de mim. Sou um péssimo aluno.”

No decorrer do processo, podem também admitir:

“Sou independente em muitas ocasiões. Às vezes, percebo que tenho um controle muito bom sobre minhas emoções, mas ele às vezes falha. Em algumas situações, chego a odiar as pessoas. Sinto que nem sempre consigo ter sentimentos de amor por meus pais. Acredito ser uma pessoa com defeitos, mas não posso me considerar uma pessoa má. Posso, por tudo que lhe falei, me considerar alguém que tem momentos de felicidade. Em muitas ocasiões, reconheço que coisas que faço levam as pessoas a ficarem magoadas comigo, a não gostarem de mim. Mas não posso dizer que as pessoas…”

Seria interessante o leitor complementar este tópico, recorrendo à obra Tornar-se Pessoa (Rogers, C. R., Moraes Editores,1970, terceira parte, Capítulo V).

9-TEORIA DAS MUDANÇAS NA PERSONALIDADE E NO COMPORTAMENTO

Antes de iniciarmos este tópico, seria interessante falar um pouco sobre o que consideramos “mudança”.

Quase sempre, o cliente, ao iniciar a terapia, imagina o que acontecerá com ele através dos seus encontros com o psicoterapeuta. Não raramente, estabelece uma espécie de “ponto de chegada” a ser atingido no fim do tratamento.

– Alguns chegam a “se ver” concluindo a terapia, e “sendo outra pessoa”.

– Outros, como já aconteceu com alguns clientes meus, chegam a falar coisas do tipo:

– “Bem, meu problema é o seguinte: (aí descreve sua queixa principal)”.

Depois de me falar sobre o que o aflige, pergunta-me:

– “Queria que o Sr., depois de eu lhe ter dito tudo isso, me dissesse QUANTO TEMPO, E POR QUANTO,

seria possível me colocar em forma novamente”.

Esse cliente já sabia – antes mesmo de começar concretamente sua terapia – como gostaria de sair do tratamento, como se o consultório se transformasse, de repente, numa oficina mecânica, destinada a consertar máquinas quebradas, que deveriam sair de lá prontas, ajustadas, com o motor novo, fiações novas, etc.

Embora esta estória possa parecer engraçada, ela nos mostra, com alguma clareza, as expectativas que alguns clientes alimentam sobre as mudanças que esperam conseguir, a partir de uma ajuda psicoterápica.

Na realidade, as coisas não acontecem exatamente dessa forma. As mudanças, que observamos no decorrer do processo terapêutico, não são dessa ordem. A pessoa não inicia de uma forma e termina de outra preestabelecida. Há mudanças. Entretanto, elas acontecem de outra maneira. São mais gerais do que específicas. Não implicam tanto em formas, mas em conteúdos. Há mais uma alteração da pessoa, enquanto globalidade, e, não, como partes. É a pessoa, como uma gestalt, que é modificada. Essa gestalt é o indivíduo, e sua “modificação” se dá, na medida em que os elementos que o compõem, tornam-se mais visíveis para ele.

Acreditamos que, quando a terapia se desenvolve favoravelmente, o cliente torna-se cada vez mais congruente.

O aumento da congruência é seguido de um grau gradativamente menor de defesas.

Paralelamente, observa-se no cliente uma abertura maior à experiência, e essa abertura permite que mais dados referentes à sua autoimagem sejam percebidos de forma mais correta.

Em consequência dessa crescente abertura e, portanto, deste contato mais amplo com a sua realidade, o cliente torna-se mais eficaz ao enfrentar e ao ultrapassar os problemas de sua vida, incluindo-se, aí, o manejo mais fácil do relacionamento com as pessoas.

Na medida em que o cliente se torna mais apto a resolver as situações problemáticas que vivencia, as tensões que se originavam daí diminuem, e seu nível de ansiedade baixa.

É interessante observar que este decréscimo de tensão e ansiedade abrange não somente o físico, mas o organismo como um todo.

Notamos que, aos poucos, o cliente se torna mais confiante em si mesmo, e, progressivamente, passa a localizar nele o centro de suas próprias escolhas.

Diríamos que com o lócus das escolhas em si mesmo, ele se torna mais confiante e autodirigido.

É nele que passa a residir a fonte de decisões sobre sua própria forma de existir.

Seus julgamentos, suas crenças e verdades deixam de ser algo proveniente de uma fonte situada fora de si mesmo, e passam a funcionar através de um processo de “valorização organísmica”, o qual lhe dá condições de descriminar, a nível organísmico, entre a satisfação, as experiências válidas e aquelas que são insatisfatórias e não válidas para seu crescimento.

Sua forma de experienciar as situações vivenciadas ganha um sentido positivo, construtivo e torna-se um guia confiável para seu comportamento. Suas atitudes tornam-se mais abertas, menos defensivas, mais espontâneas. Ele funciona de modo mais adequado aos dados que lhe chegam de fora. Poderíamos dizer que seu comportamento passa a ser mais amadurecido, tanto em relação a si, como também em relação aos demais.

10 – TEORIA DA PERSONALIDADE

Introdução

A personalidade é a matéria-prima com a qual o psicoterapeuta trabalha. Compreender bem a natureza dessa “matéria-prima” parece ser indispensável para que se possa entender o processo que chamamos de Psicoterapia. Por isso, ao entrarmos neste tema, iniciaremos pela conceituação de alguns termos que utilizaremos, ao falarmos sobre a teoria da personalidade que nos propomos a apresentar aqui.

Conceitos Básicos

“Organismo”

Este conceito se refere à ideia do indivíduo como um todo. Organismo corresponde, portanto, ao indivíduo total. O indivíduo, a pessoa, reage ao campo fenomenológico como um todo. Sua motivação básica é realizar-se, manter-se e melhorar.

Simboliza, ou não, suas experiências: simboliza, nega ou ignora.

– Quando simboliza, a experiência da pessoa pode ser percebida claramente a nível de sua consciência.

– Quando nega, a experiência não chega a entrar no campo da consciência ou, se por algum motivo é inevitável chegar a ela, surgem distorções que modificam integralmente o verdadeiro significado do que foi vivenciado pelo indivíduo.

– Quando ignora, as experiências nem chegam a sofrer distorções como na negação. É como se elas simplesmente não tivessem ocorrido.

“Campo fenomenológico”

Chamamos de campo fenomenológico à totalidade da experiência. É o campo – o contexto – no qual as experiências acontecem. Tais experiências podem ser conscientes, o que corresponderia àquelas que podem ser simbolizadas; ou podem ser inconscientes, ou seja, não simbolizadas.

Self

É o conceito nuclear da teoria da personalidade que ora lhes apresento.

É um conjunto organizado e mutável de percepções que se referem ao indivíduo. Corresponde às características, aos atributos, aos valores e às relações que o sujeito reconhece como descritivos de si mesmo e que percebe como dados de sua identidade.

O self estabelece a interação Organismo/Meio.

Introjeta ou distorce valores dos outros.

Procura conseguir consistência, o que faz com que o organismo reaja de modo condizente com o self. Por isso, as percepções não condizentes com ele são percebidas como ameaçadoras.

“O self pode mudar como resultado da maturidade e da aprendizagem”.

AS CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS

Vejamos, agora, como esses conceitos, apresentados acima, se entrelaçam na formação da personalidade.

Veremos, também, como surgem os desajustes a nível da personalidade e sua correlação com o modo como o Self de uma pessoa foi construído ao longo da sua história de vida.

O Self começa a ser construído – concretamente – a partir do nascimento de uma criança. Por isso, focalizaremos este ponto a partir daqui.

Desde que começou a surgir o interesse pelo estudo de crianças, até hoje, não há divergência quanto ao fato de que ela vive suas experiências como realidade e ninguém melhor do que ela é capaz de apreender sua realidade

Há, nela, uma tendência a “atualizar” as potencialidades do seu organismo e ela reage ante a realidade em função desta tendência à atualização, que corresponde a um esforço constante de sua necessidade de atualização.

Em sua interação com a realidade, a criança funciona como um “todo” organizado. Sua experiência é acompanhada de um processo contínuo de valoração. Atribui valor positivo às experiências que percebe como válidas para a preservação e a revaloração do seu organismo, e negativo às contrárias a essa. Tende a buscar as “experiências que percebe como positivas e evitar as que percebe como negativas”.

OBS.: A criança vive num meio que, do ponto de vista psicológico, não existe mais senão para ela, em um mundo de sua própria criação. Ex: Uma pessoa boa estende os braços para a criança e ela fica com medo e chora.

O DESENVOLVIMENTO DO “EU”

Uma certa parte da experiência da criança se diferencia e é simbolizada na consciência. Tal parte corresponde à consciência de existir e de atuar como um indivíduo (experiência de EU).

Na interação com o ambiente, a consciência de existir aumenta e organiza-se cada vez mais para formar a noção de EU, que, como objeto de percepção, faz parte do campo da experiência total.

NECESSIDADE DE CONSIDERAÇÃO POSITIVA

À medida que se desenvolve a noção de EU e essa noção se exterioriza, desenvolve-se, também, o que chamamos de necessidade de consideração positiva, de aceitação de seu EU por parte das pessoas e por parte de si mesma.

Inicialmente, essa necessidade se baseia em inferências relativas ao campo de experiência dos outros. A criança necessita de aceitação, de ser apreciada, gostada…

Progressivamente, a satisfação dessa necessidade vai-se tornando bilateral, ou seja, o indivíduo gosta de satisfazê-la nos outros e gosta de obter a satisfação desta necessidade através dos outros.

Nas idades mais tenras da criança, ela está em contato com pessoas que são imprescindíveis para sua sobrevivência, inclusive física. Essas pessoas são consideradas como “pessoas-critério”. São tão vitais para a criança que, quando demonstram uma consideração positiva por ela, podem converter-se numa força diretiva e reguladora mais forte do que o processo de valorização “organísmica”. Explicando melhor, a tendência que move uma criança a valorizar suas experiências como boas ou más para ela, para seu crescimento, é organísmica, ou seja, é um processo interno, do seu organismo e, por isso mesmo, não precisa passar pela consciência ou por uma escolha “racional”. Mas, quando uma “pessoa-critério” (pai, mãe, ou alguém que cumpra esse papel para ela) explicita uma opinião, um julgamento sobre a experiência que está sendo vivida por uma criança, comumente ela adota essa avaliação externa em detrimento da sua própria. A isso chamamos de “complexo de consideração”.

DESENVOLVIMENTO DA NECESSIDADE DE CONSIDERAÇÃO POSITIVA DE SI MESMO

Aos poucos, a criança experimenta satisfações ou frustrações relativas ao EU, que podem ser sentidas independentemente de toda manifestação de consideração positiva dos demais. A isso chamamos de consideração positiva de si mesmo.

Tal necessidade é adquirida das associações de experiências relativas ao EU com satisfação ou frustração da necessidade de consideração positiva.

Como consequência, o indivíduo se converte em sua própria “pessoa-critério”.

A consideração positiva de si mesmo tende a se comunicar ao conjunto das experiências que se relacionam com o EU, quer dizer, com a imagem do EU, por “generalização”.

Dessa forma, se a criança faz uma avaliação do próprio eu como negativa, essa percepção se generaliza para o seu EU como um todo.

DESENVOLVIMENTO DE UM MODO DE VALORAÇÃO CONDICIONAL

Quando as experiências de si mesmo de um dado sujeito são julgadas por certas “pessoas-critério” como dignas ou não de consideração positiva, as percepções do sujeito em relação a si mesmo se tornam igualmente seletivas.

Segue-se, daí, que as experiências em relação ao EU podem ser buscadas ou evitadas. Passa-se a buscar somente aquelas que são dignas de consideração positiva. A valoração passa a ser condicional e deixa de ser organísmica, já que ser o que se sente como melhor para si mesmo talvez não lhe garanta a aceitação dos demais e de si próprio. A criança passa a introjetar valores externos, que lhe garantam a aceitação por parte dos demais.

Tal atitude surge por não existir mais uma consideração positiva incondicional para consigo mesma. Acredita-se que seja pouco provável que tal atitude possa existir plenamente.

DESENVOLVIMENTO DO DESACORDO ENTRE O EU E A EXPERIÊNCIA

Devido à necessidade de consideração positiva de si mesmo, o indivíduo percebe sua experiência em função das condições a que chegou a se submeter.

a- As experiências que estão de acordo com aquela necessidade são percebidas ou simbolizadas corretamente na consciência;

b- As experiências contrárias àquela necessidade são “selecionadas”, “deformadas”, para poderem ficar de acordo com ela ou, então, são “interceptadas”;

Daí se segue que a experiência leva consigo elementos não identificados e que se referem ao EU e, por isso, nem todas as experiências simbolizam corretamente na consciência, nem se incorporam à noção do EU.

Com a percepção seletiva, estabelece-se certo estado de incongruência ou de desacordo entre o EU e a experiência, e aparece um certo grau de vulnerabilidade e de mau funcionamento psíquico. O indivíduo passa a não ser “sincero” consigo mesmo, com o significado “organísmico” de sua experiência.

OBS.: Tudo isso se produz involuntariamente, como um processo natural e trágico, iniciado na infância.

DESENVOLVIMENTO DE CONTRADIÇÕES NA CONDUTA

O conflito entre o EU e a EXPERIÊNCIA, tal como falamos acima, dá lugar a um conflito análogo a nível da conduta.

a- Certas condutas, que são conformes à noção do EU, mantêm, atualizam e revalorizam o EU, são corretamente simbolizadas na consciência.

b- Outras são deformadas para se fazerem de acordo (conformes) com o EU.

A EXPERIÊNCIA DE AMEÇA E O PROCESSO DE DEFESA

As experiências não conformes à estrutura do EU são reconhecidas ao nível de subcepção (discriminação sem representação consciente).

Se a experiência ameaçadora fosse simbolizada corretamente, ocorreriam:

a- a noção do EU perderia seu caráter unificado;

b- a necessidade de consideração de si mesmo ficaria frustrada;

c- um estado de angústia se apoderaria do sujeito.

Surgem, daí, os processos de defesa que impedem que se produzam esses acontecimentos perturbadores.

Assim, o processo de defesa consiste em:

a- uma percepção seletiva;

b- uma deformação da experiência;

c- uma interrupção parcial ou total de certas experiências.

Como decorrência das defesas, surgem:

a- uma rigidez perceptual (devido à necessidade de deformar certos dados da experiência);

b- uma simbolização incorreta (devido à deformação e à omissão de certos dados);

c- ausência de discriminação ou discriminação perceptual insuficiente.

O PROCESSO DE DESMONORAMENTO E DESORGANIZAÇÃO PSÍQUICA

A teoria da personalidade, formulada até aqui, se aplica, em graus diferentes, a todo o indivíduo.

A seguir, veremos o que ocorre em casos em que há um mau funcionamento e que é perturbador para o sujeito.

1- Se existe um desacordo entre o EU e a EXPERIÊNCIA e se, por um fato crítico, tal desacordo fica revelado de modo brusco e inegável, o processo de DEFESA não terá nenhuma força. O sujeito sente este estado de desacordo ao nível da subcepção e se torna ansioso. O grau de angústia é proporcional à amplitude do setor do EU afetado pela ameaça.

2- Como o processo de defesa não tem força aí, a experiência fica corretamente simbolizada. Ante o CHOQUE desta tomada de consciência, produz-se um estado de desorganização psíquica.

3- Neste estado de desorganização, o indivíduo deve manifestar um comportamento estranho e instável.

Em certos momentos, expressa abertamente as experiências anteriormente negadas ou deformadas pelo processo de defesa; em outros, adota uma atitude de acordo com a estrutura do EU.

Nestas condições, o indivíduo se encontra numa luta constante que se traduz num comportamento incongruente, instável, análogo ao que se denomina personalidade múltipla.

PROCESSO DE REINTEGRAÇÃO

Consiste em produzir um processo que conduza a um restabelecimento de acordo entre o EU e a EXPERIÊNCIA.

Tal processo implica em:

1- Dar condições ao sujeito de:

a- valorar sua experiência de modo menos condicional;

b- aumentar o nível de consideração positiva incondicional de si mesmo.

2- A consideração positiva incondicional, manifestada ao cliente por uma “pessoa-critério” representa um dos meios de realizar estas condições:

a- a comunicação efetiva desta consideração positiva incondicional é possível por meio da compreensão empática;

b- daí surge uma redução e inclusive a abolição das condições que afetam

sua valoração;

c- com isso, aumenta a consideração positiva incondicional de si mesmo;

d- se ocorrer a compreensão e a redução, o nível de angústia diminui, o processo de defesa se desfaz, as experiências se simbolizam corretamente e são assimiladas à estrutura do EU.

3- Quando 1 e 2 ocorrem, há como consequência:

a- diminuição da sensibilidade em relação às experiências ameaçadoras;

b- a defesa é menos frequente;

c- aumenta o acordo entre o EU e a EXPERIÊNCIA;

d- aumenta a consideração positiva dos demais;

e- aumenta a consideração positiva de si mesmo;

f- a conduta é guiada mais pela valoração organísmica;

g- o indivíduo funciona cada vez melhor.

RELAÇÕES FUNCIONAIS RELATIVAS À TEORIA DA PERSONALIDADE

No momento atual, nenhuma teoria da personalidade pode expressar relações funcionais entre as variáveis que compõem sua estrutura, em termo de equações.

Contentamo-nos com o estabelecimento de certas relações muito gerais e qualitativas. Baseados nessas relações, construímos o nosso sistema teórico e o submetemos à prova.

O FUNCIONAMENTO ÓTIMO DA PERSONALIDADE

Quando as condições favorecem o funcionamento pleno, o indivíduo apresenta as seguintes características:

1- Está “aberto” à sua experiência (não há condutas defensivas);

2- Suas experiências são acessíveis à consciência;

3- Suas percepções são tão corretas como o permitem os dados de sua experiência;

4- A estrutura do EU concorda com a experiência;

5- A estrutura do EU é uma gestalt fluida, modificável pela assimilação de novas experiências;

6- O indivíduo é o centro da valoração de sua experiência; e sua valoração é contínua e organísmica;

7- A valoração não está submetida a condições externas (há uma consideração positiva incondicional para si mesmo);

8- É adaptado à situação e age de forma criadora nas situações novas;

9- Descobre que sua capacidade de valoração é uma fonte de direção digna de confiança;

10- Tendo em conta o caráter positivo de um ponto de vista afetivo, da consideração positiva recíproca, este indivíduo vive com os OUTROS na melhor harmonia possível.

NOTA: A personalidade que funciona plenamente é a que flui constantemente, que está em contínua mudança e cujas condutas específicas não se prestam à previsão. A única previsão que se poderia fazer sobre sua conduta é que esse indivíduo manifestará, em qualquer ocasião, um grau perfeito de adaptação criadora e que se comprometerá em um processo contínuo de atualização.

11- ILUSTRAÇÃO DE UMA APLICAÇÃO DA TEORIA DA TERAPIA

Desde o meu primeiro contato com as ideias de Rogers, suas pesquisas, sua teoria da personalidade e da terapia, pensei que seria interessante “radicalizar” algumas de suas ideias e transformar alguns conceitos em hipóteses a serem experimentadas, através de meios pouco ortodoxos em se tratando de métodos psicoterápicos.

Um conceito que sempre me chamou atenção foi o de self e sua construção. Por isso, a partir desse conceito, organizei alguns trabalhos e, entre eles, uma monografia, que representou meu trabalho final num curso de pós-graduação na UFF.

A construção do SELF ocorre ao longo da vida de uma pessoa, ou seja, ao longo de sua história pessoal.

Para muitas pessoas que estão acostumadas a lidar com a Abordagem Centrada na Pessoa e com a Terapia Centrada no Cliente, como propostas de ação que valorizam o momento aqui e agora da relação terapêutica, que reconhecem que a experiência vivida num processo terapêutico não se presta muito a ser algo congelado no tempo; quando a visão arqueológica da história do cliente fica em segundo plano, quando se busca vivenciar o momento exato em que ele experiencia seus sentimentos no instante mesmo em que eles acontecem… sei que falar em história do cliente pode parecer estranho. Entretanto, é preciso que as pessoas, que possam estar interessadas em conhecer o que ando realizando, tenham um pouco de curiosidade e, mais do que isso, estejam abertas e sejam flexíveis para não partirem de conceitos preconcebidos sobre o que é ou não ACP, Rogeriano, ou algo assim.

Escrevi dois trabalhos, focalizando História/Psicoterapia/Self.

No primeiro, “Um Método Histórico e Uma Psicoterapia Centrada na Pessoa”, (monografia apresentada à UFF, em 1995), cuja proposta foi apresentar uma aproximação entre o método da História, tal como é proposto por Paul Veyne, e o que ocorre na relação terapeuta-cliente.

No segundo, “Self: sua construção, desconstrução e autorreconstrução”, apresentei um estudo mais dedicado a esse conceito teórico. Nele, procurei encontrar meios que pudessem ajudar o cliente a compreender como o seu Self foi construído ao longo de sua história. Para isso, utilizei um método denominado Recapitulação Progressiva da História Pessoal. Nele, pretende-se, usando de recursos de estados alterados de consciência, buscar uma sequência significativa de lembranças do cliente em relação às percepções que foi obtendo de seu EU, nos seus contatos com as pessoas e os momentos significativos da sua vida, desde o período pré-natal, em que as lembranças são “viscerais, sensoriais, musculares…” até o momento atual vivido pelo cliente.

Trata-se de um método alternativo, oferecido a alguns clientes que apresentam uma historia pessoal que justifique sua utilização. Ele, como sugere, ajuda na compreensão do modo como o self daquela pessoa foi construído. A partir disso, o cliente começa a perceber como deixou de confiar na sua própria avaliação e a “desconstruir” seu self, ao mesmo tempo que experimenta uma autorreconstrução do mesmo.

É um método genuinamente “centrado no cliente”, pois todo o processo ocorre no interior de quem o vivencia, sendo o terapeuta somente um auxiliar/facilitador nessa busca de compreensão do modo como ele chegou a organizar sua personalidade, as incongruências que viveu ao longo de sua história, e aquelas, ainda presentes nele, responsáveis por suas dificuldades psicológicas atuais.

XII- A PESQUISA NA TCC

A PCC, como já falamos, talvez seja um dos enfoques teóricos mais dedicado à pesquisa.

Acredito ser desnecessário, tendo em vista os propósitos deste trabalho, relacionar aqui todas as pesquisas feitas, suas conclusões, autores, etc.

Aos interessados por essa parte, recomendo a leitura dos capítulos referentes às pesquisas, nas referências bibliográficas que mencionamos no final deste documento.

É bom ressaltar que resultados interessantes poderão ser encontrados principalmente nos livros: Psicoterapia Centrada no Cliente, On Becoming a Person, Psicoterapia e Relações Humanas e Carl R. Rogers: de la psychothérapie a l ‘enseignement.

XIII- APLICAÇÕES DO ENFOQUE CENTRADO NO CLIENTE

Como na Psicoterapia Centrada no Cliente, a relação terapeuta/cliente foi sempre considerada um tipo especial do relacionamento em geral, e também como as mudanças e o desenvolvimento da terapia sempre foram vistos como consequência do crescimento e do desenvolvimento em cada “encontro” humano, obviamente esta abordagem terapêutica se expandiu, em suas teorias, e passou a abranger estudos dos fenômenos observáveis para além daqueles que ocorriam nos encontros entre o psicólogo e seu cliente nas consultas individuais.

GRUPO INTENSIVO

Pessoas procuram grupos terapêuticos por estarem com problemas ou por quererem ter uma experiência de crescimento, conhecimento sobre si mesmas e sobre os outros.

A Abordagem Centrado no Cliente se mostrou muito aplicável aos grupos de encontro, como também a grupos terapêuticos.

Em outras palavras, essa separação que fiz entre grupos de encontro e grupos terapêuticos é muito sutil.

Qualquer grupo tem em si um potencial terapêutico. Todavia, o que considero diferenciar um do outro é basicamente o tempo de sua existência e sua proposta.

Os grupos terapêuticos não têm um tempo de vida preestabelecido. Eles existirão por 1, 2, 3 ou mais anos.

Os grupos de encontro têm como uma de suas características a previsão de seu início e seu término. O grupo de encontro é mais um GRUPO INTENSIVO, embora tenha em si um potencial terapêutico incalculável. Destina-se mais a pessoas que tenham uma problemática existencial que não interfere de forma intensa, ou altamente paralisadora, no seu comportamento.

Uma pessoa destacadamente neurotizada, com problemas acentuados que a impedem de viver uma vida a nível suportável, uma pessoa altamente desestruturada em sua personalidade, pode-se beneficiar de um grupo de encontro, mas sabemos que poderá receber mais ajuda num grupo mais permanente ou numa terapia individual.

Sobre grupos de encontro, podemos ler os trabalhos de Rogers (1970), Caulson (1972) e Meador (1971), e ver os filmes, entre os quais temos: Journey Into Self, (1968); Because That’s My Way, (1971), Em busca de si mesmo…

APLICAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Os conceitos básicos, a teoria e a metodologia da terapia centrada no cliente são altamente aplicáveis à Educação.

Na terapia individual, é criado um clima no qual o cliente aprende sobre si mesmo. Da mesma forma, o educador pode criar um clima no qual aprendizagens cognitivas e afetivas ocorram em sala de aula.

A aplicabilidade não fica encerrada nos limites da escola do ensino fundamental.

Todos os níveis de escolaridade podem ser beneficiados, quando o professor for uma pessoa que possua em si certas características atitudinais, tais como as que descrevemos anteriormente e que consideramos como necessárias e suficientes para pôr em marcha o processo terapêutico.

Sobre esse tema, temos um livro muito interessante do próprio Rogers, traduzido para o português com o título Liberdade Para Aprender.

Sugerimos, todavia, às pessoas interessadas no assunto, que, antes de ler essa obra, leiam outras como Psicoterapia Centrada no Cliente (Rogers), Teoria da Personalidade e Aprendizagem Centrada no Aluno (H.Justo).

Como leitura adicional, seria bom se estudássemos o livro de Miguel de la Puente, Carl Rogers de la Psicoterapia a l´Enseignement.

Muitas pessoas leram apenas a obra de Rogers (Liberdade para Aprender) e não conseguiram entender a mensagem mais profunda daquele livro, por falta de embasamento e conhecimento das ideias da Terapia Centrada no Cliente. Ficaram, no final, com uma noção bastante limitada sobre a aplicabilidade dessa teoria à Educação.

Para não nos alongarmos demais, diríamos que as ideias lançadas pela TCC, por terem em seu bojo princípios básicos de relacionamento humano, mostraram-se aplicáveis a qualquer situação em que se pretenda facilitar o aparecimento de relacionamentos humanos construtivos. É fácil, pois, imaginar o grande número de situações e ambientes, em que o enfoque CC tem possibilidade de trazer grandes contribuições.

14 -CONCLUSÕES

A seguir, citaremos a tradução por inteiro do texto contido no capítulo 30, do livro de Kaplan e Sadock, páginas 1842/3, Ed. 1975.

Seria difícil melhorar o quadro que nos deu Maeder (1973) dessa abordagem e seu impacto teórico, filosófico e institucional:

A base teórica da terapia Centrada no Cliente é uma fé na ‘racionalidade’ quase que perfeita do crescimento humano sob condições ideais.

A tendência atualizante no homem é uma força muito grande que tem seu próprio ritmo e direção.

A tarefa do terapeuta é facilitar a consciência e a confiança do cliente em seus próprios processos atualizantes.

O achado mais básico da terapia centrada no cliente é a das atitudes do terapeuta, que cria um ambiente ideal no qual o cliente possa se permitir crescer e se desabrochar. O processo da terapia é verdadeiramente centrado no cliente, cuja experienciação interna dita o ritmo e a direção do relacionamento terapêutico. A atitude de confiança descompromissada nos processos de crescimento dos indivíduos é tanto um sistema de valores quanto um guia para a terapia.

Como tal é contrária aos valores vigentes das escolas, da família, da igreja, dos negócios e outras instituições deste país. A atitude que predomina nessas instituições é de delimitação cautelosa e de um ceticismo implícito do processo de crescimento humano.

Basta que se imagine uma família ou escola que adote uma atitude de confiança descompromissada nos processos de crescimento de seus membros numa atmosfera de autenticidade, carinho e compreensão, para que se possa ter uma idéia do contraste que isso representa em relação à maioria das famílias e escolas.

É possível que a influência da terapia centrada no cliente se faça sentir em escala maior nas instituições desse país no futuro, talvez mais do que em psicoterapia. Isto já é verdadeiro até certo ponto. A quantidade de pessoas em educação e religião, por exemplo, que estão adotando esses princípios parece aumentar a cada ano.

A tentativa de conclusão que se poderia esboçar é que três décadas de escritos, pesquisas e terapia centrada no cliente oferecem um depoimento sobre um sistema de valores que advoga confiança no crescimento e desenvolvimento dos indivíduos sob as condições referidas. Como tal, a terapia centrada no cliente oferece um convite atraente, não só para o terapeuta numa relação cliente-terapeuta, mas também para grupos humanos de todos os credos, formas e tamanhos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ROGERS, C. R. O Tratamento Clínico da Criança – Problema. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda – 1979 – Tradução do Original publicado em 1939.

______. Psicoterapia e Consulta Psicológica. Brasil, Santos: Livraria Martins Fontes Editora, 1973 – Tradução do original publicado em 1942.

______. Psicoterapia Centrada Em El Cliente. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1969 – Tradução do original publicada em 1951

______. Tornar-se Pessoa. Lisboa: Moraes Editores, 1970 – Tradução do original publicado em 1961.

______. Liberdade para Aprender. Belo Horizonte/MG: Interlivros de Minas Gerais Ltda., 1971 – Tradução do original publicado em 1969.

______. Grupos de Encontro. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 2002 – Tradução do original publicado em 1970.

______. Novas Formas do Amor – O casamento e suas alternativas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1974 – Tradução do original publicado em 1972.

______. Sobre o Poder Pessoal. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 1978 – Tradução da publicação original de 1977.

______. Um Jeito de Ser. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda., 1983 – Tradução da publicação original de 1980.

______. Liberdade de Aprender em nossa década. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. Tradução do original de 1983.

______. Client-Centered Psycotherapy – in Comprehensive Textbook of Psychiatry-Volume 2, Second Edition. Edited by Freedman, A.M., Kaplan, H.I., Sadock B. J., Baltimore: The Williams & Wilkins Company, 1976.

ROGERS, C. R. SANTOS, A. M., BOWEN, M. C. Quando Fala o Coração – a essência da psicoterapia centrada na pessoa . Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

ROGER, C. R. & KINGET, G. M., Psicoterapía y relaciones humanas: teoría y práctica de la terapía no dirigida. Tradução de Mercedes Valcarce.  Madrid: Ediciones Alfaguara, 1967.

ROGERS, C. R. e STEVENS, B. Person To Person: the problem of being human. California: Real People Press, 1967 – Publicação original.

______. De Pessoa para Pessoa: O problema de Ser Humano. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1976 – Tradução do original publicado em 1967.

ROGERS, C. R. e COULSON, W. R. O Homem e a Ciência do Homem. Belo Horizonte/MG: Interlivros de Minas Gerais Ltda., 1973 – Tradução do original publicado em 1968.

ROGERS, C. R. e ROSENBERG, R. L. A Pessoa Como Centro. São Paulo/EPU: Editora da Universidade de São Paulo, 1977. Publicação original.

ROGERS, C. R. [et al.] Em Busca de Vida. Da terapia centrada no cliente à abordagem centrada na pessoa. São Paulo: Summus Editorial Ltda., 1983 – Original.

LEITURAS COMPLEMENTARES

BELAS, J. L. Meus Textos. Página Pessoal – Rio de Janeiro – 2006

_____. O Estágio em Psicologia. In: Revista de Psicologia do Hospital Psiquiátrico Jurujuba, ano 1, vol. 2, Rio de Janeiro, 1976.

DE LA PUENTE, M. Carl R. Rogers: de la psychothérapie a l´enseignement. Paris: Epi S.A., 1970.

EVANS, R. I. – Carl Rogers: o homem e suas idéias. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 1979.

______. Construtores da Psicologia. São Paulo: Summus/Ed. da Universidade de São Paulo, 1979.

FRICK, W. B. Psicologia Humanista. Entrevistas com Maslow, Murphy e Rogers. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.

HANNOUN, H. L’attitude non-directive de Carl Rogers. Paris: Les Editions ESF, 1976.

ITÖ, HIROCHI. Introduccion al Counseling – El pensamiento de Carl R. Rogers. Madri: Editorial Razon y Fe S.A., 1971.

JUSTO, H. Carl Rogers -Teoria da Personalidade. Aprendizagem Centrada no Aluno. Porto Alegre: Livraria S. Antônio, 1973.

MARQUET, P-B. Rogers. Paris: Psychothéque/ Editions Universitaires, 1971.

MILHOLLAN, F. & FORISHA, B. E. Skinner X Rogers – maneiras contrastantes de encarar a educação. São Paulo: Summus Editorial Ltda. 1975

PERETTI, A. Libertad y Relaciones Humanas. Madrid: Ediciones Marova, 1971.

SANTOS, A. M. Momentos Mágicos – A natureza do processo energético humano. Brasília: CEGRAF, 1986

WOOD, J. K. et al. Abordagem Centrada na Pessoa. Vitória: Editora da Universidade Federal do Espírito Santo, 1994.

—————————

—————

Deixe um comentário