CRÔNICAS E CASOS – É Tempo de Copa do Mundo de Futebol

É TEMPO DE COPA DO MUNDO DE FUTEBOL

J. L. Belas -2006

Eu tinha, naquela época, meus dez anos. Um menino alegre, mas do tipo mais para caladão do que falante.

Minha fala era ouvida, com fluência e entusiasmo, somente em alguns ambientes que me eram realmente familiares, como era comum acontecer na casa da minha avó Cota, na casa dos meus primos ou na casa da dindinha Maria.

Herdei de meu pai a paixão pelo Vasco da Gama (que durou até os meus 18 anos), mais até do que pelo futebol, esporte que pratiquei até meus 20 anos, aproximadamente.

Na rua onde eu morava, num bairro pacato da minha cidade, havia muitas crianças, principalmente meninos que regulavam com a minha idade. Tinha uma bola de futebol, oficial, de couro legítimo que eu enchia com uma bomba metálica e um bico próprio para isso.

Quase todas as tardes, reunia-me com a garotada para jogar bola e, quando o meu pai chegava do trabalho, juntava-se a nós, até que começasse a escurecer. Era a hora do banho, da janta, dos seriados e novelas que ouvíamos juntos no rádio, que ficava num lugar de destaque na sala de visitas.

Era um tempo de muita alegria, atividade, brincadeiras e estudos levados a sério por mim.

O futebol ocupava um lugar importante em nossas vidas, principalmente nos domingos, quando escutávamos as narrativas empolgadas dos locutores esportivos dos anos 50.

E foi no ano de 1950 que todos aqueles que gostavam desse esporte, aqui no Brasil, se prepararam para o grande dia, da grande final da COPA DO MUNDO DE FUTEBOL.

Nosso país foi sede desse evento e, para isso, construiu-se o então maior estádio de futebol do nosso planeta, o Maracanã, que, por ser tão grande e com o formato redondo, passou a ser nome da maior pizza das pizzarias.

Bem, mas isto tudo que falei até agora é apenas detalhe. O mais importante é que o “país do futebol” estava em festa e se preparava para o grande dia, que já estava até agendado, para se comemorar a grande vitória e a conquista do título tão cobiçado: Campeão do Mundo.

Enfim, chegara o dia tão aguardado. O jogo Brasil X Uruguai.

Meu pai e eu estávamos sentados na varanda de nossa casa.

Era de tarde. Ele havia comprado uma cerveja para ele e um guaraná para mim. Ao término do jogo, beberíamos, brindaríamos a vitória.

A emoção ao ouvir o Hino Nacional e a atenção redobrada para ouvir cada lance que chegava até nós, através da calorosa narrativa do locutor de esportes de uma de nossas emissoras de rádio, criava uma atmosfera quase mística.

Lembro-me de que, ao fechar os olhos, quase “via” cada jogada e vibrava com ela, como se estivesse no estádio naquela hora.

O fato de não haver televisão fazia com que, ao ouvir as narrativas das partidas, nos transportássemos para o “Maracanã de cada um”.

Tudo estava a nosso favor. A cada minuto que passava, nós nos sentíamos mais perto da taça.

Acredito que, naquela época, eu não tinha muita ideia do que, na realidade, aquele fato representava. Somente quando o jogo terminou, daquele modo trágico, é que percebi que estava participando de um momento histórico e dramático, para todos aqueles brasileiros amantes do futebol.

Vi isso na fisionomia e no mutismo do meu pai. Nunca o vira assim antes: uma pessoa arrasada, quase destruída, num estado que se poderia chamar de tristeza profunda. Parecia que ele havia perdido a família toda, de uma só vez, numa tragédia, num naufrágio em águas profundas e turbulentas.

A cerveja, intocada; o guaraná, esquecido na geladeira.

O silêncio à nossa volta era impressionante.

Parecia que tudo morrera naquele instante.

Hoje, tenho 66 anos.

Já acompanhei e vibrei com as nossas cinco conquistas de campeonatos mundiais. Muitas cervejas foram consumidas por mim, a cada Copa do Mundo, ganha pelo Brasil.

Meu pai, há muito tempo, não está mais aqui para participar e brindar comigo esses momentos de alegria, tão diferentes daquele que vivemos em 1950.

Entretanto, é interessante como, a cada copa, ressurge em mim aquela mesma sensação de “medo”. Medo de perder a competição? Não. Medo de esquecer que há um “guaraná” na geladeira.