PSICOTERAPIA E TEMPO

psicoterapia teoria e prática

Jlbelas- outubro de 2019

Durante algumas décadas mantive contato com estudantes de Psicologia interessados em se tornarem psicoterapeutas. A maioria apresentava um estado de angústia quando iniciava seu treinamento. Isso poderia ser considerado natural, pois, de fato, quando a pessoa passa do estudo teórico para sua prática, geralmente percebe que há um abismo profundo entre uma coisa e outra.
Um dos aspectos do processo terapêutico que mais angustiava os acadêmicos era o tempo em que se dava a sessão e o “bom aproveitamento” daqueles preciosos cinquenta minutos.
O tempo sempre lhes parecia pouco para poderem compreender o que o paciente expunha e, mais ainda, para efetivamente ajudar aquelas pessoas que estavam atendendo.
Havia uma preocupação em usar os minutos da sessão de tal forma que se pudesse extrair, nesse espaço de tempo, “tudo” que fosse significativo para a “solução” dos problemas ali trazidos.
Entende-se que isso ocorra com os jovens profissionais em formação. Eles se sentem frustrados quando percebem que durante a sessão muitas coisas “importantes” deixaram de ser ditas pelo cliente, e que aquela pessoa não conseguiu compreender nada ou quase nada sobre o problema que a aflige. Em alguns casos, e com certos tipos de cliente, esse jovem terapeuta termina a sessão sem saber “nada” sobre aquela pessoa com quem esteve durante quase uma hora.
Tenho a impressão que um dos fatores que contribui para essa decepção do terapeuta iniciante, é o tipo de formação acadêmica que ainda vigora em grande parte das instituições de ensino. Costuma-se ensinar, subliminarmente, que para cada efeito devemos procurar uma causa. Nota-se aí, ainda, a influência da metodologia que deu crédito às “ciências”. Nela esse tipo de relação, causa-efeito, tornou-se vital, pois garantia a possibilidade de controle da realidade sobre a qual se estudava. Gerava uma certeza científica.
Uma vez envoltos em tal perspectiva, os iniciantes têm dificuldade para perceber que o método que norteia o trabalho psicoterápico é diferente daquele que se aplica às ciências exatas.
Os fenômenos que se apresentam durante o encontro entre duas pessoas, não são da mesma natureza dos que se observa nos fenômenos físicos.
Na ânsia de entender o que se passa com a pessoa à sua frente, o terapeuta principiante busca estabelecer relações causais e, através delas, explicar o problema que lhe é apresentado pelo cliente.
A grande parte das teorias que estuda durante a graduação o leva a pensar desta forma e, quase sempre, quando o cliente lhe fala sobre seu problema , sem que note, foca sua atenção na busca de justificativas e explicações para o comportamento dele.
Nota-se que, em tais situações, é comum dirigir sua atenção, não para o que está sendo trazido pelo cliente, mas para os possíveis motivos que determinam seu problema. Embora esteja com o cliente no “agora”, o terapeuta acaba o percebendo no “ontem”. Com isso, perde a oportunidade única de vivenciar um encontro real , pessoa a pessoa, naquele momento.
Por isso, considero ser muito importante, na formação dos novos psicoterapeutas, a realização de um treinamento específico que lhes permita a tomada de consciência da dinâmica desse momento tão especial ao qual damos o nome de encontro terapêutico. Nele, é importantíssimo que o profissional esteja disponível para seu cliente, que o escute sem preconceitos de todas as ordens, que tente ouvir o seu discurso buscando imaginar o cenário que lhe é mostrado e sentir o significado de cada palavra dita por ele a partir do contexto apresentado pelo cliente.
Importante também é tentar sentir o que a pessoa diante dele possa estar sentindo ao lhe contar aquela história. Transmitir para o cliente sua percepção dos fatos que ele lhe contou e aceitar todas as correções que eventualmente ele possa fazer ao ouvir você falar sobre o que conseguiu perceber no mundo dele.
Voltando aqui à questão do tempo, creio ser muito importante que o terapeuta não se sinta pressionado a ter que ser eficiente no uso do tempo que estiver com o seu cliente, em cada sessão. Em muitas delas “nada acontece”. A sensação pode ser esta. Todavia, o que temos aprendido é que essa dinâmica do uso do tempo pelo cliente geralmente é muito necessária para que ele possa avançar na direção de aspectos significativos de seu crescimento.
Tenho verificado o quando a Mudança Verdadeira é um enorme desafio para todas as pessoas. Mesmo que um indivíduo perceba com grande clareza o que precisa ser modificado em seu modo de agir, ainda assim, dependendo do que precise ser mudado, não é tarefa fácil para ele.
Em certos casos, uma simples mudança de atitudes, de comportamento, exige uma sequência de outras alterações no modo de agir e de perceber a realidade de uma pessoa.
Algumas mudanças determinam quebras de paradigmas que norteiam os valores de um cliente de tal modo que ele precisará, pós mudança, ver sua realidade de maneira totalmente diferente daquela que ele via antes. Tal fato gera muita ansiedade mesmo naquele que quer mudar, e isso faz com que ele precise se sentir bem mais seguro para caminhar na nova direção, nesses novos caminhos.
Portanto, não basta ao cliente saber o que precisa mudar, nem como mudar. Ele precisa sentir segurança para fazer isso. O tempo para realizar esta ação é pessoal, segue um ritmo muito próprio, de cada pessoa. Ele precisa de tempo e o terapeuta precisa ter paciência para esperar esse tempo necessário para ele ultrapassar a barreira da insegurança e do medo de mudar.
Para o cliente, mais importante do que ele conhecer as causas de seu sofrimento psíquico, é ele compreender os medos que o impedem de mudar. O que o levou a sofrer está no passado, o que o leva ter medo de mudar está no futuro. O passado é conhecível, e já não tem mais, objetivamente, condições de agir o presente. Por outro lado o futuro vem carregado da fantasia, da imaginação… Sua natureza é fluida, é não dimensionável, pode ser qualquer coisa… Assusta por não oferecer nenhuma garantia, pois não se tem dele nenhum conhecimento concreto, seguro…
Mudar, verdadeiramente, é um mergulhar no escuro, no abismo desconhecido. Por isso, o cliente precisa de tempo para verificar com calma, cautela, acuidade, as possíveis consequências de suas ações rumo a tal mudança. Ele não se lança assim, de qualquer modo. Não! Ele age com prudência, protegendo-se até ter certeza do que fará e assumindo as consequências de sua decisão.
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