LUDOTERAPIA , VIVÊNCIAS EM

Vivências e curiosidades em relação aos recursos utilizados em alguns atendimentos

JLBelas – julho de 2021

 

INÍCIO DE CONVERSA

Desde quando iniciei minha vida profissional como psicólogo, o atendimento de crianças sempre foi muito gratificante para mim e me ensinou muito sobre essa prática.

Atendi crianças pequenas até alguns anos atrás, mas deixei de fazer isso quando  sentar no chão passou a ser um desafio para mim. (rss)

Após essa “lamentável constatação”, comecei a atender apenas os clientes com 12 anos ou mais.

Confesso que os pequenos, entre 4 e 10 anos, sempre foram os que mais mexiam comigo, com meu interior.

Guardo lembranças incríveis de algumas crianças que me deram a oportunidade de visitar seus mundos incrivelmente singelos e de grandes significados.

Ao participar do mundo delas eu retomava também a minha infância e, juntos, eu e elas, nos sentíamos alegres, tristes, medrosos e vivíamos as descobertas dos mistérios do mundo, das pessoas, dos fantasmas, dos brinquedos…

Nos momentos em que estava com elas parecia que o tempo me pregava peças, me levava para frente e para trás. Às vezes tinha a sensação de que o tempo havia parado. Outras vezes parecia que o tempo voava, e sentia como se pudesse ver o futuro que se insinuava ali, visíveis nas atitudes daquele pequeno ser em formação, diante de mim.

Atender crianças é participar da criação do ser humano, é acompanhar a escultura de uma obra de arte em seu começo.  Acho muito difícil descrever esse processo. Faltam-me palavras que possam exprimir essa variedade de sentimentos que uma criança desperta em mim,um psicoterapeuta.

Ouvi certa vez um amigo dizer ( acho que foi o Professor Coppe) mais ou menos o seguinte :  o momento do encontro terapeuta-cliente tem algo de “sagrado”, de “sacramento”.  Concordo plenamente com ele, e diria que, no caso do atendimento de crianças, o sagrado que ali acontece é potencializado, como se a gente estivesse sendo “purificado” pela pureza que emana delas.

  • ALGUMAS LEMBRANÇAS

São muitas, mas escolhi algumas que estão mais presentes em minha memória, talvez por serem mais marcantes.

  • O DORMINHOCO

Começarei por um fato ocorrido com um menino de 5 anos.

Sempre que começava a se preparar para ir para o colégio sentia-se mal: vômitos, diarreia, febre… Todos os dias esse quadro aparecia. A família e a escola não sabiam mais como lidar com o fato e resolveram me pedir ajuda.

Essa criança mostrava-se alegre ao chegar em meu consultório: sociável, sorridente, ativa, “normal”.

1ª.sessão:  Brincou com alguns brinquedos, desenhou, conversou bastante  sem mencionar nada em relação à escola, e ao que acontecia lá.

2ª.sessão: Assim que ele chegou, recebi uma ligação telefônica e, como sabia do que se tratava, pedi ao menino que me desse um tempinho para atender o telefone, e que já, já, começaríamos.  Ele aceitou meu pedido e eu peguei o telefone para falar.

Enquanto eu atendia àquela ligação, ele se debruçou em minha mesa, recostando a cabeça sobre ela e, quase imediatamente, começou a “dormir”.

Não levei mais de dois ou três minutos falando ao telefone.

Quando terminei, o menino estava, de fato, dormindo.

Deixei que ele dormisse. Parecia sereno. Ficou ali uns 25 minutos.   Passado esse tempo, coloquei a mão sobre a cabeça dele e fui mexendo em seus cabelos, falando baixo palavras que sugeriam que ele acordasse.

Pouco tempo depois, ele foi acordando, movendo-se lentamente.

Estando agora completamente acordado, olhou para mim e me presenteou com um “sorriso angelical”.

Ele era uma criança miúda, magra, com cabelos formados por singelos caracóis, tipo daqueles que a gente só vê nos anjos pintados por grandes pintores, sabe?

Aquela carinha sorridente vira-se para mim e diz: oi!

A hora de terminar nossa sessão havia chegado e nos despedimos, sem maiores diálogos.

3ª.sessão:  Como sempre ocorria, ele chegou com a mãe.   Ela pediu para falar comigo antes do filho entrar na sala de atendimento. Perguntei a ele se estaria tudo bem ela entrar para falar comigo. Ele aceitou.

Ela entrou na sala e me perguntou o que havia ocorrido na sessão passada entre mim e o menino.

Perguntei então a ela o motivo de tal pergunta.  O diálogo nosso foi o seguinte:

       Mãe – Depois da úmltima sessão  ele não faltou mais à escola, não vomitou mais, não teve mais nada daquelas coisas que ele tinha quando estava se preparando para o colégio.

       Eu – Que notícia boa!!

       Mãe – Ele me disse que o senhor havia falado com ele que não tivesse medo dos meninos da escola. Que olhasse com cara feia para eles e que ele seria capaz de enfrentar os meninos, se fosse necessário.

       Ao ouvir o que aquela mãe acabara de me dizer, percebi que, se eu lhe contasse tudo o que havia realmente acontecido, ela não compreenderia. Por isso, rindo por dentro, apenas falei que estava contente com a notícia que ela acabara de me dar, e pedi que o menino entrasse para começarmos nossa terceira consulta.

       Eu acredito que, provavelmente, aquele garoto havia sonhado “enquanto dormia diante de mim”.

       Realizamos mais uma consulta. Só! Ele havia resolvido o problema, para surpresa nossa.

Fiz o acompanhamento com a família, por um tempo. Ele continuou bem e nunca mais deixou de ir ao colégio.

       Final feliz!!

Final curioso que leva a gente a fazer muitas perguntas. Não é?

  • HOMEM TEM QUE SER BRABO!!

Ele tinha 10 anos.  Seu rosto sardento e sua espessa cabeleira ruiva, faziam dele uma figura que se destacava entre seus pares. Tinha uma estatura pequena para sua idade, mas com um porte arredondado e firme como se fosse feito de um material resistente, mas flexível. Pernas e braços roliços partiam de um tronco bem definido sobre o qual se erguia uma cabeça imponente, tendo à frente um rosto bastante arredondado, no qual se via , encravados, dois olhos verdes brilhantes, sobrancelhas diagonais, cenho franzido, nariz arrebitado e boca com carnudos lábios. Seus dentes eram um mistério, difíceis de serem vistos, pois sua boca quase sempre estava entrefechada. Esse menino era de poucas palavras.

O que escrevi acima é uma breve descrição da pessoa sobre a qual falarei a seguir.

Na escola ele era uma figura conhecidíssima. Poucas foram as pessoas, principalmente as de seu grupo de idade, que não tiveram algum problema com ele.

Ele brigava por qualquer motivo.  E eram brigas feias.

Agredia professores, inspetores, alunos, pais de alunos…

Seu nível de agressão chegou a tal nível que a Direção resolveu expulsá-lo da escola, a não ser que a família o levasse a um psicólogo.

Por acaso, eu fui o profissional para o qual a família encaminhou aquele jovenzinho encrenqueiro.

Quando ele chegou, no dia da primeira consulta, parecia um investigador de polícia “farejando” as possíveis evidências sobre a cilada na qual o meteram.

Ágil, irrequieto, com olhar desconfiado, perguntava sobre o motivo da existência de cada uma daquelas coisas que haviam em meu consultório.

Foram muitas as situações que vivi com esse menino durante meu trabalho com ele. Desde a primeira sessão, ele se dedicou a testar minha paciência e minha “força”.

Certa vez pegou uns cubos de madeira de um jogo de construção e ameaçou lançá-los pela janela, sobre os carros que passavam na rua.

Em outra ocasião trouxe, dentro de uma bolsa, uma bola de futebol suja de lama e tentou jogá-la, várias vezes, no teto de minha sala…  Foram muitos os “testes”.

O momento que parece ter sido o mais importante para nós, eu e ele, foi quando, usando um pequeno gravador de voz que havia sobre a minha mesa, ele fez uma gravação.  Através dela, ficou muito evidenciado o mecanismo que sempre o impulsionava para a realização de gestos e atitudes recheados de raiva e de agressão.

O gravador era pequeno e dispunha de um carretel de fita magnética, muito comum naquela época (1971), na qual era gravada a mensagem.

Quando essa fita chegava ao final do carretel, você poderia inverter a posição das bobinas e começar uma nova gravação (como se fossem duas faixas de áudio).

Ele lançou mão do microfone e, com voz firme, pausada e forte, começou a gravar uma mensagem. Dizia nela:

    – “Estou aqui no consultório do psicólogo. Ele está aqui. Ele é um “maricas”, um “viado”.  Ele não briga. Não faz cara feia. Fala baixo e é muito comportadinho.  Homem que é homem, não faz assim.  Por isso, ele deve ser uma mulherzinha, fraquinho e medroso.”

    Quando terminou de gravar o discurso acima, me perguntou:

– Como se grava do outro lado?

Expliquei então o que deveria fazer.  E ele virou a fita e recomeçou, no mesmo tom:

    – “Eu não sei por que ele faz assim. Mas parece que ele é um cara legal. Educado e trata as pessoas com calma. Acho estranho, mas ele parece legal.”

    Após fazer esta última gravação, ele quis ouvir tudo o que havia gravado.

    Eu e ele escutamos atentamente o conteúdo da fita, em silêncio. Enquanto ouvia, parecia meio constrangido com o que acabara de ouvir.

    Trocamos algumas ideias a respeito e ele me disse:

“Meu pai vive viajando, à trabalho. Sempre que vem, me diz que eu tenho que ser o homem da casa, cuidar de meu irmão na escola, ajudar minha mãe e não permitir que nada de ruim aconteça a eles, pois eu sou o mais velho. Meu pai sempre me diz: Se na escola alguém quiser briga, brigue! Mas brigue pra ganhar! Nunca chegue em casa chorando por ter brigado no colégio. Você é homem e homem tem que ser assim: macho!”

    Essa informação que ele nos trouxe, serviu não só para que pudéssemos entender algumas das atitudes e comportamentos desse menino, como também nos mostrou o quanto ele não estava com “permissão” para ser gentil, educado, calmo, “como seu psicólogo”.  Mas mostrou também o quanto ele, se dependesse só dele,  gostaria de ser assim, como aquele psicólogo que o ouvia sem críticas, com atenção e afetuosamente.

    Continuamos nosso trabalho durante os 4 meses seguintes. Ele não foi expulso. Passou de série e seu comportamento da escola melhorou sensivelmente.

Não continuamos nossa terapia porque o pai desse menino foi trabalhar em uma cidade do nordeste do Brasil e levou a família com ele.

  • A QUI A GENTE PODE FAZER TUDO!!!

Em um determinado momento, apareceram para atendimento vários meninos. Como não dispunha de horário para atender todos, resolvi propor aos responsáveis  por eles a realização de um grupo de terapia. De imediato, os pais aceitaram a ideia.

Esse grupo era composto por 5 garotos com idades entre 9 e 11 anos.  Um deles já estava sendo atendido individualmente por mim a quase um ano. Os outros quatro não tinham nenhuma vivência em terapia.

No primeiro encontro desse grupo, um fato me marcou bastante e, a seguir, relato o que houve.

Convidei os cinco a entrarem na sala de atendimento que existia em minha clínica.  Era uma sala preparada para crianças e que, por sugestão do decorador que fez o projeto, o chão e duas paredes eram pintados com “tinta epóxi, branca”. O motivo principal era tornar o ambiente claro e facilmente lavável, caso tinta ou outros materiais caíssem no chão ou atingissem as paredes cobertas com placas de Eucatex revestidas de feltro colorido. Era, realmente, um ambiente bonito e “clean”.

Quando os meninos entraram na sala, sentaram no chão e olharam ao redor, um dele disse com ar de surpresa e de imensa dúvida:  O que a gente pode fazer aqui??!!

De imediato, o garoto que já era atendido individualmente por mim, exclamou, categoricamente:

“Tudo, cara!!!  Tuuudoooo !!!!”

Pude entender, naquele exato momento, o que meu cliente “veterano” quis dizer para o novato:

“Aqui, a gente tem liberdade!!! Faça o que quiser!!! Se o que você fizer não for permitido aqui, logo saberá. Se fizermos alguma coisa não permitida, ele não vai brigar com a gente.  Apenas vai dizer pra a gente não fazer novamente e vai explicar por que não devemos fazer aquilo. Entende???”

Aquele menino, que chamei aqui de “veterano”, nos mostrou que havia  experimentado, ali, em nosso trabalho, o verdadeiro sentido da palavra LIBERDADE.

B – ALGUNS RECURSOS QUE USEI NO TRABALHO EM LUDOTERAPIA

Existem muitos materiais que podem ser utilizados nas sessões de ludoterapia. Nos últimos anos surgiu uma variedade enorme de recursos que são colocados à disposição das crianças durante as sessões.

Gostaria aqui de apresentar para vocês o caminho que percorri na busca dos melhores recursos para a realização do meu trabalho com a garotada.

  • RECURSOS “TRADICIONAIS”

Logo quando iniciei meus primeiros contatos com crianças, estava muito “contaminado” pelas ideias que fui formando a partir dos estudos sobre o desenvolvimento infantil, tanto do ponto de vista físico como também do psicológico. Por isso, achava importante colocar à disposição daqueles jovens clientes figuras que pudessem ser associadas à família, à escola, aos amigos, enfim que fossem identificadas por eles como coisas pertencentes ao seu universo.

Ao longo do tempo fui observando que, embora uma boa folha de papel, lápis, hidrocor, pincéis, bonequinhos de todos os tipos, tudo isso fosse interessante e atraente, nem sempre era o que mais produzia, nelas, momentos de grande expressividade.

Descobri que às vezes os materiais mais improváveis eram o que rendiam momentos de grande impacto, de criatividade e de simbolizações significativas.

Mas, em minha experiência, o que considerei ser um “material improvável”? Vejamos!

Certo dia eu estava em casa de um amigo quando ele me convidou a acompanhá-lo à uma serraria, próxima dali, na qual iria comprar um material que precisava para consertar uma porta de sua residência. Fui com ele.

Chegando lá, vi em um canto da serraria um amontoado de recortes de vários tipos de madeira. Perguntei ao dono do estabelecimento, o que era aquilo. Ele então me disse que se tratava de sobras que eram dadas às pessoas que as usavam como lenha para cozinhar.  Achei interessante e passei a olhar com mais atenção para aqueles pedaços de madeira espalhados pelo chão.

Logo percebi que algumas formas me insinuavam figuras bastante conhecidas, com as quais entramos em contato diariamente: objetos, pessoas, animais….

Perguntei ao dono da serraria se ele me daria alguns pedaços daquelas madeiras que estavam ali.  Ele então me disse que eu poderia pegar quantas eu quisesse.

Peguei muitas. Levei para casa. Apenas tirei delas as farpas e lixei as mais ásperas. Nenhuma foi pintada.

No dia seguinte levei uma enorme bolsa, cheia de recortes de madeira, para o meu consultório.  Acredito que esse material tenha sido um dos mais utilizados pelas crianças por mim atendidas.  Com eles, elas construíam quase tudo que imaginavam e, através disso, me permitiam penetrar no mundo delas, conhecê-lo com riqueza de detalhes, aumentando o potencial terapêutico de nossos encontros.

Apesar do sucesso conseguido com a utilização desses recortes de madeira, mantive os recursos mais tradicionais usados na ludoterapia.  Todavia esse material, totalmente não estruturado, passou a ser a “grande atração” para os meu pequenos  clientes.

  • A MÚSICA

Gosto muito de música, de todos os gêneros, principalmente daquelas que me fazem experimentar um sentimento de “boa forma”. Gosto daquelas que me “fazem viajar”, que têm o poder de despertar inúmeros sentimentos que se encontram adormecidos em mim.

Há músicas que me transportam para lugares distantes, para além do aqui e agora, para mundos imaginários onde tudo é mágico e possível.

A música tem esse poder e muitas vezes funciona como uma chave que abre portas para universos até então desconhecidos por nós, nos quais podemos expressar nossas mais complexas emoções.

Algumas vezes utilizei a música no trabalho com crianças e apresentarei aqui uma experiência que foi muito interessante.

Atendia um menino de 10 anos que gostava muito de desenhar. Ele desenhava bem, mas havia algo que me deixava sempre com a impressão de que ele não conseguia ultrapassar certos limites ao tentar expressar o que desejava através de seus desenhos.

Propus a ele que ouvisse uma música que eu colocaria em meu aparelho de som e, após ouvi-la, colocasse no papel o desenho que representasse o que havia sentido enquanto a escutava.

A música que eu escolhi foi a “Alvorada” da “Grand Canyon Suite“ de Ferde Grofé

O resultado foi incrível!!!!

Este movimento da Suite é muito interessante por suscitar uma emoção crescente: começa com um volume baixo, com poucos instrumentos, sugerindo o nascimento do sol no horizonte. Gradativamente vai ampliando o volume e a quantidade de instrumentos que tomam parte da peça musical, até que em um final apoteótico, toda a orquestra, num “fortíssimo”, revela o sol por completo, no céu, em todo o seu esplendor.

O trabalho foi dividido em duas partes:  na primeira, o menino, deitado em almofadas, apenas ouviu a música; na segunda parte ele, em uma folha A3, usando lápis-cera e hidrocores, ouvindo pela segunda vez a mesma música, desenhou o que ela provocou nele.

O que senti vendo o menino desenhando, e depois ele me deu informações que confirmaram a impressão que tive, foi de uma enorme emoção, algo transbordante, que o tomou por inteiro e que pode ser visível no colorido, nos traços, nos movimentos vigorosos que ele realizou, progressivamente, como se sentisse, exatamente, os primeiros raios de sol, a suavidade inicial da música, e depois a força e o calor do sol em sua plenitude.

Ao término da realização do desenho, o menino parecia em êxtase.

Parecia maravilhado com o que conseguira realizar, como se custasse a acreditar que tinha sido ele mesmo quem fizera aquela obra.

Era com se ele tivesse dado um salto em seu crescimento.

Ficamos, eu e ele, contemplando aquele momento especial para nós dois.

3- RECURSOS NA ERA DIGITAL

    Acima contei a vocês sobre os blocos de madeira, brinquedos tradicionais, jogos de tabuleiros…mas, ainda que os jogos tradicionais continuem tendo seu lugar nas salas de ludo, não podemos esquecer que atualmente  surgiram outros recursos, igualmente interessantes, com os quais as crianças estão mais familiarizadas. Refiro-me aqui aos recursos que surgiram com o desenvolvimento da tecnologia digital.

Qualquer recurso, ou seja, qualquer material disponível em uma sala de ludo pode servir como meio através do qual a criança e o terapeuta poderão desenvolver um trabalho terapêutico. Para isso torna-se necessário que, durante o contato entre esses dois protagonistas, um deles perceba a riqueza do material que existe ali, naquele momento.

    O brinquedo pode ser qualquer coisa que permita, e/ou facilite o surgimento da expressão de conteúdos significativos para a compreensão do mundo interno da criança. Pensado desta forma,  esse material lúdico, sobre o qual escreverei abaixo, até bem pouco tempo atrás certamente não faria parte do universo da ludoterapia.

Vamos aos fatos!

Estava eu iniciando uma segunda sessão com uma cliente que tinha 11 anos de idade. Era uma garota muito quieta. Fechada em si mesma, até fisicamente. Seu olhar nunca focava o meu. Sentava-se no cantinho do sofá, como se quisesse ficar o mais longe possível de mim. Sua fala, quando entrava na sala de atendimentos, se limitava a um “oi”. Só!

Em dado momento da sessão, percebi que ela pegou o seu celular e começou a escrever para alguém. Senti que estava conversando com uma amiga.

Eu continuava quieto, aguardando que alguma coisa mais acontecesse.  Mas, nada! Ela se mantinha ausente dali e, parecia ignorar totalmente minha presença.

Depois de alguns minutos, ela guardou o celular em sua bolsa e voltou à postura curvada, encolhida, quieta , distante…

Naquele momento em que percebi que seu telefone estava desocupado, peguei o meu celular e fiz uma ligação para o dela.

O aparelho tocou. Ele o pegou e viu que eu estava ligando para ela. Sua reação foi incrível: ela olhava para o telefone em sua mão e olhava para mim. Repetiu isso algumas vezes até que resolveu atender.

No momento em que ela atendeu e disse o clássico “alô!”, disse-lhe: Olá, “fulana” ! Sabe quem lhe está falando?  Ela riu e respondeu: “Sim!” E eu continuei:” Bom saber que você está me ouvindo. Está tudo bem com você? Gostaria de ter notícias suas!”.

    A partir desse momento, nossa conversa fluiu e, até o final da consulta, o celular foi o nosso meio de comunicação.

Nas sessões seguintes, não precisamos mais do telefone para nossas conversas fluírem gostosamente.

 C – COMENTÁRIOS FINAIS

Minha intenção ao escrever este pequeno comunicado, foi de trazer à discussão algumas questões que se ligam à prática do atendimento de crianças, principalmente no que se refere aos recursos utilizados nele.

Não explorei muito o tema.  Ele é bastante vasto.

Não me preocupei em apresentar aqui o conjunto todo dos diversos elementos que compõem o atendimento psicoterápico para crianças, principalmente no que se refere ao papel do acompanhamento e participação da família  nesse processo.  Isto ficará para outro documento que pretendo apresentar futuramente.

Assim sendo, espero que estes pequenos relatos apresentados aqui possam suscitar questões, principalmente entre aqueles que estão começando a atender crianças.

Caso queiram questionar, sugerir, dar suas opiniões sobre qualquer coisa que foi exposta aqui, fiquem à vontade. Basta escreverem para o e-mail josebelas@gmail.com  colocando como assunto LUDOTERAPIA-QUESTÕES.