INESQUECÍVEL MANHÃ

 

JLBelas /  Fev-2022

 

Na manhã do Natal de 1945, como acontecia todos os anos, eu acordei buscando os presentes que meu velho amigo Noel sempre deixava perto de minha pequena cama.

Naquele ano, além dos brinquedos que constavam em minha cartinha pro velho e querido Noel, fui surpreendido com um outro, enrolado em um papel de presente bastante bonito: uma sanfona de quatro baixos.

No teclado principal, no qual tocávamos a melodia, oito notas; no teclado de acompanhamento, quatro notas.

Dependendo do movimento que fosse feito, ou seja, apertando ou esticando o fole da sanfona, e pressionando os botões do teclado, ela produzia sons diferentes, uma escala completa de duas oitavas.

Imagino a minha cara de espanto e de encantamento ao pegar em minhas mãos aquela incrível “fábrica de sons”, naquele dia.

De imediato, tomado de tanta surpresa e encantamento, deixei de lado os outros brinquedos que chegaram junto com a sanfona, e comecei a explorar aquela maravilha que despertava meus olhos e ouvidos.

Os movimentos produzidos por mim eram acompanhados por sons, alguns harmônicos, outros desarmônicos, uns agradáveis, outros estranhos. E, aos poucos, fui mergulhando em uma realidade sonora que nunca havia experimentado. E me fui encantando com cada nota que, magicamente, nascia através dos singelos movimentos que minhas pequenas mãos e dedos faziam, num contato gentil com aquela fonte da qual jorravam melodias que estavam ali, esperando para se revelarem.

Depois de alguns minutos de exploração, comecei a descobrir que poderia tocar alguma música com ela.  A que estava mais presente em mim, naquele momento, era, sem dúvida, “Noite Feliz”.

Após muitas tentativas, finalmente descobri como executá-la e arrisquei uma pequena sequência dessa tradicional música natalina.

Naquele instante, meus pais acordaram e, tomados de surpresa e emoção, ouviram os primeiros compassos daquela música, tocada por mim. O que se viu, então, foi um “show” de lágrimas e sorrisos, de meus pais, que inundaram o início desse dia, lá em minha casa.

Depois desse momento “mágico”, continuei explorando aquela sanfona e o que ela poderia me dar.

Outras músicas nasceram dela e me inspiraram a continuar buscando e vivendo o universo fantástico dos sons.

Dali para a frente, o que se viu foi algo incrível. Era como se a música me capturasse a cada momento, fazendo de mim seu prisioneiro. Não pude mais viver sem ela. Nos momentos alegres, ou nos tristes, sua presença era inevitável e dava o tom da emoção que sentia.

Comecei, com o passar do tempo, a perceber que “há música em tudo”: na fala, no andar, no respirar, e até no silêncio.  Maluquice? Certamente, não!

Mas, para se sentir a música “em tudo”, é preciso mergulhar em seu mundo, de corpo e alma, como aquele garoto de 5 anos fez.

Só assim ela se nos revela, tal como se apresentou a mim, pela primeira vez, ao brotar da minha pequena sanfona a “Noite Feliz”, naquela inesquecível manhã de Natal.

 

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        Eu, minha sanfona e meus amigos, no dia de Natal de 1945.