A RAINHA DE KAUNAS
J.L. Belas – 2011
Resolvi dar a ela este merecido título.
Para quem não conhece Kaunas, saiba que se trata de uma cidade situada na Lituânia, às margens de dois belos rios e repleta de castelos medievais.
Minha heroína, sobre a qual vou contar uma pequena história, parece ter herdado dessa região do planeta uma “veia artística”, um dom admirável: a dramaturgia.
Não sei se esse traço é próprio do povo de Kaunas, mas se não for, nossa heroína seria uma excelente representante dele.
Bem, na verdade essa personagem esteve presente em pelo menos seis décadas de minha vida e me proporcionou momentos incríveis de aprendizados sobre como narrar corporalmente uma boa história. Sei que estou longe de ser um bom aluno nessa arte, mas, creia, não me tornei um ator por falha da minha querida professora, Anna Gurem, depois tornada de Carvalho, após casar-se com Albano, um dos seus maiores fãs. Sobre ele, já escrevi em “Meu relógio número um”. Mas, agora, o foco principal deste texto é Anita, como nós a chamávamos.
Anita era possuidora de um dom maravilhoso, mas que nunca foi devidamente aproveitado. poderia deixar no chinelo qualquer atriz de renome e ser adorada pelas plateias do Brasil e do mundo.
As pessoas que entendem de teatro e não conheceram Anita, provavelmente, dirão que estou a falar uma grandíssima besteira ao colocá-la nesse pedestal tão alto. Mas, concordariam comigo se a tivessem conhecido como a conheci.
Anita não falava sobre fatos, interpretava-os. Ouvi-la contar sobre um determinando evento fazia-me experimentar na carne cada sentimento envolvido nele.
Seus olhos falavam, seus gestos, sua voz, sua expressão corporal. Tudo nela fazia parte da história que contava. Se dissesse que estava com uma dor no braço, a gente ficava impressionado como esse pedaço do seu corpo passava a fazer parte direta do que estava sendo contado e nos deixava com a nítida sensação da própria dor que ela dizia estar sentindo.
Ouvir Anita contar qualquer fato era como se estivéssemos na primeira fila de um teatro, em cujo palco, ela, monologando, dava um show de interpretação. Seu modo único de gesticular, falar, movimentar-se, provocava na “plateia” uma experiência especial, como se quem a ouvisse ficasse, de certa forma, hipnotizado.
Se o caso a ser contado fosse triste, Anita quase chorava. Se fosse alegre, seu sorriso era farto. Se fosse um suspense, seu tom de voz modulava e, quase sussurando, deixava-nos à espera de um grande desfecho.
Uma pessoa boa. Uma artista nata. Uma beleza dos anos vinte. Uma amiga inesquecível. Talvez nunca Kaunas tenha tido conhecimento da existência dessa sua nobre filha, tão querida e admirada por nós.
Se, de lá, rainha não chegou a ser, certamente aqui conquistou seu merecido trono dentro do coração de todos os que a conheceram bem de perto.