TERAPIA DE CASAL – Quando a ajuda psicológica se torna necessária.

A expressão “terapia de casal” não me parece muito adequada para nomear a ajuda que muitos casais  buscam na clínica psicológica. não descreve, de modo correto,  o processo do qual tenho participado, no dia a dia, com esses clientes que apresentam dificuldades nos seus relacionamentos conjugais. O ser humano vive em relacionamento, desde o instante em que é concebido. Seguramente, esta é sua experiência de vida mais antiga. Mas, mesmo que ela seja a primeira, não significa ser aquela que ele mais domine e sobre a qual mais aprendeu. Mesmo sendo a mais antiga, não é a mais fácil de ser vivida. Não. Lembro-me de uma expressão, criada por Sartre, que diz: “O inferno são os outros”. De fato, relacionar-se e, principalmente, conviver com uma outra pessoa são constantes desafios para os seres humanos. No casamento, que é um relacionamento e uma convivência com características bem específicas, esta dificuldade adquire aspectos bastante próprios.

A vida de um casal é influenciada de maneira profunda e complexa por inúmeros fatores que envolvem cada um dos cônjuges. Sobre alguns desses fatores e sobre algumas características do relacionamento conjugal, é o que tentarei apresentar neste texto.

O CASAMENTO

Logo de início, na tentativa de encontrar uma resposta para esta pergunta, esbarramos na complexidade deste tema.

 Do ponto de vista jurídico, o casamento é um “contrato civil” entre duas pessoas, ou seja, é, na verdade, uma forma de “sociedade limitada” entre dois sócios, em que cada um deles é “proprietário” de 50% das ações. Nem mais, nem menos.

Juridicamente, cada cônjuge responde igualmente pelos compromissos civis assumidos por qualquer um deles. Em certos atos legais, fazem-se necessárias as assinaturas de ambos, diante de um escrivão, etc.

Enfocando a relação por esse ângulo, é fácil estabelecer graus de responsabilidades para cada um. Mas, se nos detivermos em outros aspectos da relação conjugal, é mais difícil fazer isto.

Para tornar mais prático o que quero discutir neste documento, denominarei de “psicológicos” os demais aspectos da relação conjugal, aqueles que escapam ao que chamei acima de “ponto de vista jurídico”.

A qualidade da relação conjugal decorre do nível de equilíbrio psicológico presente nos parceiros (“sócios”): marido-mulher, cabendo a cada um deles, do mesmo modo que “juridicamente”, 50% de responsabilidades.  Somente uma situação escapa a este critério de proporcionalidade: a presença em um dos cônjuges, ou em ambos, de algum tipo de limitação severa, física ou psicológica, que, de fato, o(a) inviabilize.

O que escrevo agora é, aparentemente, o óbvio: cada pessoa é única. A maneira de perceber a realidade é individual. Esta forma particular de ser de cada pessoa é construída ao longo de sua vida. A história de cada um de nós (tudo que nossa herança biológica nos permite elaborar, a partir de nossas interações como o mundo) determina o que somos e faz de nós seres únicos, diferentes uns dos outros.  Esta diferença inquestionável, que constitui o grande “nó” das ciências humanas, pode ocorrer em graus infinitamente variados. Por isso, é possível nos iludirmos e chegarmos a pensar que existam, de fato, os “iguais” ou os “complementares” (a “outra metade da laranja”). Para constatarmos o que acabo de escrever, bastam alguns minutos de conversa entre duas pessoas. Logo as discordâncias surgem e verificamos que elas são completamente diferentes. No máximo, podem ser “parecidas”.

Quando ouvimos dois indivíduos falarem sobre certos temas, vemos que podem até usar as mesmas palavras, e expressarem os mesmos sentimentos, todavia, a semelhança entre eles é apenas aparente. Quando “vamos mais fundo”, querendo entender o que cada um deles quis dizer, com as palavras que usaram, verificamos que, ainda que tenham falado as “mesmas coisas”, não sentiram as “mesmas coisas”. Por exemplo, ao verem uma obra de arte, cada um perceberá aquela obra com “olhos diferentes”, portanto, estarão avaliando de modo bastante distinto o objeto que ambos denominaram de “lindo”. O “lindo”, para um, não é o mesmo para o outro. Esta “real” diferença, que existe entre todas as pessoas, mesmo entre aquelas em que ela se mostra de forma “sutil”, representa apenas uma parte pequena, mas altamente significativa da questão que estamos discutindo.

Pelo exposto acima, creio que a igualdade entre pessoas é impossível, a semelhança é raríssima, a diferença é a presença constante entre dois seres humanos.

O FATO “DIFERENÇA”, NO CASAMENTO

O que vou expor agora se aplica a qualquer relacionamento humano, mas, como o nosso tema aqui é o casamento hetero, focalizarei mais essa relação e os fenômenos que costumam nela acontecer.

Esse fato, “diferença”, pode ser considerado um dos fatores principais para o surgimento dos “desencontros” e das “desarmonias” que ocorrem na vida conjugal. A diferença, à qual me refiro aqui, é o que determina a forma de percepção da realidade de cada pessoa. Em outras palavras, essa diferente maneira de cada pessoa ver a sua realidade faz com que não exista somente uma verdade, única e insofismável. Cada um de nós tem a sua própria verdade, a sua maneira única de perceber o mundo a seu redor. Essa constatação deveria ser suficiente para sabermos que não somos donos da verdade, mas esquecemos isso, passamos a acreditar que a única verdade é a nossa e que as dos demais são “opiniões equivocadas” ou inverdades. Dizendo de outra forma, “eu sei o que é certo, você, não”, ou “eu estou certo(a) e você está errado(a).

Este posicionamento extremo quase sempre está presente nos relacionamentos conjugais problemáticos. É relativamente fácil a gente entender o porquê disso. Essa rigidez de percepção não permite à pessoa entender que a sua realidade é VERDADEIRA para si e que a realidade do outro é igualmente VERDADEIRA para ele(ela). Quando há rigidez, o fato do seu(sua) parceiro(a) ter um modo de pensar diferente do seu deixa de ser somente um sinal concreto das DIFERENÇAS que existem entre duas pessoas e passa a significar que o outro está CONTRA ela(e). Seria, então, a diferença entre as pessoas a causa principal das dificuldades conjugais? Na realidade, não é bem a diferença que causa o problema no casamento, mas, certamente, tudo ficará mais complicado na relação quando os cônjuges não aceitarem este fato e não compreenderem como lidar com ele.

Muitas pessoas confundem ACEITAÇÃO da diferença com CONFORMISMO ou ACOMODAÇÃO. É importante que se desfaça logo esse equívoco. Aceitar a diferença não é se conformar com ela ou a ela se acomodar, mas uma compreensão profunda de um dado da realidade que se impõe a todos nós: cada pessoa é única.

Esse dado que é tão óbvio, e a que já me referi linhas atrás, nem sempre se mostra assim nos relacionamentos humanos. Muitas razões existem para isso acontecer, mas focalizarei somente dois agora.

O primeiro é o medo que a pessoa tem de “perder sua identidade”. O segundo é o medo de ela perder o “domínio sobre o outro”.

Portanto, aceitar a diferença de opiniões, sobre um mesmo fato, nem sempre é tarefa fácil, pois, ao se admitir que o outro esteja certo, teremos que admitir que estamos errados. Admitindo isso, teremos que fazer uma revisão de nossos valores e de referenciais significativos, que regulam nosso equilíbrio psicológico. Aceitar a verdade do outro é admitir o nosso equívoco diante da nossa realidade, mas estes temas são muito complexos. Discuti-los aumentaria muito o tamanho deste texto. Num futuro documento, deter-me-ei mais neles.

Mas será que as diferenças entre as pessoas são sempre sentidas como negativas pelo outro? Atrapalham a convivência? Sempre? Não. Elas, em certos momentos, até promovem uma aproximação. É o que geralmente acontece quando se inicia uma nova relação.

Quando os relacionamentos começam, essas diferenças podem ser o que “encanta” os parceiros. A novidade, a paixão, a curiosidade, o desconhecido, a surpresa, tudo isso provoca uma emoção e uma vibração que colorem o relacionamento com tons(?) agradáveis. Mas, aos poucos, isso vai mudando, quase sempre a partir do reconhecimento e da constatação das diferenças que provocam desencontros de ideias em temas do dia a dia, considerados fundamentais dentro da perspectiva de cada um dos cônjuges. Isso, dito assim, pode parecer simples demais. Mas quero lembrar que esse fato é apenas um “detonador” de uma bomba, construída há muito tempo atrás, dentro de cada um deles, e diretamente ligado às suas histórias pessoais.

A HISTÓRIA DE CADA UM E O CASAMENTO

Quando um homem se aproxima de uma mulher (ou vice-versa) e os dois resolvem viver uma vida de casados, ao formalizarem esta união, trazem para  este novo momento de suas vidas duas histórias completamente diferentes (mesmo que elas pareçam ser semelhantes).

Essas histórias foram construídas através de um número infinito de experiências, entre as quais aquelas que, claramente, são responsáveis pelo nosso modo de percepção de nós mesmos, e que constroem grande parte do nosso “SELF”. Tais experiências vividas determinam  algumas características nossas, como, por exemplo: 1) Nosso modo de ver o mundo e a realidade ao nosso redor. Expectativas em relação ao sentido da vida. 2) Nosso modo de avaliar como as pessoas nos veem, o que esperam de nós, que ideias fazem a nosso respeito. 3) Nossos sentimentos pelas pessoas, nossa forma de ver o ser humano: como amigo, inimigo, confiável, não confiável. 4) O que esperamos de nós mesmos, nossa opinião em relação a nós mesmos como pessoa, nossa autoimagem, etc., etc.

Essas quatro dimensões da construção do nosso EU são, a meu ver, fundamentais para se entender como a história de cada parceiro interfere na construção do relacionamento conjugal.

É claro que esse EU é construído por muito mais aspectos do que esses quatro que acabei de citar. Fatores tais como: a família na qual a pessoa foi educada; o grupo social ao qual pertenceu, principalmente durante a sua infância e adolescência; as características do momento político de seu país, de sua cidade; sua constituição biológica; sua formação religiosa; e milhares de outros fatores, todos eles compõem a matéria-prima para a construção do EU de uma pessoa.

As experiências familiares, sem dúvida, são elementos importantíssimos na determinação de certos posicionamentos e percepções que os cônjuges deixam transparecer e pelos quais lutam dentro do casamento.

Quase sempre os cônjuges reproduzem, na relação deles, o que aprenderam sobre a vida conjugal, sobre os papéis de mãe, pai, filhos, irmãos… e, frequentemente, repetem as falas e as ideias que seus pais, tios e avós lhes “ensinaram”. Essas figuras parentais são verdadeiros modelos que acabam sendo copiados, mesmo quando os próprios cônjuges os repudiam. Isso acontece como se eles fossem movidos por uma VERDADE, quase como uma lei, que se esconde nos níveis mais profundos do seu psiquismo.

Quem eu sou? Como cheguei a pensar do modo por que penso? Em que coisas EU realmente acredito? O que quero construir para mim, agora e para o futuro? O que sinto por meu parceiro? O que é, para mim, uma família? Como devo ser como mãe ou pai? Como quero educar os meus filhos?…

Estas poucas e simples perguntas já nos mostram um fato importante: cada cônjuge tem respostas bem diferentes para essas mesmas indagações.

Essa diferença tem origem no seu modo de ser, no seu modo de perceber o mundo, as pessoas e a si mesmo. Em outras palavras, em seu “SELF” (si mesmo).

É neste contexto de diferença entre os “SELVES” do casal que surgem os desencontros conjugais. E é, aí, nesse mesmo contexto, em que paradoxalmente, reside a maior riqueza de tais relacionamentos.

Mas, para que esses “desencontros” se transformem em “riqueza”, é fundamental que cada um dos parceiros compreenda, da melhor maneira possível, como o seu “SELF” funciona, e como ele dinamiza o seu comportamento no casamento.

A RELAÇÃO CONJUGAL COMO UM PRODUTO

“O casamento é a relação.”

As queixas trazidas pelos casais, digamos assim, referem-se a “algo que existe ENTRE” os cônjuges. As dificuldades que existem nos casamentos, quase sempre, não estão nem NO MARIDO, nem NA ESPOSA. Os problemas mais frequentes surgem do resultado do encontro desses dois “SELVES”, dessas duas pessoas diferentes.

O relacionamento é que está “errado”. E é sobre ele – o relacionamento – que eu, como terapeuta de casais, procuro focalizar em meu trabalho.

Costumo dizer aos casais a que atendo: “O meu cliente está sentado entre vocês dois.”
Esse cliente é uma “abstração”, é algo fluido, dinâmico, que se chama “A RELAÇÃO”.
Por que tal afirmação? Cada um dos cônjuges, percebido como um indivíduo, pode ser considerado uma pessoa adorável, gostável, sociável, equilibrada, amiga, inteligente, afetuosa, etc., etc. Mas, quando um se liga ao outro e vive esse papel de cônjuge, surge essa nova dimensão “o relacionamento conjugal”. Esse PRODUTO (o relacionamento conjugal) desses “dois seres formidáveis”, encantadores, etc. pode descaracterizar o que eles, individualmente, são e dar origem ao aparecimento de um contato humano cheio de confusões, caos, incompreensão, bloqueios da racionalidade, explosões da emoção, desamor…

Principalmente, quando um casal é formado por pessoas tão bonitas, interessantes, inteligentes, afetuosas, etc., as pessoas que vivem próximas a elas têm dificuldade para entender “por que aquele casamento, não deu certo”. Dizem: “Mas eles têm tudo a ver um com o outro. Formam um par tão bonito!…”

Mais uma vez, repito: esse relacionamento é UM PRODUTO e não uma soma ou subtração. Esse produto, tal como ocorre na Química, é uma “combinação” entre duas “substâncias”, as quais, postas juntas, produzem uma substância nova, diferente daquelas que, inicialmente, cada uma delas era. Esse processo é diferente da “mistura”, pois, nesta, as substâncias colocadas juntas mantêm sua integridade total. Não sofrem a influência uma da outra.

Ainda seguindo este exemplo, que a Química nos empresta, sabemos que há substâncias que se combinam e outras que apenas se misturam. No casamento, podem ocorrer coisas desse tipo. Entretanto, acredito que, num casamento, não pode haver somente “mistura”, pois, se isso ocorrer, não terá havido, realmente, um casamento, houve somente um “lamentável equívoco”.

O CASAMENTO E A COMBINAÇÃO QUÍMICA…

Na realidade, todo casamento, para ser assim considerado, precisaria ser semelhante a uma combinação química. Mas sabemos que há combinações e combinações. Algumas dão como resultado substâncias agradáveis, suaves, balsâmicas. Outras, ao contrário, resultam em substâncias ácidas, explosivas, desagradáveis no sabor, no cheiro… É…, acontece assim.

Tudo indica que as combinações que geram produtos agradáveis, etc., como disse no parágrafo acima, tendem a gerar casamentos tranquilos, duradouros. Por outro lado, as que geram “substâncias ácidas”, etc. têm maiores chances de terminar em separação, ou, na pior das hipóteses, gerarem casamentos desarmônicos, com muito sofrimento, para ambos os cônjuges.

Não discutirei, aqui, propositalmente, as relações de casamentos, em que sinais de patologia estão presentes. Por exemplo: há os relacionamentos de casais em que a “combinação” se dá para a manutenção de uma doença que se instala na própria relação, ou seja, os casamentos em que as características da relação servem para alimentar necessidades particulares e patológicas dos cônjuges. A impressão que tais relacionamentos despertam nas pessoas que convivem com esses cônjuges  é que  eles, ao mesmo tempo que reclamam fortemente daquela vida ruim a dois, constroem e mantêm, com tenacidade, aquela relação “indesejada”.

Prefiro ater-me, neste texto, àquelas relações mais comuns (das quais temos vários exemplos na família, entre amigos e em nós mesmos, enquanto esposo ou esposa), e enfocar, agora, algumas características de uma relação que nos faz sofrer, por estar FALIDA ou FALINDO.

ESTÁGIO DE FALÊNCIA

Nesse estágio, os dois parceiros sofrem muito. É um momento no qual eles se dão conta de que “o sonho acabou” – “Não consigo mais manter…” “Em que falhei?…”
Sentimentos desse tipo são comuns e a dor que os acompanha é muito forte.
Quando não há essa dor nos dois, na verdade não houve casamento.
O término de um casamento é uma enorme frustração, pois é a verdadeira descoberta da impossibilidade de transpor a barreira que separa um do outro. É a dolorosa constatação da existência de uma DIFERENÇA, que gera uma total incompatibilidade, entre aquelas duas pessoas. É como se os “separantes” olhassem para o passado, para a história daquela relação, e vissem uma confusão de imagens. Algumas delas, trazendo recordações profundamente belas, e outras, tão doloridas, que desejariam arrancá-las da memória, até o mais fundo de suas raízes, para que morressem no esquecimento, para sempre.

É gosto de mel e vinagre, é calmaria e vendaval… Experimenta-se, ao mesmo tempo, o desejo de SOBREVIVER e, para conseguir isso, um profundo, forte e consciente sentimento: BASTA!!!

QUANDO NÃO DÁ MAIS PARA OUVIR, NEM FALAR…

Quando, indiscutivelmente, a relação está falida, ou falindo, é comum a gente perceber, entre outras coisas, o seguinte:

1- A impossibilidade de ouvir o outro.

Eles até falam um com o outro, mas o discurso chega aos ouvidos de cada um deles com enormes distorções. É como se ouvissem, mas não pudessem apreender o conteúdo da mensagem que foi enviada. Essa atitude é, via de regra, bilateral.

2)”Esgrima” passa a ser o esporte mais praticado, no dia a dia.

Embora a maioria nunca tenha praticado a arte da esgrima, os parceiros se armam (os dedos são os floretes) e vivem esgrimindo (apontando os dedos um para o outro), uniformizados com suas capas (suas falas), que bailam entre golpes que partem de ambos os lados.

3) As acusações são respondidas (“defendidas”) com acusações.

Nessas falas, o vocabulário é sempre antigo: a queixa é sempre de fatos passados, que não foram resolvidos, que estão engavetados, com poeira, mas que, para cada um deles, parece a última notícia do dia (um furo de reportagem). Cada afirmação é uma acusação. Cada acusação de um gera uma outra acusação contra o acusador. Cada um se protege numa trincheira cheia de munições: mágoas, ressentimentos, tudo isso lançado contra o outro.

4) Os olhares…

Ah!… Os olhares… Num rápido piscar de olhos, transformam-se de serenos para faiscantes. Às vezes, parece que, se pudessem, fulminariam o outro com o olhar. São verdadeiros raios em dias de tempestade.

5) E a fala na terceira pessoa? ELE/ELA

Ele sempre reclama de tudo que eu faço…

Ela nunca reconhece meu carinho por ela…

Nas sessões iniciais de terapia de casais, essa maneira de falar é muito comum. Um fala sobre o outro, como se o outro não estivesse ali presente. É uma fala que mostra como está difícil falar diretamente para o outro e quanto precisam de um interlocutor, um mediador, para que a comunicação possa acontecer.

6) Paralelamente a um comportamento pouco amistoso, durante a sessão de terapia de casal, muitos cônjuges conseguem manter uma aparência exatamente oposta no seu ambiente social, a ponto de poucas pessoas perceberem que “as coisas não vão bem entre eles”.

7) Os ressentimentos surgem no discurso de dois modos:

a) sutilmente:

-“Você poderia ter agido de outra maneira e me feito sofrer menos…”

b) aberta e agressivamente:

 -“Você nunca me considerou uma pessoa. Eu me sentia, sempre, como se fosse uma ‘coisa’. Agora, tenho coragem para lhe dizer o que mais desejo: que você sinta e passe por tudo o que eu passei. De preferência, que se sinta pior do que eu me senti”.

8) Dificuldade para assumir sua parcela de responsabilidade nos problemas que existem na relação.

Ainda que cada um admita – racionalmente – ter sua parcela de responsabilidade na deterioração do relacionamento, é comum surgir um discurso em que O OUTRO É O ÚNICO CULPADO.

9) Os filhos

Embora os filhos possam ser temas no início dos atendimentos, quase sempre ficam como “fundo”, como “cenário” da problemática apresentada pelo casal. Os holofotes sempre ficam virados, na maior parte do tempo, para o marido e a mulher e o desencontro deles.

A SEPARAÇÃO É SEMPRE NECESSÁRIA?

Em alguns casos, ela pode ser fundamental, pois há relacionamentos que não apresentam a mínima chance de se manterem saudavelmente.

Apresentarei, abaixo, uma breve descrição dos dois tipos de casais: os que comumente se separam e os que dificilmente se separam.

CASAIS QUE COMUMENTE SE SEPARAM.

Tenho observado que as separações ocorrem principalmente quando o casal, ou um dos cônjuges, se apresenta profundamente incapacitado para ouvir, e, portanto, dialogar.
Nesses casos, pelo menos um deles adota uma atitude altamente defensiva. Essa pessoa, em atitude de defesa, geralmente é muito rígida, considera-se absolutamente certa em suas opiniões e verdades, julgando, portanto, o outro como o único, ou o mais, errado.

CASAIS QUE DIFICILMENTE SE SEPARAM.

Os casais que dificilmente se separam são aqueles que, mesmo passando por momentos muito críticos no relacionamento, ainda cultivam certo grau de admiração e respeito entre eles. Geralmente são pessoas dispostas a assumir suas parcelas de responsabilidades no processo do desencontro conjugal, desejam rever as bases da relação entre elas e compreender, de fato, o que está acontecendo com o casal. É comum haver, pelo menos em um deles, um apreço grande pela Família e se mostram capazes de lutar bravamente pelo bem-estar das pessoas que a compõem.Finalmente, pelo menos uma das pessoas desse casal se mostra bastante flexível e capaz de aceitar as diferenças individuais, que existem entre elas.

E OS FILHOS?  QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DA SEPARAÇÃO PARA A VIDA DELES?

Tudo dependerá do modo como os pais viveram antes da separação, como se separaram (o clima da separação) e como mantiveram o contato com os filhos depois disso tudo.
É fácil perceber-se que, idealmente, tanto os filhos como os pais prefeririam poder viver todos juntos. A família ainda é uma instituição desejável e importante.
Quando há uma separação, a frustração é geral (para pais e filhos), pois ela impede que uma série de sentimentos e vivências de relacionamento ocorram, já que o contexto “lar” está definitivamente desfeito.

“Lar” é, para todos os seres vivos gregários, o núcleo, a segurança, o lugar onde o afeto acontece mais plenamente. Não ter mais o “lar” é ficar num espaço sem forma, sem cor, sem textura, sem peso, sem tamanho definido… Não ter mais um “lar” é muito ruim e não é à toa que os filhos e os pais também choram quando há uma separação,   principalmente quando ela ocorre por incompatibilidade entre duas pessoas amorosas: é uma perda irreparável. Entretanto, não podemos deixar de pensar que essa perda é apenas uma parte do todo: da parte boa, gostosa, construtiva…

Não nos podemos esquecer de que, quando falamos aqui na separação, ou nos casais que comumente se separam, as pessoas que compõem essa família raramente experimentam esse lado tão gostoso, sadio. Ao contrário, vivenciam momentos de muito sofrimento, de muita dor, de muita insegurança, de enormes frustrações… Nesses casos, será que poderíamos afirmar que existiu, ali, realmente um “lar”?

Penso que, tanto para os pais como para os filhos, quando o “lar” já não existe, ou existe somente como um “lugar geográfico”, um “dormitório”, um “refeitório” ou uma “agência bancária” (mesada, pagamento de contas… ) e, além disso, o afeto já está rarefeito e os contatos entre pais e filhos são somente tangenciais,de fato, o LAR deixou de existir há algum tempo.

Retornando, acho que os filhos preferem ter seus pais morando com eles. Mas é evidente, também, que valorizam um lar equilibrado, em que a estabilidade emocional, o afeto e o respeito sejam elementos muito presentes. Brigas e discussões não fazem, forçosamente, de um lar um ambiente somente negativo, quando elas representam, somente, sinais das diferenças entre os pais, não provocam afastamento do casal. Esses desencontros não geram problemas quando, na relação, ficam evidentes o respeito pelo outro e a busca de um “acordo final”, que resulte numa melhoria para a família como um todo.

As brigas do casal em “fase terminal” são quase sempre “sem sentido”. São baixas, desrespeitosas, agressivas e, geralmente, não visam nenhuma melhoria para o grupo familiar. Essas brigas são profundamente prejudiciais para os filhos e, geralmente, são fontes geradoras de problemas, atuais e futuros para eles. Nesses casos, a possibilidade de os pais virem a formar novas famílias, mais equilibradas, pode ser uma chance para os filhos vivenciarem um clima de paz familiar, de estabilidade emocional e afetiva de um casamento. SE isso vier a acontecer, terá valido a pena a separação, pois os filhos se beneficiarão desse novo contexto, tão importante e necessário para desenvolverem, mais equilibradamente suas experiências de vida e conhecerem um modelo de relacionamento homem-mulher mais saudável.

TENTANDO UMA CONCLUSÃO

Através desta pequena exposição, sobre um tema tão vasto e complexo, em que tentei deter-me em alguns pontos que considero fundamentais para se realizar um trabalho de ajuda psicológica a casais, podemos concluir que os casais podem beneficiar-se de uma ajuda desse tipo, desde que sejam observados dois aspectos: quando buscar ajuda e o que esperar desse tipo de atendimento.

Quando buscar ajuda?

O ideal é que não se deixe acumular muitos “desencontros” por longo tempo. Os ressentimentos acumulados funcionam como um corrosivo nas relações, impedem a comunicação e provocam sentimentos que vão construindo um afastamento progressivo de um em relação ao outro. Geram frustração, diminuem a consideração e o afeto entre o marido e a mulher.

O que esperar desse tipo de ajuda?

Um grande número de casais tem problemas no casamento em decorrência da não aceitação, por parte de um ou dos dois, do fato de serem diferentes na forma de pensar ou de agir. Essa “dessemelhança” provoca uma dificuldade para eles se entenderem. A reação de oposição do outro é identificada como uma ação de retaliação, de agressão. A comunicação, progressivamente, piora e o afastamento surge de modo quase inevitável. Através desse tipo de ajuda, esperamos criar uma condição favorável para que o casal possa ver, mais claramente, esse fato (a diferença) e, além disso, entender as consequências da não compreensão e da não aceitação dela, na qualidade da relação que os dois estão vivendo.

E O AMOR, ONDE FICA NISSO TUDO?

Talvez, para quem leu este artigo todo, tenha ficado a sensação de estarem faltando muitas coisas a serem discutidas sobre o tema casamento. Entre elas, ficou faltando uma que se escreve com uma poderosa palavrinha pequena. Essa minúscula palavra acompanha a gente, durante toda a nossa vida, principalmente quando o assunto é casamento – Amor.

Propositalmente, não falei nele de forma explícita. Isso já é feito, fartamente, em qualquer livro, ou documento, que se proponha a refletir sobre o relacionamento entre seres humanos. Mas, se perceberam bem, o sentimento amor está permeando todo esse artigo, das mais diferentes formas.

O amor, para mim, não deveria ficar restrito às cenas românticas ou sexuais. Parece que nos acostumaram a associá-lo a essas situações. Os filmes e as obras literárias fazem tais associações, quase sempre.

O Amor está, contundentemente, contido na proposta de entendimento entre as pessoas, na vontade de encontrar modos de construir relacionamentos mais verdadeiros, mais sinceros. Por isso, mesmo quando um casal opta por se separar, depois de um esforço conjunto para chegar a uma compreensão do que está dificultando o relacionamento deles, o amor poderá continuar plenamente presente. Isso acontecerá se eles conseguirem aceitar um ao outro e a si mesmos, de forma sincera e profunda. Dessa forma, estarão dando uma prova plena de respeito, de consideração e, portanto, de amor.

Não é o amor que consolida um casamento. Não é o que faz com que as pessoas casadas permaneçam juntas. É o resultado do encontro bem sucedido delas.

Tão pouco entendido, tão pouco verdadeiramente vivido, o amor, misturado com outros sentimentos, às vezes parece ficar limitado às manifestações de dedicação, de doação, de desprendimento, de anulação de si, de abdicação de si pelo outro. Não concordo com isso. No amor, no qual acredito, o amado não pode anular o amante.

As pessoas que, em nome do amor pelo outro, se anulam, verdadeiramente não amam, nem o outro, nem a si mesmas. Esse amor é tudo, menos amor. No casamento, o verdadeiro sentimento de amor se apresenta como uma proposta de compreender, aceitar, mudar, construir, reconstruir a relação e, portanto, reconstruir a vida do casal.

Mas tudo isso precisa ser feito a dois. Se apenas um se empenhar para que a relação sobreviva, é bem provável que ela morra. Morrendo a relação, somente em condições muito especiais o amor sobreviverá.

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

P – Li o seu artigo. Está muito bom, mas há uma questão que acho que teria um
peso na vida conjugal: a sexualidade. Quando ela não está bem, quando não há tesão e a intimidade e a cumplicidade acabam, mesmo que o casal tenha respeito e consideração. Se pudesse me explicar melhor isto…

R – Caro Internauta,

Sem dúvida, a sexualidade é um ponto importantíssimo no casamento. Eu diria até que o que caracteriza esse tipo de relacionamento a dois é a presença, nele, de uma vida sexual. Ela é tão relevante que, juridicamente, se torna decisiva, quando, por exemplo, fica provado que um dos cônjuges se nega a ter uma vida sexual com o outro. Isso pode ser motivo suficiente para justificar um pedido de separação. Mas, o que me parece significativo nesse contexto do casamento, além, é claro, da vida sexual, é realmente o RELACIONAMENTO entre essas duas pessoas que vivem juntas.

O que você questiona (“A sexualidade quando não está bem, quando não há tesão, a intimidade e a cumplicidade acabam, mesmo que o casal tenha respeito, consideração.”) é, no meu modo de ver, muito mais uma consequência do que uma causa.

Pensemos em dois jovens que resolveram se casar. O que é mais comum, nesses casos, tirando as situações em que se possa dizer que não há, realmente, interesse de um pelo outro, em que não há, necessariamente, amor, romance… etc., é a presença do interesse sexual entre eles.

É evidente que existem pessoas que se unem somente para resolver outras questões, situadas fora do casamento (fugir da família, conseguir independência,…), todavia, esta não é a regra geral, concorda? Então, o que temos agora? Os casamentos começam – via de regra – num contexto em que o tesão está presente, mesmo que minimamente. Há, neles, cumplicidade e intimidade (movidas, mesmo que precariamente, pelo tesão, pela novidade, pela curiosidade…). Supondo-se que seja um casal medianamente equilibrado, amadurecido, etc., o respeito e a consideração provavelmente estarão presentes também.

Teoricamente, a maioria dos casais inicia sua vida conjugal com possibilidades grandes de realizar o sonho que foi cultivado em nossa cultura: “viverem felizes para sempre”, “até que a morte os separe…” Mas, o que poderia levar tudo isso a ser quebrado? Penso que esquecemos de uns detalhes simples, mas importantes, que nos poderiam ajudar a compreender um pouco o que acontece numa relação de casamento, que é uma relação humana muito especial. Não há nela o mesmo nível de liberdade que existe em outros relacionamentos, no que diz respeito ao “esfriar” os ânimos que se alteram durante um desentendimento.

Entre amigos, ou colegas, quando há um desentendimento, cada um procura ficar um pouco longe do outro, esfria a cabeça. Eles “dão um tempo”. Entre marido e mulher, esse tempo e essa distância quase não existem e, com isso, é comum que pequenos desencontros fiquem mal resolvidos e a eles se somam novos desencontros e, assim, sucessivamente. Com o passar do tempo, essas mínimas situações de desencontro vão-se acumulando, ainda que se pense que elas tenham sido dissolvidas. É aquele jantar que não aconteceu, porque ele se esqueceu de chegar a tempo, pois estava tomando uma cerveja com os amigos, depois de um dia de trabalho exaustivo.

É o gasto a mais que ela fez, com o cartão de crédito, para comprar um presente para uma amiga, que não é lá tão próxima dele e que não faz a menor questão de se mostrar simpática ou amistosa. Note que cada um deles tem seus motivos para considerar que o que fez não foi nada demais. Entretanto, em relação ao outro, cada um considera que aquilo foi um gesto de desconsideração, ou equivocado, ou errado. Surge aí um ressentimento recíproco.

Situações como estas, repetem-se no dia a dia. Elas vão minando a relação e, com isso, a vida sexual dos dois acaba sendo atingida. Dependendo do grau de sensibilidade, de amadurecimento de cada um, da capacidade de superação de problemas, etc., etc., não há dúvida de que o tesão vai acabando e a vida sexual, declinando.

É claro que essa questão é bem mais complexa do que pude mostrar nesta breve resposta. São inúmeras as variáveis que interferem no bom funcionamento de uma relação conjugal. Mas, para somente situar um pouco mais sobre o que foi questionado por você, reafirmo o seguinte:

A qualidade e a importância da vida sexual no casamento é diretamente proporcional ao grau da qualidade da relação humana que o casal é capaz de construir e manter.

3 comentários sobre “TERAPIA DE CASAL – Quando a ajuda psicológica se torna necessária.”

  1. EULÁLIA GOUVEIA10 de agosto de 2020 às 14:43

    Olá, me chamo Eulália e sou psicóloga.

    Tenho apreciado muito seus artigos. De fácil leitura e compreensão, têm sido uma fonte recorrente para meu aprimoramento.

    Muito bom !!

    1. BELAS2 de março de 2021 às 12:55

      Eulalia, boa tarde!
      Somente hoje estou lendo sua mensagem. Muito obrigado pelas palavras. Bom saber que meus artigos estão sendo úteis para você.
      Caso queira entrar em contato, se precisar de alguma coisa, escreva para josebelas@gmail.com ou pelo zap 21-99978-2628 .OK? Desejo-lhe sucesso em sua profissão, em seus projetos. Um abraço

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