ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA À ESCOLA

ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES
DA PSICOLOGIA À ESCOLA

(Publicado nos CADERNOS PEDAGÓGICOS DO CENTRO EDUCACIONAL DE NITERÓI-ANO 2 – Nº 4 – 1973)

Psc. José Luiz Belas

No âmbito da Orientação Educacional, o trabalho do psicólogo faz-se complementar e indispensável para que a Escola atinja os seus objetivos de formação integral do educando.  A sua ação não é estanque e as zonas de interseções com os demais elementos do SOE(Serviço de Orientação Educacional) são extremamente importantes. As suas atribuições específicas, assim como as do orientador estão bem delimitadas.

I

 Gostaríamos utilizar algumas situações vividas comumente nas escolas , para, através delas, apresentar  nossa posição quanto ao campo de trabalho do psicólogo em uma instituição educacional.
Afirmava uma professora: “No início do ano, X era um bom aluno. Não tinha problemas. Seu rendimento era perfeito. Uma criança com bom contato social e com facilidade para fazer amigos. Realmente era uma criança que não me dava trabalho, nem preocupações. Agora X começa a não render mais. Seu relacionamento tornou-se insuportável. É considerado um mau aluno. Os professores reclamam de seu comportamento. Estou preocupada com ele”.
Fatos com este, lamentavelmente, são muito comuns na escola. Muitos professores, só se preocupam com seu aluno quando ele “começa a lhes trazer problemas”. A escola deveria buscar, entre várias de suas metas a serem atingidas, a prevenção da ocorrência de problemas deste tipo.  Neste sentido,  as pessoas que trabalham em uma instituição escolar, professores ou não, deveriam estar atentos ao desenvolvimento de todos os seus alunos: ao daqueles com problemas, bem como ao dos outros que se mostram sem dificuldades.
Outra situação também muito comum nas escolas: “No primeiro dia de aula, vi logo que Y ia-me dar dor de cabeça. Era uma criança irrequieta, desatenta, não conseguia escrever direito. Não entendia o que a gente perguntava. Batia nos colegas de forma impiedosa e cruel. Destruía o material dos outros. Provocava um verdadeiro inferno na sala de aula”.  A professora de Y está diante de um verdadeiro desafio.  Terá muito a fazer para ajudar aquele aluno.  Imaginemos que tal professora tenha tentado ajudar seu aluno nas dificuldades disciplinares e de aprendizagem, mas que não tenha conseguido o resultado desejado.  Resolve procurar o SOE (Serviço de Orientação Educacional) na esperança de uma solução para o caso.  Frustra-se por não receber uma resposta pronta e, em lugar disso, se lhe perguntam muitas coisas a respeito daquela criança. Pedem-lhe para observar mais e sondar junto a outros professores como Y se comporta em suas aulas.  Solicita a vinda dos pais à escola. Encaminha o caso – se for preciso _- para o psicólogo da equipe do SOE, que talvez lhe peça que compareça semanalmente ao seu gabinete para, juntos, acompanharem o caso.
Finalmente, quando há um número suficiente de informações sobre o comportamento do aluno, tem início a fase de orientação. Aí o professor recebe ajuda para encontrar formas mais eficazes de comportamentos, de atitudes a serem “adotadas” em relação à criança. Dizemos adotar entre aspas, pois a coisa não é tão simples assim.  Não podemos adotar uma atitude, mas sim chegar a agir de forma diferente da que vínhamos fazendo, a partir do momento em que aquilo realmente passa a representar algo válido para nós mesmos.
É interessante notar que, não raramente, neste trabalho de encontrar soluções possíveis para o caso, através dos chamados estudos de casos, o professor sai lucrando, pois tem muita oportunidade de refletir sobre sua maneira de ser em sala de aula.  Através desses estudos, tem oportunidade de fazer uma avaliação de si mesmo, de seu papel profissional, de seus pontos fortes e fracos.  Há, pois, um aperfeiçoamento, um crescimento, uma conscientização de si mesmo.  Mas não é só o professor que se beneficia com este contato.  A família também lucra, já que passa a pensar um pouco mais sobre as dificuldades da criança e começa a compreendê-la de modo mais claro.
Pelo exposto acima, podemos perceber que prevenir, avaliar e orientar são alguns dos objetivos do trabalho do psicólogo Escolar.
II

Mas vejamos o que entendemos por: avaliar, orientar, prevenir. Vejamos também como temos operacionalizado essas metas.
Iniciemos por avaliar.
Do ponto de vista dos fundamentos psicológicos que adotamos em nossa escola, avaliar não se limita à utilização de instrumentos de medida, objetivos, como muitos poderão pensar. Não nos preocupamos com o diagnóstico no sentido tradicional do termo.   Diríamos mesmo que avaliar, para nós, está muito distante disso, e bem mais próximo do compreender.
Tomemos como exemplo o caso anterior. A professora aponta uma série de dificuldades na criança. Diante deste fato surgem algumas perguntas: O que talvez esteja levando este  aluno a apresentar esse comportamento?  Como poderemos avaliar o que realmente está ocorrendo nele? Será que apenas a criança deverá ser “avaliada”? Ou será necessário também se fazer uma avaliação do professor, da família e da escola?  Para nós, e cremos que muitos psicólogos concordarão conosco, a avaliação do caso atinge não somente a criança como também os professores, a família e a própria escola, como um todo.
A partir de tal afirmação, poderemos formular uma série de perguntas?  Será que o professor não estaria com dificuldades pessoais no relacionamento com aquele aluno? Não seria válido ajudar o professor a refletir sobre as possíveis razões que o impedem de se aproximar de seu aluno, de aceitá-lo, compreendê-lo, ajudá-lo?  E os outros professores? O que acham do aluno em questão? Terão as mesmas opiniões a respeito da criança que está apresentando esses problemas? E a escola? Estará trazendo para a criança o que para ela é necessário? E a criança? Terá algum distúrbio de natureza orgânica e, por isso, precisa receber cuidados médicos?  Não estará ela limitada em seu potencial? Terá algum problema de ajustamento social?
Queremos deixar claro que a “avaliação” de uma criança, como proposta aqui, é muito ampla e bastante complexa. Sua realização exigirá um esforço acentuado de pessoas que, em termos ideais, deveriam estar realmente interessadas em ajudá-la.
Muitos professores talvez já nos tenham visto nas salas de aula, no pátio da escola, nas horas de recreação das crianças conversando com elas.  Muitas vezes estamos observando alunos que nos foram apontados como “problema”. Esta “observação natural”, num ambiente informal, tem-nos dado elementos muito valiosos para podermos “avaliar” o aluno, e para sentirmos melhor o que dizem a respeito dele: “ele é inquieto, desatento, agressivo…” Nesses contatos, comumente surgem dados novos: aquelas crianças consideradas problemáticas- ao nos aproximarmos um pouco mais delas – comportam-se de forma geralmente diferente daquela que dizem ser-lhe habitual.  Não é raro elas nos procurarem outras vezes, conversarem com a gente, tornarem-se nossas amigas.  Daí a pergunta: por que será que tal fato ocorre? Por que, na maioria das vezes, as crianças contradizem o que os professores, ou seus pais, afirmam a seu respeito? Não seria possível o professor conseguir também um relacionamento mais produtivo com seus alunos em sala de aula? O que determina esta mudança de atitudes por parte dos alunos em relação a nós? O que há de diferente entre nosso relacionamento com aquela criança, e aquele que surge na relação dela com seu professor, em sala de aula? Quais seriam as características da conduta do professor com seu aluno que poderiam desencadear formas mais eficazes de relacionamento entre eles?
Muitos professores conseguem estabelecer contatos muito positivos com seus alunos. Alguns atingem um nível de qualidade até muito elevado. Este fato nos mostra que não se trata de privilégio do psicólogo, por sua formação profissional, conseguir tal feito. Leva-nos a acreditar que seria possível o professor conseguir também um relacionamento construtivo com seus alunos em sala de aula, dependendo de suas atitudes frente àquela criança.
A prática nos mostra que, quando um professor não consegue criar um relacionamento positivo com seu aluno, o julgamento que ele faz da criança fica prejudicado. Pergunta-se então:  Quais seriam as consequências negativas que recairiam sobre um  aluno se seu professor o julgasse equivocadamente, em decorrência de dificuldades no relacionamento entre eles?
Em resumo, queremos ressaltar aqui a importância de fazermos a melhor avaliação possível do comportamento de um aluno. Pelo fato de este processo conter um nível acentuado de objetividade, mas igualmente pleno de subjetividade, ato de avaliar exigirá um preparo específico dos avaliadores.
Avaliar, para nós, não tem o sentido de comparar, de medir, mas sim de compreender. Compreender o aluno é poder “ver claramente” sua realidade. Implica na compreensão do mundo da criança, tal como ela o percebe, através do referencial dela. Assim, para conseguirmos avaliar as situações que envolvem nossos alunos, é essencial estarmos abertos para novas experiências, para podermos recolher as informações sobre o aluno, sem deturpá-las. Só conseguiremos realizar este tipo de avaliação, de forma desejável, quando pudermos abdicar de nossos critérios de valores, e ver o outro (no caso o aluno e tudo que o cerca) como uma realidade diferente da nossa e digna de respeito.

III

 Embora sem haver esgotado o tópico sobre avaliação, vejamos agora o que significa para nós a palavra orientar.
Após a avaliação, iniciamos a outra fase que é a de orientar.
A qualidade da avaliação é fundamental para o sucesso de uma orientação, pois é nessa primeira fase que tentaremos chegar, o máximo possível, ao foco do problema real.  Na busca da compreensão do que, de fato, está ocorrendo com o aluno, tanto os professores, quanto os pais do aluno e os funcionários da escola que mantenham contato mais frequente com ele, se beneficiam. Também a direção da escola recebe esse benefício pelo fato de melhor compreender o problema daquela criança e, por isso, poder tomar decisões mais acertadas em relação a ela, principalmente nos casos de comportamentos geralmente não aceitos pelas normas da escola, passíveis de punições mais severas. Nota-se, neste último exemplo, que o psicólogo torna-se um assessor da direção, colaborando em suas decisões que impliquem assuntos técnico-psicológicos.
No processo de orientação não nos propomos instruir o professor, dizer a ele o que deverá fazer. Não! Todos os dados referentes ao aluno são trazidos para discussão.  Organizamos essas informações recolhidas e as apresentamos ao grupo de professores e orientadores. Através desses encontros, dos debates que ali são desenvolvidos e coordenados pelo psicólogo, cria-se uma condição para que esses profissionais, envolvidos naquele processo dinâmico, cheguem a conclusões sobre o que há de positivo ou negativo no modo como estão- até aquele momento, lidando com aquela criança. Daí observarmos que é comum acontecer que o próprio professor se beneficie bastante dessas discussões, pois, à medida que ele apresenta aos seus colegas sua dificuldade com os alunos vai também observando a si mesmo, suas atitudes em relação a eles.  Tem a oportunidade de conscientizar-se de uma série de pontos fortes, ou fracos, que fazem parte de sua pessoa, como professor, ou não. Passa, igualmente, a conhecer um pouco mais sobre a dinâmica do comportamento infantil. O mesmo ocorre em relação aos pais por nós orientados. Podem reavaliar suas atitudes em relação a seus filhos.
Acreditamos que as orientações dadas na escola, não só pelos Psicólogos Escolares, bem como aquelas fornecidas através dos Orientadores Educacionais, dos Assistentes Sociais, ou dos Médicos, são de grande valia para o atingimento de nossos objetivos.  Cada um desses profissionais tem uma contribuição importante a dar ao processo educacional, ao aprimoramento global do aluno.
Seria interessante observar um fato que ocorre comumente.  Muitas pessoas esperam que as propostas a que chegamos, a partir da fase de Orientação, deem resultados imediatos.  Na realidade, procuramos sempre mostrar que não há respostas pré-fabricadas para os problemas surgidos em sala de aula. Cada caso é um caso e, por isso, incentivamos as pessoas implicadas nesse processo de reorientação, a buscarem formas originais de ações junto a seus alunos. Caso não consigam resultados satisfatórios, tentem reformular a orientação escolhida.  Sugerimos que revejam os dados, sejam criativos, busquem novas soluções. É preciso que se deixe claro que educação é um processo dinâmico, não sendo, pois, uma ação do tipo tudo ou nada. Muitas vezes as mudanças no comportamento de um aluno ocorrem de forma lenta. Não há como apressar esse movimento. Podemos ajuda-lo a ser “o mais rápido possível”, apenas isso.
Uma orientação bem feita gera um terceiro ponto básico: a ocorrência de desajustes será tanto mais evitável quanto mais criterioso for o processo de avaliação/orientação realizado. Assim sendo, nunca será uma “perda de tempo”, se for preciso alongar um processo desse tipo. Vale a pena investir no tempo que se fizer necessário para que uma boa orientação seja feita. Os benefícios, indiscutivelmente, serão enormes.

IV

 Como foi mostrado até aqui, o trabalho do psicólogo escolar tem, entre tantos objetivos a serem perseguidos, o de desenvolver ações junto ao corpo docente, à família, à direção e demais pessoas com as quais a criança entra em contato.  Tais ações visam à criação de estratégias e ao fornecimento de informações que possam contribuir para minimizar, ou até eliminar, a ocorrência de problemas na relação escola/aluno, escola/família, aluno/família e aluno/aluno.  Prevenir desajustamentos talvez seja um dos principais papéis do profissional da psicologia, quando atua numa instituição educacional. Mas, como são realizadas tais ações? Tentaremos mostrar isso a seguir.

1. A ação preventiva junto à família

       Acreditamos que a família do aluno também faz parte da escola.   Por isso deve participar do processo educacional de seu filho.  Infelizmente, o que se observa com grande frequência é a existência de um número significativo de famílias que não assumem esta responsabilidade. Esta afirmativa é diretamente proporcional à idade dos filhos. Quando eles ainda são muito pequenos, os pais frequentam mais a escola e participam mais do processo educacional. Mas, com o passar do tempo uma grande parte das famílias vai diminuindo seu contato com o colégio de seus filhos.
Já ouvimos muitos pais afirmarem, tranquilamente: “O colégio para mim é um descanso. Enquanto estão na escola meus filhos não ficam em casa perturbando meu juízo”.  Ou ainda: “Acho o horário integral fabuloso, pois não tenho tempo nem ninguém para ficar com eles. Aqui, pelo menos, sei que estão sendo vigiados.”.
Um grande número de pais não vê a escola como um lugar de aprimoramento da criança, mas como um recurso para se livrar dela mais tempo por dia.  A escola, para estes, se transforma em depósito de crianças.
Torna-se mais evidente, a cada dia que passa, o despreparo dos pais como educadores.  Eles, felizmente nem todos, estão totalmente desorientados e não conseguem avaliar devidamente seu papel em relação a seus filhos.
À escola cabe uma contribuição pra que os pais se aperfeiçoem e aos poucos possam compreender melhor suas crianças.  Daí a validade dos encontros da família com os psicólogos da escola. A realização de palestras sobre temas afins ajudaria bastante o nosso trabalho.   Estes temas, além de poderem ser escolhidos pelos próprios pais, poderiam focalizar outras áreas além da Psicologia. Neste caso, a escola convidaria médicos, fonoaudiólogos ou outros profissionais para realizarem palestras.
Quanto mais bem preparados estiverem os pais, provavelmente será menor número de ocorrências de desajustes de seus filhos na escola e fora dela.
No início do ano letivo, chegam à escola várias crianças sobre as quais temos muito poucas informações. Por mais que se peça à família para preencher questionários que visam recolher dados sobre a história de seus filhos, nem sempre conseguimos obter uma visão clara sobre as condições físicas e emocionais desses alunos.  As dificuldades para se obter essas informações vão além das limitações do próprio questionário encaminhado às famílias, estão na pessoa que o preenche.  Muitos dados são falseados pelos pais com a intenção de “garantir a vaga de seu filho”, ou pelo desejo de mostrar uma imagem mais positiva dele.  Sabemos que, por “ignorância” ou por “vergonha”, muitos pais, sem perceber, prejudicam seus filhos ao negar a existência de dificuldades sérias já apresentadas por essas crianças em outras escolas, ou descobertas através de outros meios.
Muitos pais não entendem que, por mais conceituada que seja uma escola, se ela não estiver preparada para proporcionar a seu filho os recursos dos quais ele necessita para poder desenvolver-se, não valerá a pena matriculá-lo ali. Nem sempre uma escola dispõe de recursos materiais e humanos que levem todas as crianças a crescerem como seria desejável. Por isso é de suma importância a escolha de uma escola para uma criança, principalmente quando ela inicia sua vida de estudante. Uma escolha equivocada pode trazer consequências desastrosas na vida de uma criança.
Sabemos que nenhuma escola é capaz de suprir todas as necessidades de todas as crianças. Entretanto é importante que se tenha consciência dos limites da escola onde nossas crianças estudam, assim com a dos limites das próprias crianças.
Ao entrarmos em contato com algumas famílias de alunos com sérios distúrbios de comportamento, muitas vezes com problemática orgânica acentuada, nossa ação mais efetiva se caracteriza pela orientação dos pais no sentido de, paralelamente ao trabalho que a escola desenvolverá com seus filhos, buscarem a ajuda de outros profissionais, fora da escola. A preparação dos pais para enfrentarem problemas desta ordem corresponde também-de certo modo- ao trabalho de prevenção que poderá ser realizado com a ajuda do psicólogo escolar.

2. A ação preventiva junto aos alunos

       Inegavelmente, o nosso propósito de “prevenir” só será atingido através da escola, lugar privilegiado para isso, se não a contaminarmos com elementos estranhos à sua natureza.
A existência de atividades variadas, a atitude de compreensão dos adultos da escola, o clima democrático que aí deve existir, e tantos outros fatores podem contribuir para um gradativo ajustamento do aluno.
Ocorre muitas vezes que vários desses fatores não são encontrados nas escolas.  Sabemos, por exemplo, que a atitude de compreensão demonstrada pelo professor é muito importante.  Entretanto quando falamos de compreensão e aceitação muitos professores dizem: “Mas eu já cansei de dizer aos meus alunos que os aceito e compreendo. Não adiantou nada.” “Isso é muito bonito, mas na prática!…”
Realmente o fato de falar isso para o aluno nada significa, pois ninguém precisa “dizer” que aceita e compreende as atitudes do outro.
Aceitação e compreensão não são atitudes adquiridas através de livros, palestras, ou mesmo através deste artigo, nem “intelectualmente” como uma regra prática, uma técnica, algo que vem de fora.  A aquisição de atitudes como estas – que julgamos particularmente importantes – ocorre através do crescimento interior da pessoa. A partir do momento em que os professores entenderem plenamente que cada aluno vive em um mundo diferente do seu, que o universo de cada criança é único e que, portanto, precisa ser compreendido, aceito e respeitado como tal, aí então as crianças, os jovens, todos os alunos sentirão seus professores como pessoas que o ajudarão a crescer e a desenvolver suas potencialidades.
Fica claro, portanto, a necessidade da preparação dos professores para que possam se transformar em agentes dinamizadores do crescimento integral dos seus alunos.
Sabemos que a escola de hoje volta-se mais para o desenvolvimento global da criança.  Na “escola tradicional” não era comum a realização oficial de atividades que implicassem em experiências acadêmicas e sociais. A primeira delas era o foco principal. Os níveis dos conhecimentos adquiridos eram suas metas primeiras e, quem sabe, possivelmente as únicas.
Nas instituições de ensino nas quais existe a crença em que o desenvolvimento social e o acadêmico são um todo indivisível, observamos, por exemplo, a valorização de experiências vividas por seus alunos, através de excursões e outros projetos que integram essas duas dimensões.  Em nossa escola, não há sentido realizar uma excursão que seja só recreativa, ou só acadêmica.  Em termos ideais, cultura e relacionamento humano são fatores indissolúveis numa excursão para alunos de uma instituição de ensino.
As atividades que visam desenvolver os aspectos sociais e acadêmicos dos alunos, quando bem planejadas, são desencadeadoras de “aprendizagens significativas”. (“A aprendizagem significativa combina o lógico e o intuitivo, o intelecto  e os sentimentos, o conceito e a experiência, a idéia e o significado.” Rogers,C.R. em `Liberdade de Aprender em nossa década´  Edit.Artes Médicas, P.Alegre. 1985 pg.30)

Cada professor pode desenvolver formas peculiares para alcançar esses objetivos, segundo seu critério, sua criatividade, sua maneira de ser, seu bom senso, seus conhecimentos.
É interessante notar que, na medida em que nos empenhamos na criação de condições que favoreçam o desenvolvimento acadêmico e social para nossos alunos, contribuímos de modo idêntico para nosso próprio crescimento como professor e pessoa humana. Nesse processo a psicologia educacional tem muito a contribuir.

3- A ação preventiva junto à Escola

 Seria interessante observar neste momento que, embora queiramos ser “didáticos” dividindo os assuntos (professor, aluno, escola), é impossível, na prática, tal divisão, pois a Escola é um todo indivisível. Tudo influencia tudo. Por essa razão, ao falarmos sobre o aluno, falamos também sobre o professor. E o mesmo ocorrerá nesta parte.
Façamos uma comparação entre a escola e uma pessoa.  Um ser humano nasce, cresce, engatinha, estuda…  Com a escola também ocorre esse desenvolvimento.   Ela é um ser vivo que caminha e cresce num ritmo concordante com o da própria sociedade na qual ela vive. Ela é um “indivíduo” da e na sociedade.  Já bem antes de seu nascimento seus “pais” fazem projetos para sua vida futura.
No princípio a escola engatinha escorando-se aqui e ali. Diz as primeiras palavras, anda, corre, estuda, torna-se adulta, envaidece-se às vezes, e tudo mais que ocorre com as pessoas também percebemos ao longo de sua existência.
Nesse processo, dá sua contribuição para o crescimento da sociedade.  Todavia é bom notar que- como ocorre com as pessoas – ela também precisa de alimento.  Se não se alimentar, morre.  O alimento da escola é o aperfeiçoamento global (acadêmico e humano) de todos os elementos que a compõem: professores, diretores, funcionários administrativos, alunos, pais, orientadores, psicólogos, enfim, todas as pessoas ligadas a ela.
Acreditamos caber à direção da escola um papel importantíssimo, já que, como cérebro deste “organismo”, deverá ter sempre em mente a preocupação com a “saúde” e o aprimoramento de seus “órgãos”.  Talvez muitos dos leitores achem essa comparação inoportuna (direção como cérebro), mas assim não nos parece.  A imagem cérebro poderá dar, para muitos, uma deia de superioridade, de hierarquia.  Não é isso o que propomos aqui.  A direção é, pra nós, apenas um “órgão” coordenador das contribuições de todos os elementos da empresa-escola.  Não há sentido “dirigir”, mas sim “coordenar”.  Coordenar é dialogar, é buscar pontos importantes que possam ser reunidos e que resultem, na prática, em benefício para a comunidade escolar.
Pretendemos ter deixado claro o nosso ponto de vista.  A direção precisará, cada vez mais, entrar em contato efetivo com todos os envolvidos no processo educacional da escola. Agindo assim, poderá sentir melhor as dificuldades de cada um deles. A partir disso, conseguirá lhes dar condições para que realizem mais plenamente suas atividades profissionais.
O sucesso de uma direção de escola, como agente promovedor do crescimento da sua instituição como um todo, será maior quanto maior for sua capacidade de compreensão e aceitação das pessoas sob sua liderança.  Sendo ela portadora de tais atitudes, conseguirá criar um clima no qual as potencialidades humanas existentes na comunidade escolar desabrocharão. Para isso ocorrer seria desejável que esse líder fosse uma pessoa com espírito experimentador, criador, com mente aberta a novas ideias, destemida diante de mudanças, estudiosa, humana, um líder democrático e humilde observador de suas próprias limitações como pessoa.
Em síntese, quanto mais a direção da escola estiver voltada para o aperfeiçoamento acadêmico e humano se sua comunidade, e nele se incluir, mais a ação preventiva proposta pela a psicologia escolar ocorrerá.

3. A ação preventiva junto aos professores

Como frisamos no início deste artigo, a psicologia aplicada à escola, em termos ideais e segundo nosso modo de ver, tem como objetivo básico a criação de condições favoráveis que possam evitar, ou pelo menos diminuir, a ocorrência de problemas de ajustamento dentro da comunidade escolar.
Quando falamos em ação preventiva não nos referimos apenas ao que se pode fazer para evitar a ocorrência de desajustamentos dos alunos, mas também dos professores, dos pais e de todos os componentes da escola.
Será sobre os professores, provavelmente, onde incidirá uma das maiores contribuições da Psicologia Escolar.  A atividade do magistério exige deles um esforço muito grande, tanto do ponto de vista físico quanto do psíquico. Estar com muitas crianças em um espaço relativamente pequeno, uma sala de aula, ou estar com elas em grandes espaços, excursões, não é tarefa fácil. A responsabilidade que recai sobre seus ombros, exige uma preparação que vai além da que recebem quando estão estudando para se tornarem professores.
Além de ensinarem conteúdos acadêmicos, cabe a eles o ensino de hábitos e atitudes. Enquanto os conteúdos acadêmicos, para serem transmitidos, exigem dos professores um “conhecimento do mundo”, os hábitos e atitudes exigem dele uma habilidade bem maior, pois exige dele uma formação como pessoa, um maior “conhecimento de si mesmo”.
Os professores -como qualquer pessoa-  carrega consigo uma carga de tensão imposta a todos nós pela vida.  Por mais equilibrada que seja uma pessoa, haverá momentos em que ela se verá vivendo momentos de instabilidade emocional.
Para alguns profissionais estes desajustes momentâneos não afetam o desempenho de suas atividades. Não é este o caso dos professores, principalmente daqueles que trabalham com crianças. Seria desejável que elas pudessem estar, na maior parte do tempo, pelo menos, em condições emocionais boas e que, por isso, não levassem para seus alunos reflexos de problemas pessoais (originados na escola ou fora dela).

Com base nestes “simples” fatos, pergunta-se: Não seria válido pensarmos em dar condições aos professores de serem atendidos em nível de aconselhamento psicológico na própria escola?  Acreditamos que se essa ideia for levada adiante evitaremos uma série de problemas que comumente ocorrem nas salas de aula.
Outra proposta de ajuda aos professores, que age muitas vezes como profilática, vem se mostrando altamente proveitosa. Trata-se da reunião para discussão de casos. Nela seriam reunidos professores, orientadores, psicólogos e tantos outros profissionais quantos fossem necessários. Um estudo de caso bem feito corresponde a uma reavaliação profunda de uma série de aspectos pessoais e profissionais de todos aqueles que dele participarem.

O fato de se estudar mais profundamente o caso de um aluno com certo nível de dificuldade abre uma série de oportunidades para a reformulação de nosso ponto de vista sobre aquela criança, além de servir de base para correção de falhas pessoais de relacionamento com ela, e de promover um conhecimento melhor de nossos colegas de trabalho e suas formas de ação.
Muitas vezes a discussão de caso é limitada à presença dos professores, do orientador ou psicólogo. Tal discussão é também muito válida, ainda que, como é óbvio, não tão rica de informações quantos aquelas das quais também  participem profissionais de outras áreas e outras pessoas “leigas” que convivam de perto com aquele aluno.
Mais uma vez perguntamo-nos: Por que são tão pouco frequentes reuniões para estudo de caso?  Por que tão valioso meio de autoaperfeiçoamento não é visto dessa forma?  Não poderíamos pensar um pouco mais sobre isso?
Passemos a outro assunto.
Outra questão surge na ação preventiva em relação ao professor.  Todos sabem que o magistério é uma atividade altamente desgastante. É necessário, pois, que se pense em modos mais eficazes de planejamento de repouso.  Muitos professores são sobrecarregados com tarefas que se estendem por várias horas contínuas em um mesmo dia.  Não acreditamos que uma pessoa que trabalhe tanto possa render satisfatória e equilibradamente durante muito tempo.  Para que pudesse ocorrer muito trabalho sem prejuízo do equilíbrio emocional, seria necessário um ajustamento ideal do professor à sua profissão.  Mas, quantos professores realmente estão ajustados à sua profissão?  Quantos já entram em sala como alguém que vai “enfrentar mais um dia de luta”?
Conhecemos pessoas- o que também deve acontecer com você, leitor – que trabalham muito, todos os dias, e que nem por isso se esgotam psicologicamente.  Mas isso não parece a regra, e sim a exceção.  Como não podemos, neste caso, pensar apenas nas exceções, passamos a acreditar que, indiscutivelmente, cabe à escola – assessorada pela Psicologia- formular um plano de repouso para os professores, de forma bem estudada, a fim de lhes permitir uma adequada recuperação física e psíquica.
Muitos argumentarão, com relação a isto: “Bem, mas a coisa não é tão simples assim!” Na verdade não basta isso para se resolver o problema. Os professores enfrentam outras dificuldades sérias tais como uma remuneração deficiente, poucos recursos didáticos, o espaço para desenvolver seu trabalho nem sempre é suficiente, e muitos outros  problemas que podem gerar fontes de frustração constantes para esse profissional e, consequentemente, de desgaste para ele.
Mas, ainda que se razões apresentadas acima possam ser significativas, outras talvez nos façam pensar em outra direção.  Por exemplo: será que um professor que tivesse um bom salário, farto material para trabalhar, espaço amplo em sala de aula e fora dela, estaria, só por isso, imune às frustrações profissionais? Os professores que não contassem com tais condições, seriam forçosamente frustrados em seu trabalho? Desajustar-se-iam nele?  Não seria, talvez, mais importante pensar em propiciar, a todos, condições psicológicas para que possam utilizar melhor os recursos materiais oferecidos por sua escola?  Não seria isso uma melhor prevenção? De que adiantam os recursos materiais se os professores não tiverem condições de utilizá-los adequadamente, ajustadamente?  Sabemos que o grau de aprendizagem não está correlacionado com a quantidade ou qualidade desses recursos, mas sim com que se está trazendo para o estudante e com o grau de significação daquela experiência para sua vida.  Por isso tudo, é altamente válido o aprimoramento das condições dos professores para a utilização dos recursos materiais que com os quais eles contam. Esse aprimoramento, tudo índia, só ocorrerá se lhe oferecermos melhores condições psicológicas que favoreçam o desenvolvimento de sua capacidade criativa e de sua flexibilidade para se adaptarem a situações novas.
Provavelmente um dos papéis mais importantes do professor, no seu trabalho com seus alunos, seja o de prepará-los para o mundo. Para isso precisamos treinar professores para que possam realizar esta complexa e difícil tarefa.
Sabemos que ao professor é comumente atribuída a função de ajudar e compreender os alunos.  Mas estará ele preparado para isso?  Não caberia à escola dar condições aos professores para aperfeiçoarem sua capacidade de aceitação e compreensão das crianças?
Acreditamos que ainda seja preciso caminhar bastante no sentido do aprimoramento da formação dos professores.  Ainda se dá muita ênfase à bagagem acadêmica dos futuros mestres em detrimento de seu aperfeiçoamento humano.  Antes de ser um “mestre em matemática” ou “em geografia”, há de ser o professor um “mestre em ser gente”. Precisa aprimorar-se, sobretudo, na busca de se tornar uma pessoa com objetivos definidos,  possuidora de valores humanos sedimentados, e que vê o magistério como uma parcela importante na realização de si mesmo.
Cremos que os treinamentos dos professores tenham de tender, cada vez mais, para o aperfeiçoamento das “atitudes” deles, ainda que não possam esquecer as “técnicas” (conhecimentos acadêmico-intelectuais).  Só assim, com uma mistura bem dosada destes dois aspectos, e principalmente com uma carga maior do primeiro (atitudes) é que poderemos alcançar os objetivos da educação-como a vemos- cada vez mais voltada para a humanização do homem.

V

Esperamos ter dado ao leitor uma ideia geral do que tentamos fazer em nossa escola.  Aí ficam algumas ideias sobre contribuições que Psicologia pode dar à Educação.
Em cada item do tema, está implícita a participação do psicólogo escolar.  Numa fase vindoura iniciaremos trabalhos de pesquisa, contribuição que ainda não nos foi possível dar.
Segundo nossa maneira de ver, o Psicólogo é, em nossa comunidade, uma peça muito importante que assessora a Escola em todos os assuntos ligados à sua Ciência.
Bastariam dois itens do código de ética do Psicólogo para vermos quanto indiscutível é a importância da Psicologia na escola moderna:
“… Baseia seu trabalho no respeito à dignidade do indivíduo como pessoa humana.”
“… em seu trabalho procurará sempre promover o bem-estar da humanidade e de toda pessoa humana com quem entre em relação como profissional.”