ESCOLA EM TEMPO DE PANDEMIA
jose luiz belas – maio de 2020
No texto anterior, sobre professor-aluno-aprendizagem, tentei mostrar a importância da qualidade do relacionamento do professor com seu aluno na escola. Neste, vamos pensar sobre o como seria esse relacionamento nos dias de pandemia. Quais as questões que os professores provavelmente encontrem neste momento em que estamos vivendo o afastamento social, o isolamento…
Quando o professor trabalha com alunos pequenos, as questões que surgem costumam ser o estranhamento dessas crianças por não ter o lugar de brincar com os amiguinhos, de merendar, de correr, coisas que costumam fazer na escola. Ficar diante de um computador, ou de um celular, para participar de uma aula, tendo seus outros brinquedos à disposição, e uma mãe, ou pai, improvisados de professor, inquietos porque precisam dar conta das coisas da casa, ou do trabalho em home-office, é bastante complicado para muitos deles. Cadê a rotina que organizava suas vidas? O acordar, tomar a primeira refeição, se arrumar, pegar a condução para ir para a escola, encontrar os amigos, ver as paisagens por onde a van passa, receber um abraço da professora ao chegar na sala… Tudo isso parou de acontecer. Para eles, é tudo muito estranho e meio assustador. É o prazer que se ausenta de suas vidas. E eles têm que, sem entender o que está acontecendo, aceitar essa perda. Dói !
Em um artigo meu, escrito há muitos anos atrás, eu dizia: “brincar é a coisa mais séria que uma criança faz”. Para uma criança, deixar de brincar é a perda do sentido da vida dela. Mas, ela vai tentar encontrar uma forma de não perder esse tesouro que a faz crescer, a brincadeira. E o que acontece? Ela vai brincar de qualquer forma, para desespero de alguns pais.
Mas, o que será que ocorre quando o aluno já ultrapassou a casa dos dez, onze, doze anos? O fato dele estar em casa, em quarentena, não retira dele sua adolescência e tudo aquilo que a caracteriza. Por exemplo, se há uma coisa que não tem nada a ver com o comportamento típico de um adolescente é a quietude. Neles, a inquietação parece ser a companheira mais presente em suas atividades. São irrequietos, barulhentos, cheios de energia, de razão…
Alguns até não se mostram muito agitados. A turbulência deles é mais voltada pra dentro. A guerra que enfrentam é mais concentrada em seus pensamentos do que em suas ações.
Nesse período de suas vidas podemos observar uma busca incessante de algo que parece estar bem a diante deles, mas esse algo não lhe é muito visível. Daí a busca ser meio atabalhoada, sem um rumo preciso…
Não podemos esquecer de algumas característica típicas da adolescência, tais como :
1-transformações físicas, crescimento físico rápido; 2- a importância ao grupo social ao qual pertence, 3- crítica dos valores aos quais esteve submetido até então; 4- desenvolvimento e transformações na sexualidade e 5- capacidade de raciocinar em nível abstrato.
Essas característica vividas por um adolescente, geram neles uma forma típica de vida cheia de turbulência e de energia tumultuada, de busca por quietude sem conseguir saber exatamente onde irá encontrá-la. Oscilam entre a extrema fortaleza e a extrema fragilidade e desespero que pode ganhar a forma de desencanto por tudo, principalmente por não se sentir entendido pelas pessoas adultas, ou por aquelas do seu grupo de colegas.
Quase sempre recebem apoio de seus pares, o que aumenta a importância do contato com seus amigos da mesma faixa etária.
Sabe-se que, embora usem os seus celulares para contatar as pessoas de seu grupo, tais encontros virtuais são insuficientes para se sentirem, de fato, “acompanhados”.
Os relacionamentos presenciais são bastante significativos para eles e talvez isso justifique o fato da quarentena se mostrar muito desconfortável para muitos.
Este adolescente de nossos dias, a geração Y , vive uma experiência sui generis: estar entre duas gerações bem definidas a Z e a X.
A geração Z é a das crianças pequenas que dominam seus celulares e “aipedes” com uma destreza de fazer inveja a qualquer um que estiver ao seu redor, vendo seus pequenos dedinho voarem sobre o teclado de seus minicomputadores.
A geração X é a dos professores mais jovens que ainda estão na casa dos vinte ou trinta e poucos anos. Esse lidam bem com a mídia digital, mas não tão agilmente quanto seus sobrinho, filhos ou alunos.
Há estudos que demonstram que as gerações de nossos dias duram aproximadamente 10 anos. Isso nos ajudaria a compreender a distância que se nota entre crianças bem pequenas e aquelas que estão com cerca de dez anos a mais do que elas.
Acontece que muitos profissionais da Educação são enquadráveis em uma geração que começou a viver bem antes das gerações X, Y e Z. Esses professores não viveram essa forma de contato com o mundo, com as ideias, com as pessoas, com as coisa… Portanto, para esse grupo de educadores, um grande número ainda em salas de aula, ter que acompanhar essas pessoas das gerações que vieram depois da sua, é um ENORME desafio.
Este desafio não tem nada a ver com capacidade intelectual. Não! Tem a ver mais com forma do que com conteúdo, ou seja, com o desenvolvimento no modo como eles aprenderam a pensar os problemas e como solucioná-los. Isso mudou ao longo das gerações. Por isso, provavelmente fique mais complicado, para o professor ensinar quando ele não pode estar ao lado , físico, de seu aluno, Para o professor um relacionamento no qual ele consiga perceber, com mais clareza, os mecanismos de raciocínio e formas de ação de seus alunos, dá a ele melhores condições para ensinar.
Há muitos anos atrás, os instrumentos usados pelos professores eram os cadernos, os livros, o giz e a lousa e a fala.
Esse material era suficiente para que ele, através de seu modo pedagógico de ser, pudesse ensinar tudo aquilo que seria importante para o aluno aprender. Esse processo ensinar/ aprender acontecia uma parte em sala de aula e outra fora da escola. Se quisermos comparar o modo de estudar e aprender de um aluno que frequentou o fundamental em 1970, com um que frequente hoje uma série neste mesmo nível, não teremos como fazê-lo facilmente. Isso é mais verdadeiro se estivermos fazendo tal comparação entre aqueles que estudam em uma escola cujas populações sejam de classes sociais bem distintas. Nas escolas frequentadas pelas classes A e B de nossa sociedade, livros, cadernos, são coisas ultrapassadas.
Tudo bem, mas e daí? Qual o problema?
Se consideramos que a relação presencial professor-aluno é fundamental para uma boa evolução da aprendizagem de um aluno, o que poderá estar ocorrendo nos nossos dias, quando o professor está distante fisicamente de seu aluno? Como o professor está conseguindo adequar seu modo de ensinar nos tempos de quarentena?
Para os alunos, seria muito fácil receber suas aulas via internet. Principalmente se o desafio, tal como ocorre em muitos jogos que eles adoram, fosse mantido e estimulado. Parece fácil, não é? Não! Não é , para o professor. Isso porque exige dele uma quebra de paradigmas que estão profundamente enraizados nele, no que diz respeito ao como ensinar e o que significa ensinar uma pessoa para viver nos anos 2030 e seguintes.
O modo de raciocinar de nossas crianças e jovens é peculiar e decorre de todo um treino que tiveram, e ainda têm, de solucionar os problemas que lhes são postos para resolver. Urge que compreendamos como eles pensam, o que os motiva, como é o mundo deles… Resumindo, cada vez mais se inverte a equação: o aluno é o professor de seu professor.
Lembro-me de ter dito em uma reunião com professores, no início deste ano, que precisávamos ser humildes. Disse também que esse gesto de humildade não significava rebaixamento, desvalorização de si, pelo contrário, representaria o reconhecimento do quanto nós, adultos de hoje, não sabemos nada, ou quase nada, a ser, concretamente, digno de ser ensinado. E seguindo uma proposta antiga, mas ainda bem atual, a função do professor, cada vez mais, é ajudar o aluno a aprender a aprender. Nossa experiência de adulto poderia ser colocada à disposição de cada aluno para ajudá-lo nessa aprendizagem, pensando com ele, buscando com ele…
O COM ele, deverá substituir o antigo POR ele.
A pandemia também tem trazido algumas dificuldades para as famílias dos alunos pequenos e também dos adolescentes. Como conter tanta energia, tanta vivacidade, tantas certezas, dentro de casa, com os pais que não conseguem entender as reais necessidades de seus filhos adolescentes. Se antes a convivência já se tornava complicada, pelo embate de ideias com seus pais, pela necessidade de discordar para se afirmar como pessoa que tem seu modo próprio de pensar… ,agora, juntos, dentro de casa, muitas vezes em espaços reduzidos, como manter o equilíbrio e a tranquilidade no lar?
As mudanças corporais, as capacidades de raciocínio aumentada, a necessidade de ter seu espaço íntimo… Explosão de emoções na busca de construir uma identidade. Não podem pensar igual ao aos pais. Precisam ser eles, como eles são. Eles se perguntam: qual a minha identidade real? É uma experiência muito difícil e desafiante para o adolescente. Eles ficam muito ríspidos, às vezes, porque estão em constante desafio. Eles desafiam o mundo e as pessoas. Consideram-se imortais, pois, mesmo sabendo que a morte é real, precisam desafiá-la. Precisam enfrentar desafios fortes e , para isso precisam ser forte. Eles tem que colocar o mundo à prova, para conhecer seus próprios limites e verdades.
Gostei de uma expressão usada por uma amiga: NATIVOS DIGITAIS. Gostei dessa nomenclatura. Diz bem o que é esse grupo de alunos nossos que nasceram mergulhados nesse mundo tecnológico, digital. Esses alunos apresentam características bem distintas daqueles de gerações anteriores. A forma de raciocinar, de lidar com o mundo é muito diferente, se comparada com a forma de pensar dos adultos de nossos dias. Daí a necessidade de nós, adultos, aprendermos a lidar com eles.
Não podemos esquecer que o celular funciona, para esse grupo, como um modo mais usado de contato, de relacionamento. Todavia esse contato virtual não consegue substituir sua necessidade de contato real, da presença do outro, do grupo de amigos, de carne e osso.
Quando, linhas acima, falei sobre humildade, sobre necessidade do professor tentar aprender com seus alunos, etc., talvez estivesse pensando que seria bem possível fazer um trabalho pela Internet, para os alunos, se nós pudessem ouvi-los mais e lhes pedir ajuda sobre como fazer as aulas, que tipo de material, de estímulos poderia atingir mais às necessidade daqueles que estão em casa em quarentena. Talvez alguns de nossos alunos consigam nos ajudar a sair mais criativamente dessa situação que veio trazida pela pandemia. Poderia ser um projeto interessante. Não sei se daria certo, mas valeria tentar.
Nas escolas , eles poderão nos ensinar como poderemos ensiná-los. Por que o professor tem que resolver como fazer suas aulas acontecerem? Os alunos, os pequenos e os maiores, poderiam ajudar bastante nessa mudança. Eles deveriam estar engajados nessa atividade, sempre, não só na época da pandemia, assim, mudaríamos o antigo paradigma que prega que o lugar do professor é a frente dos alunos. Teríamos a oportunidade de colocar o professor ao lado do aluno, ambos comprometidos com o processo ensino-aprendizagem.
Concluindo: A pandemia gerou em nós a necessidade de novas adaptações no que se refere ao processo ensino -aprendizagem.
As gerações digitais não são motivadas do mesmo modo como as anteriores costumavam ser.
Isso coloca os professores em constantes desafios para encontrarem novas formas de motivação para seus alunos.
Os alunos atuais tem formas de pensamento e raciocínio que decorrem de suas vivência com a tecnologia, desde quando ainda eram muito pequenos.
Nem sempre os professores conseguem compreender e aplicar esses mesmos modos de processar os fatos.
Sugere-se que , cada vez mais , os professores se proponham a ver em seus alunos seus auxiliares, para que possam, mais e mais, atingirem o universo mental de seus pupilos.
Na preparação de aulas virtuais, a colaboração de alguns alunos poderá ser fundamental.
O professor, hoje, precisa ser muito humilde para admitir que sua grandeza se mostra quando se permite não ter que ser mais do que seu aluno e aceitar que ambos estão em pleno processo de aprendizagem e de ajuda mútua. ////////////////////////////