ESTUDOS – HUMANISMOS E ANTI-HUMANISMOS

HUMANISMOS E ANTI-HUMANISMOS

 

Anotações sobre o livro de mesmo título, de Pedro Dalle Nogare,

13a edição – Rio de Janeiro, Ed.Vozes,1977

 

 

Na introdução desse livro, há alguns pontos que considero importantes a serem destacados.

Vejamos:

 

SENTIDOS DA PALAVRA HUMANISMO

Há três sentidos fundamentais da palavra (humanismo), relacionados entre si:

1-Humanismo histórico-literário (séc XIII até o séc XVIII)

Características: estudo dos grandes autores da cultura clássica, grega e romana. Deles, tenta imitar as formas literárias e assimilar os valores humanos.

2- Humanismo de caráter especulativo-filosófico

a-     No sentido lato, refere-se a qualquer conjunto de doutrinas referentes à origem, à

       natureza,  ao destino do homem.

 

b-     No sentido estrito, é qualquer doutrina que, em seu conjunto, dignifica o homem (aqui

é que os humanismos divergem e proliferam numa gama de graduação, que é difícil determinar). Por exemplo:

 

Humanismo antigo, grego e romano exaltava do homem, sobretudo, os valores da

   beleza,da força, da harmonia, da virtude, do heroísmo, do gênio, etc.

 

Humanismo cristão – realça, sobretudo, o valor do homem como pessoa, como princípio

  autônomo e individual de consciência e responsabilidade, aberto à plenitude do ser e,

  ultimamente, orientado para Deus.

Humanismo moderno (de Descartes, Kante e  Hegel) – faz da subjetividade do homem o

   ponto de partida, o centro de perspectiva e construção de toda a realidade.

 

Humanismos contemporâneos – cada qual com sua concepção e suas reivindicações para o

    homem.

Mas, o que parece haver em comum entre todas essas perspectivas, o que as poderia unir dentro de um mesmo conceito de Humanismo? Segundo Sartre, é humanista, filosoficamente, toda doutrina que atribui ao homem algo de característico, de específico em relação aos outros seres do universo.

A partir desse conceito proposto por Sartre, é possível criar-se um critério discriminativo entre doutrinas humanistas e anti-humanistas.

3- Humanismo de caráter ético-sociológico

Característica: visa tornar-se realidade, costume e convivência social. Aqui, também é difícil encontrar um ponto de partida comum. A perspectiva mais geralmente aceita e mais realista considera humanista aquela doutrina que atribui ao homem e à sua realização na sociedade e na história o valor de fim, de forma tal que tudo esteja subordinado ao homem, considerado individual e socialmente, e que o homem nunca seja considerado como meio ou instrumento para algo fora de si.

HOMEM E PESSOA

O homem é sempre fim, nunca meio. O homem, a pessoa, representa um valor, isto é, um ser agradável, amável em si mesmo e por si mesmo.

Max Scheler faz uma distinção entre fim e valor, pois, segundo ele, esses dois conceitos não coincidem já que nem todo valor é fim. Todavia, podemos afirmar que todo o fim é valor, ou seja, tudo aquilo que é querido como fim é valor, embora o valor não consista só no fato de ser querido, mas compreende também algo de objetivo, que é o fundamento e a razão de sua desejabilidade e amabilidade por parte do outro.

Podemos, assim, distinguir no valor dois aspectos:

a- aspecto subjetivo: o valor sempre se refere ou pode referir-se a um sujeito como algo desejável e amável;

b- aspecto objetivo: refere-se à propriedade ou à qualidade do objeto, que faz com que ele se torne desejável ou amável para outro sujeito.

O homem é fim, como dissemos: portanto, é valor.

Mas o fato de ser fim, e não instrumento, coloca o homem não só como valor,mas como valor absoluto.

O meio e o instrumento também podem apresentar a razão de desejabilidade e amabilidade: o dinheiro (cobiçado por quase todos os homens) é, de fato, um valor, mas esse valor é relativo, pois ele não é normalmente cobiçado por si, mas como um meio, como um instrumento para a aquisição de outros valores: comodidade, prazeres, honras.

Ao contrário disso, o homem nunca pode ser considerado como meio para outro fim. Ele é um valor absoluto, o que não significa que seja o valor último ou o Absoluto.

PESSOA E AMOR

Saindo da teoria, do abstrato, na vida concreta, o homem vive na família, na sociedade, em contato frequente com os outros. Quando ou como é que o homem, em sua vida cotidiana e real, pode considerar-se reconhecido ou tratado como fim, como valor absoluto?

Para responder a essa indagação, é importante que se entenda o seguinte:

Não basta termos cumprido nosso dever para com o próximo, não o lesar ou não o desrespeitar, para, com isso, o reconhecer como fim e valor absoluto. Embora agir assim seja desejável, isto não é suficiente.

“O valor, além de não lesado, deve ser afirmado. É esta uma exigência sua, em virtude do aspecto subjetivo e relacional, que, acima, esclarecemos. Ora, quando e como, na convivência social, o valor absoluto do homem é reconhecido e realizado em sua plenitude? Parece que seja somente pelo amor. O amor autêntico, verdadeiro e desinteressado parece a única forma de relacionamento em que a prerrogativa de o homem ser fim e não meio é reconhecida e realizada.”

O amor é tudo, salvo a absorção ou instrumentalização do amado pelo amante. No amor, o EU dirige-se ao TU, querendo este TU em sua identidade, singularidade e profundidade. O Amor, bem longe de diminuir ou abafar a personalidade do TU, a revela, a destaca, a potencia e a faz vibrar como em nenhuma outra experiência. É o amor, em certo sentido, que cria a pessoa, isto é, que a desperta para seu valor e a dinamiza para sua realização.

Isto vale, antes de tudo, para quem ama. O homem, pelas suas faculdades espirituais, é essencialmente abertura, comunicação, dom de si. É, portanto, só amando que ele se realiza como homem e é homem na medida em que ama.

Vale, sobretudo, para quem é amado.  Se é verdade que a pessoa tem sempre consciência de si como valor, só quando se sente amada de amor pessoal é que toma conhecimento experimental do seu valor, porque só então sente ser, valer algo para alguém…

AMOR E LIBERDADE

O amor, de que estamos falando, não é pura complacência, fruição, gozo. Ele é tensão, criação, realização. O amor verdadeiro se dirige ao outro, ao mesmo tempo como ele é e como deveria ser. O amor quer a pessoa amada sempre mais bela, mais bondosa, mais dotada, mais feliz: numa palavra, a mais realizada possível.

Portanto, se querer o outro como fim é amá-lo, querer o outro como fim é querer a sua máxima realização. Realização plena de suas faculdades, de suas potencialidades, de suas aspirações. Realização plena, sobretudo de sua liberdade, que é a característica e, num certo sentido, o constituinte da pessoa.

Para que fique mais claro, talvez seja importante que se entenda melhor o sentido da palavra liberdade.

Vamos distinguir, antes de mais nada, o que chamaremos de liberdade biológica, que mais convenientemente se chamaria de espontaneidade, e que é própria de todos os seres vivos. Consiste no fato de o ser vivo determinar-se por si próprio às suas ações, sem necessidade de impulsos externos.

Há a liberdade psicológica  ou a liberdade de escolha, de opção. O poder de autodeterminar-se  entre duas ou mais alternativas. Ela é o grande problema dos filósofos e psicólogos e, na medida em que é provada, distingue-se claramente da liberdade biológica.

O animal é espontâneo em seus movimentos instintivos, mas não tem poder de controlá-los, porque não tem poder de escolha: sentindo fome, não deixará de lançar-se sobre a comida que lhe é oferecida. O homem, pelo contrário, é movido pelos instintos, mas não necessariamente: ele pode dominá-los pela liberdade. É por esta liberdade que a pessoa tem o grande e terrível privilégio, negado a todos os outros seres: o de criar-se, decidir de sua existência e de seu valor, determinar seu destino terreno e eterno.

Mas este grande e magnífico poder, que é a liberdade psicológica, torna-se ilusório e fictício e causa frustrações humilhantes, se o homem não tem condições de aproveitá-lo e concretizá-lo nos fatos.

Que importa ao prisioneiro saber que é livre psicologicamente e que pode escolher com sua vontade entre mil alternativas, se lhe é vetado sair da prisão e fazer o que realmente quer? Que adianta ao pobre imaginar escolher seu trabalho, seu salário, seus divertimentos, se não tem possibilidade de conseguir o emprego desejado, se se deve conformar ao salário  de fome que recebe, se lhe falta dinheiro para procurar um divertimento?

É esta liberdade, que nós chamaríamos de liberdade real, o problema número um de nossa civilização. A liberdade psicológica, de forma mais ou menos perfeita, sempre foi prerrogativa e característica do homem. A liberdade real, a nosso modo de ver, ainda não se realizou plenamente entre os homens. Não basta afirmar que o homem é livre. É preciso torná-lo livre. É inútil proclamar o homem como fim, se, de fato, é constantemente instrumentalizado.

Concluindo: uma doutrina pode ser qualificada de humanista só na medida em que, reconhecendo o homem como um ser de longe superior a todos os outros seres, nele vê o objetivo e a meta de todas as atividades e de todas as instituições, no sentido de possibilitar-lhe a realização mais plena e perfeita possível de sua humanidade e personalidade, isto é, de sua liberdade. Tal liberdade não será possível – a nosso modo de ver – a não ser numa convivência social que se fundamente no amor.