PSICOTERAPIA-Plantão Psicológico em um Hospital Geral

 

PLANTÃO PSICOLÓGICO EM UM HOSPITAL GERAL

ALGUMAS IDEIAS, SUGESTÕES…

José Luiz Belas -1999

Revisão  ortográfica – junho de 2009

 

INTRODUÇÃO

 

A Psicologia Clínica herdou da Medicina alguns conceitos que, no meu modo de ver, têm-se mostrado, até hoje, “complicadores” para a compreensão mais clara do trabalho do psicólogo, em instituições de saúde ou em seus consultórios particulares. 

Um desses conceitos é o de “tratamento”.

Neste documento, gostaria de refletir um pouco sobre esta questão, o conceito de tratamento, pois creio que isso nos possa ajudar a entender um tanto mais o “lugar” e as características deste tipo de ajuda psicológica.

Finalmente, tentarei mostrar a importância da presença do profissional da Psicologia numa Equipe Multiprofissional, que atue no Plantão de um Hospital Geral ou numa Clínica Especializada de Saúde.

 

        

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MEDICINA, PSICOLOGIA, CIÊNCIA, TRATAMENTO…

 

Primeiramente, levanto uma questão sobre como, na tradição médica, o conceito de “tratamento” é utilizado: a pessoa que apresenta algum tipo de “doença” precisa de um “tratamento”. 

Em segundo lugar, questiono como, na clínica psicológica, se utiliza esse mesmo conceito. 

Os atendimentos que ocorrem com certa regularidade, dados às pessoas que procuram o profissional da psicologia, são, com elevada frequência, e até também por “tradição”, chamados igualmente de tratamento. Entretanto, sendo um pouco mais rigoroso na aplicação deste conceito e, comparando o sentido que comumente damos a ele, na Medicina e na Psicologia, podemos observar que, na clínica médica, tratar é uma ação que se realiza com o objetivo de eliminar uma “doença”, uma “desorganização”, um “desequilíbrio”… Tal ação pressupõe que o médico, ou o terapeuta, esteja diante de alguém que carrega consigo aspectos essencialmente negativos e nocivos para a si.  Pressupõe, também, que cabe a ele, como profissional, atuar sobre o paciente, já que conhece os princípios que regem tal “doença”. Cabe ao paciente agir em conformidade com as instruções que lhe serão dadas, pois, só assim, conseguirá libertar-se daquele problema, daquela enfermidade.

Verificamos que, quando uma pessoa se encontra “doente”, aquele que se propõe a ajudá-la, num enfoque médico, tende a se deter, basicamente, na “disfunção a ser corrigida”, o que o coloca na condição de um técnico, que conhece a estrutura e a organização daquele organismo “doente”. 

Essa postura, como já falei nas linhas iniciais, sugere-nos a herança dos fundamentos filosóficos “das ciências naturais”, mecanicistas, onde só é reconhecida como séria e confiável a ciência que se baseia no controle dos fenômenos que ela estuda. Portanto, naquele modo de definir conhecimento científico, é fundamental que o cientista conheça, com precisão, a relação direta entre causa e efeito dos fenômenos com os quais lida.

A influência dessa herança, em todos nós, “terapeutas”, acaba por nos colocar numa situação muito delicada de questionamentos sobre a cientificidade e a seriedade do nosso trabalho: para sermos levados a sério, para que possamos ser reconhecidos como profissionais confiáveis, temos que seguir algumas regrinhas.  Entre elas, ter meios de “controlar” a realidade sobre a qual estamos atuando.  Afinal de contas, “o que o cientista faz é, na base, exatamente isso”. Assim era, e para muitos ainda é, o que se considerava ciência.

No caso do profissional médico, “cientista” que “trata” do seu paciente, espera-se que ele saiba, exatamente o que atinge aquela pessoa e que aja, concretamente, sobre dados bem objetivos: exames, números, músculos, vasos…

No caso do profissional da psicologia “cientista”, que “trata” do seu paciente, as coisas se passam de forma bem diferente. Ainda que saibamos que as “disfunções” psíquicas ocorrem num organismo físico, concreto, sabemos também que elas se dão numa dimensão fenomenológica de outra natureza e, talvez por isso, a tentativa de explicação de um fenômeno psicológico, de controlá-lo, através de princípios e conceitos científicos tradicionais, se torne, no mínimo, desconcertante.

Talvez, também por isso, quando falamos em um atendimento psicológico breve, em plantão, em acolhimento do cliente, etc., a impressão que fica, para muita gente, é de que tais ações são superficiais, não científicas, ineficientes, um “não tratamento”, no qual não vale a pena investir.

Certamente, hoje, não temos dúvidas sobre a necessidade de mudança dos paradigmas nas construções científicas. No momento, pode-se falar de ciência, partindo não mais da física newtoniana, mas da física quântica. Todavia, o pensamento tradicional das ciências físicas ainda ocupa um espaço muito significativo no modo de pensar de um grande número de profissionais, mesmo daqueles que se dedicam a “tratar dos seres humanos”.

Pensemos mais um pouco como, na clínica médica e na psicológica, se enfoca o “tratamento”. 

Creio que, definitivamente, o sentido que é comumente dado a tal palavra na Medicina não se presta muito para designar o que o psicólogo realiza ao atender seus pacientes. Em muitas ocasiões, a ação do psicólogo é efetivamente terapêutica, tal como se diz na prática médica. Mas, em muitas outras, o que ele realiza está bastante longe desse tipo de intervenção. Quero dizer com isto que, dependendo da necessidade, e da busca do cliente, o que ocorre nos atendimentos clínicos é altamente variável. Oscila, numa escala de complexidade que vai desde o desejo de esclarecimento de uma dúvida sobre uma questão teórica simples em psicologia, até o de se livrar de um sentimento de desespero, de angústia, que  o leva à beira da loucura ou do autoextermínio.

Nas terapias psicológicas, os sintomas físicos recebem uma ponderação diferente da que lhes é dada na clínica médica. Eles se juntam aos psíquicos como num caleidoscópio.  Nessa mistura, nasce a complexidade da compreensão e do diagnóstico, em comparação com aqueles encontrados na clínica médica. 

No enfoque médico, os sintomas físicos são, certamente, os mais relevantes, e o diagnóstico passa a ser a meta principal, já que ele é que determina o prognóstico e, consequentemente, a possibilidade de controle – ou não – da doença. O diagnóstico correto é o que permite ao médico atuar “cientificamente” e ser respeitado em sua atuação profissional. 

O tratamento, a ajuda eficaz de um profissional da medicina, repousa no conhecimento profundo sobre os sintomas e o significado deles. Com isso em mãos, o médico poderá chegar a um diagnóstico preciso e saber como agir para  eliminar os sintomas e restabelecer a saúde…

Embora muitos médicos já não desvalorizem os dados subjetivos de seus pacientes e considerem que saúde é algo que vai além do bom funcionamento corporal, nas suas práticas clínicas, com frequência, colocam esses dados em segundo plano. A objetividade é a base do diagnóstico e do tratamento médico, inclusive na clínica psiquiátrica, que é a prática “psi” mais “contaminada” pelo modelo médico, provavelmente em decorrência da própria formação de seus profissionais. 

Na clínica psicológica, os pacientes têm outras demandas. Há aqueles que buscam ajuda por não suportarem mais, sozinhos, a pressão interna à qual estão submetidos. Outros a procuram, levados por motivos diferentes. Ainda que a variedade de motivos que leva uma pessoa a procurar ajuda seja grande, quase sempre atendemos aquelas que estão vivenciando um estado de “desconforto interno”, que se manifesta numa escala de graus que varia desde os de mínima intensidade até os de máxima intensidade.

Dizendo tudo isto de outra forma, não há como se medir o grau de importância, de complexidade ou de profundidade de um atendimento psicológico, já que não há como dimensionar os sintomas em graus de intensidade, nem de qualidade… Sua importância, sua complexidade e sua profundidade são dadas pelo paciente, pelo julgamento que ele próprio faz do “seu problema”, e não por aquele que nós fazemos. Não há um R-X psicológico, um exame de sangue, uma contagem de plaquetas, umas fraturas ósseas…

Os sintomas, as queixas e as dores, tudo isso se dá numa outra dimensão, a fenomenológica. Por este motivo, quando atendemos uma pessoa, não podemos julgar se ela precisa, ou não, de ajuda, se seu problema é sério ou tolo, se o que vamos fazer com ela é um “tratamento” ou não. Isso não importa. 

Na clínica psicológica, não há problemas maiores ou menores, sérios ou tolos. Há somente “pessoas com problemas”, vivendo situações que, por algum motivo, as impedem de realizar seu potencial como ser humano.

 

SER “HUMANO” HOJE

 

O ser humano de nossos dias vem vivendo uma realidade que, progressivamente, lhe causa um estado de tensão, de desgaste de seu organismo como um todo.  Os estados de depressão, de pânico, de angústia, de insegurança e tantos outros sentimentos, produzidos, em grande parte, pelo modo de vida de nossas cidades e grupos sociais, mostram-se a cada dia mais intensos e frequentes.

Nesse contexto, surge um “novo cliente”. Ele é caracterizado por experimentar um sentimento novo, de nossa época, a urgência.  Ele tem pressa.  Ele precisa de ajuda, mas não tem tempo a perder. Ele sofre, se angustia, se sente deprimido, ansioso, em pânico…

Ele tem “urgência” de atendimento.  Ali, naquele momento, já!             

Creio que, nesse instante, reaparece, na clínica psicológica, a instituição Plantão, como uma saída, como uma necessidade, como uma alternativa para os  atendimentos agendados, que, quase sempre, exigem a permanência do paciente em uma longa fila de espera. Essa espera, via de regra, acaba desbotando todo o colorido da situação emergente, vivida pela pessoa que precisa de ajuda. E sabemos que esse momento da “crise” é altamente importante, pois carrega em si a semente da mudança e a força da sanidade. 

O “Plantão Psicológico”, uma antiga instituição, ganha entre nós uma organização “modernizada”, em função das características do momento social que estamos vivendo. Propõe-se a ser mais dinâmico, mais abrangente.  Todavia, sua estrutura metodológica básica pouco mudou. Continua sendo um processo de atuação breve, que tem como propósito, basicamente, acolher a pessoa que nos procura, ouvi-la atentamente, tentar compreender seu estado emocional, no momento mesmo em que ele é experimentado e vivido. É uma tentativa de ajudar a pessoa a “organizar” suas questões, pensar sobre algumas alternativas novas, para que possa equacionar, de maneira mais produtiva, a situação que a inquieta. Possibilita, com isso, uma produção de soluções para o problema que a atinge.

Ao pensar nessa atividade “Psi”, que é o Plantão, ficome perguntando como ele poderá ser entendido pelas pessoas, principalmente se considerarmos as questões que foram colocadas no início deste artigo.

Se a Psicoterapia já se distancia bastante do que chamamos classicamente de tratamento, o Plantão… nem se fala. É um atendimento bem específico. Não se compara nem ao Plantão de Urgências Médicas (tipo Pronto Socorro), nem ao  Atendimento Psicológico Ambulatorial Tradicional (tipo muito mais próximo de uma  psicoterapia de tempo relativamente longo). Não é comparável também com o Acompanhamento de pacientes com comprometimentos psíquicos graves (psicoses, entre outros).

Deixarei de lado as considerações sobre diferenças entre Urgências Médicas e Urgências Psicológicas – pois acho que é fácil entender-se onde elas ocorrem – e vou tentar ater-me mais um pouquinho às diferenças básicas entre um Plantão Psicológico e um Atendimento Ambulatorial. A diferença entre esses dois Serviços situa-se, basicamente, na estruturação e nos objetivos deles.

 

 

O AMBULATÓRIO

 

1)     O Ambulatório costuma funcionar com agendamento, entrevistas de triagem, encaminhamentos para profissionais da área de tratamento ou diagnóstico.

 

2)     Os pacientes procuram o ambulatório para um tratamento por saberem      que ali encontrarão profissionais capacitados para lidar com o seu      “estado de doença”.

 

3)     Nem sempre chegam por si mesmos, mas trazidos por outras pessoas, responsáveis por elas, ou interessadas na sua melhora.

 

4)     Em instituições públicas, é comum buscar-se o atendimento ambulatorial como um modo de ratificar um “estado de doença mental”, com o propósito de vir a reivindicar direitos previstos por lei. 

 

5)     O paciente do ambulatório, de algum modo, “pode esperar”.

 

        

            Existem muitas outras razões para alguém buscar um Ambulatório, mas, para o que pretendo argumentar, as que citei acima são suficientes.

 

 

 

O PLANTÃO

 

1)     Enquanto o paciente do ambulatório, de algum modo, “pode esperar”,  o  do serviço de plantão, não pode.

O Plantão se caracteriza, na maioria das vezes, pela “urgência” ou pela motivação acentuada do paciente para ser ouvido, já.

     Márcia Tassinari (1998) escreveu um artigo sobre Plantão, em que

     cita Miguel Mahfoud(1987, p. 76) o seguinte:

 

É um tipo de intervenção psicológica, que acolhe a pessoa no exato momento de sua necessidade, ajudando-a a lidar melhor com seus recursos e limites, “na medida em que {o plantonista} se coloca disponível a acolher a experiência do cliente em determinada situação, ao invés de enfocar o seu problema (…) A expressão plantão está associada a certo tipo de serviço, exercido por profissionais que se mantêm à  disposição de quaisquer pessoas que deles necessitem, em períodos de tempo previamente determinados e ininterruptos.  

2)     Se, num Serviço de Atendimento Ambulatorial, o cliente é atendido mediante um sistema de marcação de consulta, portanto, o momento de sua vinda é predeterminado, a pessoa não é atendida “no exato momento de sua necessidade”; no Plantão, não há marcação de consultas e o atendimento, via de regra, ocorre num momento de crise ou de urgência de atendimento.

 

3)     Uma outra diferença talvez possa ser enfocada aqui. “O plantonista se coloca disponível para acolher a experiência do cliente, em lugar de enfocar o seu problema”, então, parece ficar evidenciado que, ao agir assim, a dinâmica desse atendimento e o acolhimento acontecerão muito mais intensamente, pois não existirá, nesse encontro, a preocupação de teorizar causas e efeitos do problema trazido. Plantonista e cliente viverão, naquele instante, uma relação de dois seres humanos, onde ambos buscam a compreensão dos fenômenos implicados naquele momento da vida, do ser humano, único e singular, que está ali, buscando ajuda.

 

4)     O Plantão se caracteriza, então e também, por ser um serviço que oferece um atendimento psicológico breve. É fundamentado na crença de que o ser humano, como um organismo global, é digno de confiança, capaz de se desenvolver, crescer e exercer seu potencial como pessoa. No momento em que busca a ajuda de uma outra pessoa, necessita, apenas, de alguém que crie  para ela um contexto no qual, ela própria, possa se reorganizar e pôr novamente em ação suas potencialidades.

 

5)     O plantonista é um facilitador, preferencialmente uma pessoa empática, sensível, capaz de perceber o sofrimento do outro (como se ele fosse o “o outro”), capaz de respeitar o momento do paciente, entendendo que a experiência que está sendo vivida pelo cliente trará um aprendizado e um enriquecimento para ele.

 

6)     O Plantão Psicológico é uma atividade que pode ser exercida por praticamente todos os profissionais habilitados da área “Psi”, desde que (segundo o que eu penso):

 

§          estejam motivados e em condições de criar uma relação interpessoal, na qual o paciente se possa sentir aceito como uma Pessoa  e respeitado na sua singularidade;

§         consiga estar muitíssimo atento ao discurso do paciente, sendo capaz de caminhar pelo mundo daquela pessoa, sem mudar nada do que existe nele;

§          não seja um “teórico” ou um “técnico”, que está ali para consertar alguma coisa, mas, sim, uma pessoa plenamente presente, que consiga ser verdadeiramente um “outro” para o seu paciente, ajudando-o, também, a se ver como pessoa única, singular;

            

§         finalmente, que tenha a melhor condição possível para permitir ao cliente perceber essas características, citadas acima, nessa relação.

 

 

Penso que qualquer profissional da área “Psi”, independentemente de sua formação teórica, poderá ter essas características, viver esse tipo de “filosofia do encontro interpessoal”. Se assim for, creio que ele é, potencialmente, um Plantonista.

 

 

 

        O PLANTÃO PSICOLÓGICO EM UM HOSPITAL

 

 

Por tudo que foi esclarecido neste documento, considero ser de grande importância a implantação de um Serviço de Plantão Psicológico em Hospitais e Clínicas em Geral.

A Psicologia Clínica tem uma contribuição imensamente grande a ser dada à Saúde como um todo, em suas diversas áreas de especialização. O que – equivocadamente – separa os diferentes campos do saber na Saúde são as metodologias nas quais suas pesquisas se baseiam, originando questionamento quanto à validade e à confiabilidade delas junto à comunidade científica.

É lamentável que, ainda hoje, essa questão não seja bem compreendida e aceita por muitos profissionais da Saúde.

O organismo humano, o ser humano, é um todo e, como um todo, age, sente e vive.

As dificuldades físicas, fisiológicas, psicológicas, existenciais, neurológicas, cardiológicas e mentais, não importa quão extensa possa ser essa lista de nomes, estão todas interligadas, pois ocorrem num mesmo “continente”, a pessoa humana. Por isso, quando um paciente chega ao Hospital Geral, trazendo suas angústias, seus desesperos por estar “fisicamente doente”, não podemos perder de vista que, naquele momento, provavelmente, ele também possa ser considerado uma pessoa “psicologicamente comprometida”.

Do mesmo modo que é muito mais seguro que um cirurgião faça uma cirurgia num paciente com uma crise de apêndice, é muito mais aconselhável que o psicólogo atenda o paciente com uma crise psicológica.

Um bom serviço de Plantão, em qualquer hospital com um bom nível de atendimento, deveria contar com a presença de uma equipe multidisciplinar e, sem dúvida, nela não deveria faltar a presença de um profissional da Psicologia, com  bom treinamento e boa formação teórica na atividade de Plantonista Psicológico.

Não basta ser Psicólogo para pertencer a uma equipe de plantão de um Hospital. É necessário uma sólida formação clínica, uma vivência consistente nessa área, e ser possuidor dos requisitos que foram citados acima, neste documento, e que caracterizam as pessoas que se dedicam a essa atividade.