CRÔNICAS E CASOS -Theodoro, o baloeiro

THEODORO, O BALOEIRO

Lembranças da adolescência-02

J. L. Belas – 2006

 

 

Theodoro era o nome de batismo dele. Alguns o conheciam como Dorico. Sobre ele, tenho algumas histórias, mas começarei por esta – Theodoro, o baloeiro.

Dorico não tinha mais de 1,50m de altura. Seu peso não passava dos 45kg. Sua cabeça era povoada por imagens fantásticas, que ganhavam concretude através das suas “invenções”. Se você dissesse para ele que gostaria de ter uma máquina que fizesse pastéis, ele pensava, pensava e, dias depois, aparecia diante de você com uma geringonça meio esquisita, mas que, certamente, “fazia pastéis”. 

Seu Theodoro, como eu costumava chamá-lo, era um homem profundamente criativo, com pouquíssima cultura, mas muitíssimo inteligente. Sua habilidade para construir coisas e   seu raciocínio mecânico e espacial deixariam qualquer psicólogo surpreso, se lhe aplicasse um desses testes que se propõem a medir tais coisas. Ele era um gênio e, ao mesmo tempo, uma pedra bruta. Foi com ele que aprendi a fazer balões para as festas de São Pedro, que aconteciam na minha rua, quando eu ainda era muito jovem.

Já em julho, ou agosto, começávamos a preparar o material para os balões que seriam lançados ao ar em junho do ano seguinte.

Naquele tempo, 1955, mais ou menos, esse negócio de proibição de balões não existia, e nossas consciências ficavam em paz, mesmo depois de lançarmos para o espaço aqueles gigantes incandescentes, feitos com 200, ou mais, folhas de “papel manilha”.

Os recortes das folhas eram calculados por Theodoro e ele mesmo sugeria a quantidade de barbante e cola que deveríamos comprar para a construção do nosso gigante luminoso. Sugeria o tamanho da boca de bambu e da de vergalhão, esta última seria colocada no final da operação “soltar o balão”.

Para quem não entende disso, explico: as folhas eram cortadas e coladas e, nas emendas delas, se colocava barbante para que o peso da bucha, das lanternas, da descarga que ficava pendurada na boca do balão e a pressão do ar quente não rompessem o papel. Era uma verdadeira obra de arte e de engenharia. Na hora de soltar o balão, o trabalho de equipe era fundamental: um ajudante segurava o balão içado por uma corda presa a uma carretilha, colocada na ponta de um imenso bambu, ou caibro; os outros tratavam de encher o balão com uma tocha; os demais da equipe começavam a acender e colocar as lanterninhas, que ficavam penduradas nas laterais do balão; finalmente, um outro preparava a descarga a ser amarrada num fio preso à boca do balão. Depois disso tudo pronto, a bucha verdadeira era colocada no balão e acesa.  Essa era a hora de maior emoção, pois, uma vez acesa, não havia mais retorno. Ou o balão subiria, e com eles os foguetes e os morteiros, acompanhados pelos nossos gritos de alegria e palmas, ou, caso saísse algo errado, a frustração e a tristeza tomariam conta de cada um de nós, “baloeiros do Theodoro”.

Somente uma vez aconteceu uma grande decepção: na hora de o balão subir, um vento traiçoeiro surgiu. Uma das lanternas pegou fogo e encostou num dos gomos da nossa obra de arte. Toda ela ficou em chamas antes de alcançar os céus. Choramos…

Ao todo, soltamos mais de 10 balões durante alguns anos. Muita gente vinha ver nosso trabalho. O mestre Theodoro, durante todo esse tempo, foi o idealizador e  o concretizador desses nossos sonhos de jovens: voar, ir além dos limites, acreditar que grandes obras se constroem com perseverança, luta, cooperação e amor.