Terapia de Casais

Desencontros nas relações entre pessoas, incluindo, neles, os casamentos

José Luiz Belas
MARÇO 2005
(Continuação do texto Terapia de Casais – Quando a ajuda psicológica se torna necessária.)
Uma pessoa, há poucos dias atrás, me escreveu perguntando:
Quando, em que fases do casamento, ocorrem as crises, e como superá-las?
Quais dicas poderiam ser dadas às mulheres para que elas possam superar essas
crises, e viver felizes com seus maridos?

Minha resposta:

Primeiramente, considero que essa estória de crise dos 2, 3, 5 anos, etc. é uma grande ficção. Essas “idades do casamento” não têm nada mais a ver, pois a instituição casamento, hoje, tem características muito diferentes daquelas de 10, 20, ou mais anos atrás. As formas atuais de união são muito diversificadas e as pessoas, hoje, possuem uma percepção da vida e do mundo  muito mais complexa.

Segundo, a superação das crises do casamento depende do casal e não somente de um dos cônjuges. Por isso, quando você diz: “para que elas (as mulheres) possam superar essas crises, e viver felizes com seus maridos”, não creio que essa proposta seja a mais justa e a melhor solução. Para mim, a verdadeira superação da crise conjugal só é viável com a participação atuante dos dois: marido e mulher.

Se assim não for, se o problema ficar apenas nas mãos da mulher (ou só do homem), o que pode acontecer é uma falsa solução. Ele, ou ela, contornará a situação, abrindo mão de direitos seus, mas carregará, dentro de si, uma frustração que acabará por lançar, na vida familiar, algum tipo de desconforto e “algumas gotas de vinagre”, que azedarão, com o tempo, o relacionamento do casal e da família como um todo.

Terceiro, mais do que regras simples para detectar e consertar o que não está funcionando bem numa vida a dois, talvez seja interessante que cada um (casado/a ou não, jovem, adulto/a ou já na terceira idade) possa entender o que provoca desencontros nas relações entre pessoas, incluindo aqui os casamentos.

Há mais de três décadas de trabalho em consultório, atendendo a todo tipo de cliente, tenho aprendido, com os casais que me procuram para terapia, que um dos fatores mais influentes no surgimento de desajustes na vida conjugal é o despreparo de cada cônjuge para lidar com a DIFERENÇA que existe entre eles. As consequências do óbvio fato de que eles são duas pessoas, portanto diferentes uma da outra, no dia a dia da vida a dois, são indiscutivelmente trágicas. Talvez por ela (a diferença) ser uma fato tão óbvio, não lhe damos o valor e a importância que merece.

Quando uma pessoa escolhe uma outra para namorar, ficar, noivar, casar, quase sempre surge um sentimento de estar-se aproximando de alguém que a atrai pelas “semelhanças”. Geralmente elas gostam do mesmo tipo de filme, torcem por um mesmo time de futebol, apreciam frequentar lugares semelhantes, etc. Eles, em outras palavras, parecem falar a “mesma linguagem”. A aproximação, portanto, ocorre pelas afinidades que há entre eles.

Expressões muito conhecidas por nós, como por exemplo: “Almas Gêmeas”, “Cara-Metade”, “O Outro Lado da Maçã”, em princípio, sugerem que a busca é para encontrar, no outro, a semelhança e o complemento. A idealização do completo, do perfeito, do equilíbrio, do ajustamento e da felicidade.

Entretanto, não há uma maçã com dois lados iguais, nem laranjas assim, nem rostos simétricos (por mais que possam parecer assim). O que existe, na realidade, são diferenças que se podem integrar, OU NÃO, num todo harmonioso.

Com o passar do tempo, a convivência vai mostrando a diferença natural que há entre pessoas em um relacionamento.

Há um ditado antigo que diz: “Para se conhecer uma pessoa é preciso que se coma, com ela, um saco de sal”. Esse saco de sal, a que se refere esse ditado, pesa 50kg e, como se pode entender, vai ser preciso uma vida inteira para se dar conta de uma quantidade de sal como essa.

Também, com o passar do tempo de convivência, novos comportamentos, novos valores, novas atitudes começam a ser mostrados. Alguns são “agradáveis surpresas”, outros, “terríveis decepções”. Alguns dizem que o outro é ainda melhor do que se imaginava que fosse. Outros, porém, dizem exatamente o contrário.
Interessante é que isso ocorre tanto com “ele”, como com “ela”. E mais interessante ainda é que parece que cada um deles só está receptivo para as “surpresas agradáveis”, descobertas novas que são bem-vindas. As outras são rejeitadas, indesejadas, negativas…

Ora, na vida real, as coisas não são bem assim. É compreensível que eu goste mais das coisas boas do que daquelas que me atrapalham, prejudicam, incomodam. Mas o que há de errado se ele quer ver o futebol à tarde, no domingo? Mas o que há de errado de ela querer sair, todos os domingos á tarde, para ir à casa de seus pais (onde ninguém gosta de TV e todos abominam futebol)?

Em princípio, isoladamente, vendo cada um dos cônjuges e suas aspirações para a tarde de domingo, ambos têm o direito de querer fazer o que dizem. Entretanto, para ele, esse querer que ela expressa pode ser uma bela bobagem e, para ela, ver futebol numa tarde de domingo pode ser uma perda de tempo tola e medíocre. Quem está certo? Quem está errado?

É claro que o problema não passa por aí. Não há como se julgar esse comportamento dos dois. Por outro lado, mesmo não havendo uma proposta “certa ou errada” no que eles desejam, isso pode gerar maior confusão no seu relacionamento. É como se, numa esquina, um quisesse ir para a direita e o outro, para a esquerda. Sem dúvida, eles terão que resolver esse impasse. Mas nem sempre essa solução aparece com facilidade, pois, se cada um deles tomar o desejo do outro como algo que anula o seu próprio desejo, surgirá um ressentimento naquele que viu seu sonho destruído.

Se aquilo que me poderia trazer alegria e felicidade (ver meu time jogar / ir à casa dos meus pais) me foi tirado pelo meu parceiro, guardarei dentro de mim essa mágoa. A partir daí, vou-me sentir menos amado pelo outro, menos compreendido, menos considerado…

Provavelmente, situações como essas, que citei acima como exemplo, não são vividas todos os dias nos relacionamento entre pessoas. Mas, tenho certeza, todas as pessoas em relacionamento já viveram algo igual ou semelhante, por uma ou inúmeras vezes.

Quando isso acontece? Em qualquer momento da relação. Pode ocorrer nas primeiras noitadas de namorados, ou nas noites de núpcias, ou nas luas-de-mel, nos primeiros meses de casamento, ou depois das bodas de prata. Esse fato, aparentemente simples, talvez seja o tumor que mais mata os relacionamentos: a falta de diálogo, de compreensão e aceitação da diferença que existe entre um e outro.

O Outro é o Outro, e nunca será o que eu idealizei que ele fosse. Sendo Outro, ele é diferente de mim. Tem uma história própria e uma visão do mundo que pode ser até parecida com a minha. Somente “parecida”.

Possibilidade de um diálogo franco e aberto, em que o respeito pelo outro, como ser diferente de mim, se faça presente, com certeza, é um dos melhores meios para que se possa construir e manter uma relação saudável. Mas, para que isso aconteça, é necessário que cada cônjuge seja uma pessoa amadurecida, sensível e segura. É preciso, também, que cada um deles não considere a vida conjugal apenas como o meio de realizar – única e exclusivamente – seu próprio sonho, mas que inclua, também nele, o sonho do seu parceiro.

A ajuda que os casais procuram, ao buscar um atendimento psicológico, via de regra, parece-nos dizer que eles ainda não alcançaram as condições que poderiam levá-los à solução de seus problemas, através do diálogo suficientemente maduro e da aceitação consciente das diferenças que existem entre eles. Geralmente demonstram estar cheios de ressentimentos, o que dificulta muito escutar o discurso do outro, no aqui e no agora. Acusações mútuas deixam transparecer o quanto cada um deles precisa mostrar sua “verdade” e negar a “verdade” do outro.

Usando aqui a imagem criada por Rubem Alves, na sua crônica sobre casamentos, na terapia de casais os cônjuges teriam a oportunidade a aprender a jogar frescobol (em que o bom do jogo é jogar sem a preocupação de derrotar o outro) e desaprendessem a jogar tênis (em que a proposta do jogo é – apenas – ganhar do outro, sair vitorioso).

Uma terapia de casal nem sempre faz com que o casamento seja mantido. Mas, caso isso ocorra, e uma separação for a única alternativa, espera-se que esta solução, decidida pelos dois, seja, mesmo assim, um “final feliz”.  Um final de uma etapa vencida e uma preparação para um novo momento da vida. Que surja daí um grande aprendizado, através do qual cada pessoa possa rever-se, construir uma nova vida, mais plena, mais consciente do que seja viver a  dois, do que é ter uma família e a responsabilidade que tudo isso implica.

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