PSICOLOGIA HOSPITALAR PSIQUIÁTRICA

Psicoterapia: Teoria e Prática

Uma Breve História da Psicologia no
Hospital Psiquiátrico de Jurujuba
1967 – 1998
Niterói – RJ – Brasil

Autor : José Luiz Belas (*)

2010

 

(*)Psicólogo Criador  e Supervisor em Clinica Psicológica
do Serviço de Psicologia do Hospital Estadual Psiquiátrico de Jurujuba
Niterói, Rio de Janeiro

PRIMEIRA PARTE
1967 – 1983

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1-A PRÉ- HISTÓRIA – De 1956 a 1967

2- A HISTÓRIA –  Psicologia no Hospital de Jurujuba

2-1 – PRIMEIRA FASE – De 1967 a 1970

2-2 – SEGUNDA FASE – De 1970 a 1972

2–3 -TERCEIRA FASE – De 1972 a 1983
2-4 – QUARTA FASE –   De 1984 a 1998


SEGUNDA PARTE

(EM ELABORAÇÃO)

3- O PRESENTE E O FUTURO
3-1- JURUJUBA EM 2010
3-2- OS ANOS VINDOUROS
3-3- COMENTÁRIOS FINAIS

RESUMO

Até 1983 consideraremos tudo o que foi escrito como a primeira parte desse trabalho.
Estamos ainda escrevendo sobre 1984, ano que marcou o início de uma transformação muito grande no rumo que, até então, a Psicologia havia tomado dentro do Hospital.
Muitas mudanças na Direção Técnica, novas filosofias de assistência, critérios para admissão de novos estagiários, etc., fizeram com que o Setor de Psicologia modificasse seu modo de atuar na instituição.
Isso será mostrado na segunda parte deste documento histórico que visa tão somente registrar algumas contribuições da Psicologia numa instituição psiquiátrica, a caminhada desta ciência e as dificuldades que seus representantes encontraram nesse caminho.  Tenta mostrar também a viabilidade desse encontro fecundo, possível e indispensável entre os que atuam nesses dois campos: o da Psicologia e o da Medicina.

INTRODUÇÃO

Talvez possa chamar de ousadia, o que me moveu a escrever este trabalho que intitulei “Uma Breve História da Psicologia no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba”.
Ousadia por ter plena convicção de que esta tarefa, aparentemente simples, é sem dúvida um grande desafio para a minha memória, além de representar uma tentativa arriscada de narrar fatos históricos de um período da Psicologia e da Psiquiatria na época em que essas ciências passavam por verdadeiras revoluções em seus conceitos e práticas, não só em nosso Estado como também no Brasil e no Mundo.
Por tudo isso, quero deixar claro, aos que se interessarem por este tema, que leiam este trabalho sempre atentos aos contextos nos quais os fatos, relembrados aqui, aconteceram.
A ousadia, à qual me referi acima, surge principalmente quando tento reconstruir alguns momentos históricos. Ao fazer isto, certamente, arrisco-me a falhar em meus julgamentos, comprometidos, como poderão perceber ao longo deste trabalho, pelos sentimentos fortes que sempre vivenciei durante minha passagem por essa instituição.
Todavia, numa tentativa de ser o mais fiel possível aos dados históricos e seus contextos, o que aqui escrevo é baseado em muitos documentos oficiais do Hospital de Jurujuba, coletados por mim durante o período em que lá estive.
Na realidade, este trabalho retrata a história de um Psicólogo, e a de uma Psicologia. Ambos começavam suas lutas em uma instituição psiquiátrica. Ele, um idealista que acabara de encontrar seu destino, mas esbarrara com situações que lhe despertaram sentimentos fortes, profundos. Vivenciou pavor, pena, euforia, frustrações, impotência, ódio, amor, decepção…  Ela, uma jovem ciência buscando seu espaço, deixando, nessa busca, marcas importantes que certamente contribuíram para a consolidação e o reconhecimento do seu valor e importância no tratamento dos pacientes psiquiátricos.
A todos aqueles que foram personagens dessa História, e, portanto, os maiores colaboradores para que este trabalho se tornasse possível, quero deixar registrada minha gratidão somada à saudosa lembrança daqueles que não se encontram mais entre nós.
As pessoas citadas aqui representam parte do contingente que, de fato , viveu essa experiência. Minha memória não conseguiu recuperar todos os nomes e todos os momentos vividos com aqueles profissionais no Jurujuba. Gostaria de citar cada um deles, mas mesmo tendo me esquecido de muitos, suas ações ficaram impressas em mim, enriquecendo-me como profissional e pessoa.  Eles, desse modo, também construíram muitas linhas desta História.
Os documentos que dispunha para começar a desenvolver este trabalho, acumulados ao longo de trinta e um anos, por serem muitos e variados, criaram-me imensa dificuldade para escolher um modo de organizá-los.
Optei por seguir a “LINHA DO TEMPO” acreditando que talvez assim pudéssemos ter uma compreensão melhor do desenvolvimento dos fatos históricos mais marcantes e sua contextualização social e política , além de podermos notar como a percepção e aceitação da Psicologia numa instituição psiquiátrica modificou-se ao longo de três décadas.
Dividi esse TEMPO em alguns períodos.
Ao primeiro deles dei o nome de PRÉ-HISTÓRIA, no qual procuro identificar a ligação profunda da minha historia pessoal com a profissional. Falo sobre as raízes do meu encantamento e fantasias sobre o Hospital de Jurujuba, minha chegada a ele como estudante de psicologia, minhas surpresas e descobertas.
O segundo denominei de HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO HOSPITAL DE JURUJUBA, e o subdividi em quatro fases distintas.
A primeira delas focaliza o período entre março de 1967 e dezembro de  1970, quando havia na instituição  somente um estudante de psicologia desenvolvendo estudos por conta própria , criando meios possíveis, ainda que rudimentares, de   observação e pesquisa sobre o universo da Psiquiatria e da Psicopatologia.
A segunda vai de dezembro de 1970 até março de 1972. Neste intervalo de tempo havia um psicólogo recém-formado que- como voluntário- dava assistência aos pacientes internados e colaborava com o corpo clínico da instituição através da elaboração de psicodiagnósticos, nos grupos de estudo e nas apresentações de casos clínicos.
A terceira fase corresponde ao período de março de 1972 até o final de 1983. Nela encontramos um psicólogo atuando plenamente, consolidando suas práticas, partilhando suas vivências com outros psicólogos recém-formados e com profissionais de outras áreas, com uma vinculação oficial de trabalho na instituição.
Tentei escrever este “livro” que ora lhes apresento num formato que possa ajudar o leitor a “re-viver” comigo os principais fatos que marcaram minha passagem por Jurujuba.
Certamente eu, os Psicólogos que chegaram depois de mim, os meus estagiários e outros estudantes de Psicologia que passaram por aquele hospital, assim como profissionais de outras áreas que se juntaram a nós na luta pelo reconhecimento da Psicologia dentro daquela instituição, todos esses, de algum modo, são pessoas que construíram comigo essa “Breve História da Psicologia no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba”.

Finalizando, peço a todos que participaram, direta ou indiretamente, de tudo que relato neste documento, e aos estudiosos sobre este tema, que me ajudem a enriquecer este trabalho através de observações e críticas às possíveis incorreções que possam existir nele.

CAPÍTULO I

A “PRÉ-HISTÓRIA”
O nascimento de um sonho

1- A magia de um lugar

Os anos eram dourados, como ficaram assim conhecidos.
José era um jovem, adolescente. Tinha seus 16 anos quando , com seus amigos, costumava fazer suas fantásticas viagens, montado em sua bicicleta Philips, aro 26, companheira inseparável e símbolo maior de sua liberdade. Com ela seu mundo parecia pequeno, plenamente explorável, e , além de tudo, mágico.
José sentia-se atraído pelas praias da Baia de Guanabara, principalmente as niteroienses mais conhecidas como “Adão” e “Eva”.
Localizadas a algumas dezenas de metros do acesso ao Forte de Santa Cruz, quase à entrada da barra e logo após a colônia de pescadores do bairro chamado Jurujuba, essas praias eram suas preferidas. Ir até lá, se tornava fantásticas aventuras, pois ele e alguns amigos saíam do bairro onde moravam, o Barreto (o extremo norte da zona norte) e pedalavam dezenas de quilômetros até elas (o extremo sul da zona sul) pelo prazer de se banharem em suas águas límpidas, repletas de mariscos, siris e outros frutos do mar. Ali, a comida era preparada nas latas de banha, nos fogareiros improvisados construídos com pedras das encostas, e, como lenha, gravetos das árvores locais e pequenos pedaços de madeira recolhidos daquelas generosas águas, pós maré alta. Antes da preparação da comida, a pescaria. Depois do almoço, o descanso na areia aconchegante, sob a sombra das frondosas amendoeiras. Mais tarde, o jogo de bola. Liberdade, felicidade e paz provavelmente são nomes que se costuma dar ao que José e seus amigos sentiam nesses momentos vividos ali.
A ligação de José com essas praias, como se pode ver, era algo muito especial, assim como também o era seu carinho por essa “terra mágica” banhado por um majestoso mar cujas ondas, mesmo quando furiosas, eram vencidas pela beleza do lugar o qual, reconhecendo sua grandeza, a ele reverenciava debruçando-se sobre suas finas e alvas areias.
Nos anos 50, para que se pudesse chegar a Adão e Eva, ia-se pela orla: Praia de Icaraí, Estrada Froes, Saco de São Francisco, Charitas, Preventório e Jurujuba.
Quando o objetivo era ir a Adão e Eva, não havia outro caminho a não ser o da orla e, por isso mesmo, impossível não se passar em frente do Hospital Psiquiátrico, uma construção antiga, voltada para a praia do Preventório.

2- O NASCIMENTO DE UM SONHO

O fato de passar por ali, diante de um “Hospital para Loucos”, gerava em José um sentimento de medo e curiosidade. Se até hoje muita gente tem uma ideia bastante equivocada sobre a loucura, podemos imaginar como seria isso naquela época.
Já adulto, quem sabe pelas lembranças vividas no “seu paraíso” da adolescência, passear de carro pela orla sempre lhe trazia sentimentos de alegria e paz, associados agora, não mais ao antigo medo, mas apenas a uma curiosidade crescente em relação aos muros do Jurujuba e ao que eles talvez “escondessem”.
Sempre que via aquele prédio onde estavam internados os “loucos” sentia uma vontade indefinível e forte de, um dia conhecê-lo e, se possível, trabalhar lá.
Os anos se passaram. José continuou seus estudos e, depois de fazer diversas incursões frustradas em várias áreas profissionais (Matemática, Direito, Música, Contabilidade) finalmente encontrou a que procurava há muito tempo, talvez durante toda sua vida, ao ingressar no curso de Psicologia da “Universidade do Brasil” em março de 1966.

Havia passado um ano. 1967 estava começando. O nosso país vivia uma época difícil. O golpe militar ocorrido em de abril desse ano, desdobrou-se numa longa ditadura. As consequências de tais atos e fatos, principalmente a repressão, eram sentidas concretamente nas faculdades. Em muitas ocasiões o campus da Praia Vermelha era invadido por patrulhas de policiais militares que tinham como objetivo dissolver qualquer reunião que pudesse propiciar momentos de discussão política, ou sobre “outros temas proibidos”.
As limitações impostas pelo regime implantado no Brasil tirava a liberdade dos cidadãos, principalmente a de ter ideias que pudessem colocar em risco as propostas do governo militar dessa época.
Nesse clima de proibições e cerceamento do pensar, José continuava trabalhando e estudando. Muitos colegas de Faculdade tiveram seus planos para o futuro alterados. Muitos perderam suas vidas lutando por suas ideias, ou por aquelas adotadas por eles. Todos tinham algo em comum: não desejavam ser guiados, mandados, cerceados. Lutavam pelo direito de pensar livremente. Queriam experimentar o direito de poder escolher o próprio destino e o destino de seu país libertando sua pátria de qualquer jugo, fosse ele o de compatriotas, ou o de outras nações.
Nessa atmosfera hostil e turbulenta, José viu surgir diante de si o renascimento da liberdade que há muitos anos atrás experimentara. Poderíamos compará-la àquela de seus 16 anos. Era como se sentisse um leve toque de ar fresco em seu rosto, ainda que mergulhado concretamente numa atmosfera escaldante, infernal, da segunda metade dos anos 60. Ele viveu e viu de perto a agonia de uma cidade em transição que há pouco tempo atrás deixara de ser o “coração” de um país, e cujo povo, abalado por um golpe militar, vivia cercado de insegurança, medo, paranoia.

Na contramão de tudo isso, de forma quase alienada, meio anestesiado, José “ouvia” dentro de si uma voz, quase um sussurro, lhe dizendo que algo muito importante estava por acontecer em sua vida naquele momento, e que afetaria profundamente sua história pessoal e profissional.
De fato, naquele ano, 1967, conseguiu uma autorização para estagiar no local tão sonhado por ele, o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba.
Para surpresa sua lá não havia psicólogos fazendo parte da equipe de tratamento. O corpo clínico era formado por psiquiatras, enfermeiros, médicos clínicos, farmacêuticos, bioquímicos e outros profissionais auxiliares.
Mesmo “decepcionado” com o fato de saber que não iria encontrar, dentro daquele hospital, uma pessoa que pudesse supervisionar seu treinamento, pode-se imaginar o que essa oportunidade representou para José naquele momento. Mal podia acreditar que adquirira o direito de ultrapassar os muros do Jurujuba e conhecê-lo por dentro.
1967 passou a significar um número mágico, o início da realização de um sonho antigo, da adolescência.
Imediatamente, José apresentou-se à Direção do Hospital e começou  a estagiar.
Como ainda cursava o segundo ano (terceiro período da faculdade –UFRJ), e não havia um supervisor- psicólogo trabalhando naquela instituição, só restava àquele novato “estar lá” e tentar, junto aos psiquiatras, enfermeiros e demais funcionários do hospital, buscar toda ajuda possível para que, durante o tempo de cumprimento de sua carga horária, tivesse acesso ao material teórico e prático que enriquecesse sua experiência e seu aprendizado sobre a loucura e os loucos institucionalizados.
Com certeza esse período da vida de José ficou muito marcado pelo mergulho que deu no mundo do paciente psiquiátrico, e no hospício que abrigava aqueles internos.
Cada momento que passou nessa instituição foi vivido intensamente e isso fez com que ele guardasse em sua memória muitas histórias ligadas a esse lugar. De algumas sempre se lembra como se elas o acontecessem no aqui e agora
Ter passado pelo Hospital de Jurujuba, iniciado a vida clínica nessa instituição e permanecido lá durante 31 anos, mudou por completo sua visão da doença mental, do doente mental, das pessoas, da vida, do mundo.

3- FINALMENTE ULTRAPASSANDO OS MUROS E DESCOBRINDO O QUE HAVIA POR TRÁS DELES

Quando passava pela rua em frente ao Hospital, José não fazia a menor ideia do que havia por trás daqueles muros (hoje são grades). Suas fantasias levavam-no a pensar que ali existia uma instituição preocupada com as pessoas e seus sofrimentos, que buscava minorar a dor daqueles que estavam lá para se tratar.
Embora, com o tempo, viesse a descobrir que tais intenções até existissem nos que lá trabalhavam, quando chegou, teve uma terrível surpresa. A realidade que o esperava era dura, desumana, chocante.
Diante de seus olhos, uma superpopulação. Internos sem ter onde dormir, ou melhor, dormindo no chão, em condições semelhantes, ou piores, àquelas vividas pelos mendigos moradores de rua.
Os odores que emanavam dos seus corpos eram desagradáveis e indefiníveis: misturas de urina, fezes, suor…
Pessoas cobertas com mantas sujas andando pelos corredores de acesso às enfermarias, nem tanto para se abrigarem, mas para garantirem suas únicas possibilidades de proteção do frio que mais tarde se faria impiedoso sobre seus corpos seminus.
Quando as refeições eram trazidas aos refeitórios, vivia-se momentos compostos por cenas impressionantes, animalescas, nem tanto pelo tipo de comida que era oferecida (que não era bom), mas, e principalmente, pelas condições como eram consumidas. Os talheres (colheres) nem sempre eram usadas, pois, em seu lugar, preferiam usar as próprias mãos. Ainda que houvesse ali um lavatório, nem sempre eram utilizados.
Os pratos, metálicos, limpos, sempre davam a impressão de sujos, o mesmo acontecendo com as canecas. À frente de cada pessoa, uma mesa que acolhia os restos que caiam dos pratos, das bocas com poucos dentes e das mãos trêmulas de vários pacientes, tremor esse provocado pelos remédios que tomavam.
O ambiente, como um todo, parecia mais uma pocilga do que qualquer outra coisa. Dificilmente uma pessoa que não vivesse ali conseguiria se alimentar naquele ambiente, com aqueles internos. “Seu estômago reagiria.” Era uma cena meio animalesca, surrealista, apocalíptica… Difícil definir. Dura de ser sentida e vivida.
Mais de seiscentas pessoas internadas num hospital, onde duzentas já representariam superpopulação.
O inferno talvez fosse mais generoso e mais humano do que o Jurujuba de 1967.
Certamente essa visão, essa primeira experiência, foi aumentada, distorcida pelo fato de José ter uma ideia muito diferente daquela instituição, antes de conhecê-la “por dentro”.  Mas, mesmo depois de algum tempo vivendo aquela realidade, continuou sentindo que havia muito a ser feito, até que aquele lugar se tornasse um verdadeiro espaço de acolhimento, de ajuda, e de tratamento do paciente psiquiátrico, de seus familiares e também de todos aqueles que estavam envolvidos na tentativa de sua recuperação.

4- BUSCANDO UM SOLO PARA CULTIVAR

Era necessário encontrar um lugar físico, um espaço, um território para ser referência e para conseguir desenvolver suas atividades. Um lugar que pudesse ser chamado de “sala do psicólogo”, ou “sala da Psicologia”, ou coisa assim, pensava José.
Nessa busca pelo interior do hospital, este jovem estudante encontrou vestígios de possíveis profissionais que por lá passaram antes de 1967.
Soube através de funcionários mais antigos que uma pessoa havia realizado ali algum tipo de atividade, algo como pesquisa, ou algo semelhante. As informações não eram claras, por isso, nunca se ficou sabendo ao certo de quem se tratava. Juntando alguns dados, daqui e dali, concluiu que pudesse ter sido um Psicólogo do Instituto de Psicologia, ligado a então Universidade do Brasil, o qual veio a conhecer alguns anos mais tarde, em outras circunstâncias.
A despeito de sua busca por vestígios de alguém que já pudesse ter aberto caminhos, ou lançado sementes de Psicologia naquela instituição, José não conseguiu dados suficientes para ter certeza da existência de uma história anterior a que ele , tudo indicava, estava prestes a começar a escrever naquele local.
A este período, compreendido entre 1956, ano dos primeiros contatos com Jurujuba ,e 1967, ano em que ele ultrapassou seus muros,  demos o nome de “pré-histórico”, por considerar que, embora já existisse nele sinais de uma Psicologia embrionária, em “gestação”, não existia nenhuma documentação que provasse que alguém tivesse desenvolvido sistemática e concretamente atividades específicas dos profissionais desta ciência naquela instituição. Foi somente a partir desse ano, que teve início o registro de uma verdadeira história da Psicologia nessa casa da Psiquiatria.
Mas, nesse primeiro ano, felizmente para todos os implicados nesta trajetória histórica, o espaço físico, tão desejado de início, não foi encontrado.  Em seu lugar, o hospital como um todo se tornou o locus, a terra onde seriam lançadas as primeiras sementes reais que brotariam e dariam seus frutos durantes os trinta e um anos seguintes.

CAPÍTULO II

1-A HISTÓRIA (*)

1-1:De junho de 1967 a dezembro de 1967

O estagiário e os primeiros contatos com os “seus” pacientes

O que José vivenciou em 1967 certamente acontece com  todo estudante que se inicia na prática profissional.
Uma coisa é aprender teorias, outra é vivê-las.
No caso dele a situação ainda era mais complexa, pois ainda não conhecia as que poderiam fundamentar sua prática no Hospital Psiquiátrico, como, por exemplo, psicopatologia. Somente quando estivesse cursando o terceiro ano (atualmente o quinto período) é que começaria os estudos desta e outras matérias ligadas diretamente ao atendimento das pessoas com transtornos mentais.
Não dispondo de nenhum instrumento adequado, começou seu estágio, tal como um aluno de marcenaria desprovido do básico, por exemplo, de um martelo.
O diretor do Hospital e outros profissionais da Psiquiatria daquela época, para surpresa do recém-chegado, foram muito receptivos à sua chegada e o ajudaram bastante: primeiro, indicando livros que lhe dariam uma base segura para sua compreensão do doente mental; segundo, encaminhando determinados pacientes para que ele os entrevistasse; terceiro, permitindo livre acesso aos s prontuários daqueles internos.

(*)Na tentativa de ser fiel à história que relataremos aqui, optamos por apresentar fatos sobre os quais dispomos de documentos, obedecendo sua cronologia.

De posse desses documentos que registravam tudo sobre a história daquelas pessoas em tratamento e podendo conversar com elas, pelo tempo que eu quisesse e quando quisesse, aos poucos  prática e teoria foram se fundindo.
José participava também de discussões de casos e aprendia como os diagnósticos eram “construídos”.
Tudo aquilo era algo incrivelmente fascinante e despertava, a cada dia , sua curiosidade e desejo de saber mais sobre aquele universo.
Mas, nem tudo era tão lindo e emocionante para ele. Ao ter, pela primeira vez, contato com alguns pacientes em tratamento através do ECT (eletrochoque) ficou horrorizado. A cena que presenciou, mesmo não sendo como imaginara antes de assistir àquele procedimento, uma eletrocussão, pelo modo rudimentar como era aplicado naquele tempo, dava a impressão de ser mais prejudicial do que benéfica para o paciente.
O que tornava aquele recurso ainda mais terrível era o fato dos aparelhos usados não possuírem a segurança dos atuais, os pacientes não serem anestesiados e nem atendidos como são hoje, em algumas clínicas.
O ambulatório, a sala de admissão, as enfermarias, os refeitórios, os consultórios das alas masculina e feminina, os pátios internos, o campo de futebol, a lavanderia, carpintaria e oficina, administração, serviço social, os alunos e professores de medicina da UFF, tudo isso era um mundo novo para aquele estudante de Psicologia, no qual  mergulhara e tentava tomar pé de sua dinâmica e realidade.
De tudo isso, o que marcou , de fato, foi o contato direto com os pacientes psiquiátricos e as novas descobertas que fazia ao entrevistá-los.
Seus nomes, as estórias que contavam, os desenhos que faziam, são lembranças que ficaram para sempre gravados, com clareza e nitidez incríveis, na memória de José.
Na condição de aluno do segundo ano, que corresponde hoje o terceiro período do curso de Psicologia, e pelas normas acadêmicas daquela época, não lhe era dada permissão para comprar material técnico psicológico como, por exemplo, um teste de Rorschach, ou um inventário de personalidade, ou um teste de avaliação do Quociente Intelectual (QI). Somente os psicólogos ou psiquiatras tinham direito de adquirir estes instrumentos de medida psicológica e era através desses testes que se poderia obter as informações comumente solicitadas pelos profissionais  do hospital onde José estava estagiando.
Nessa época essa era basicamente a contribuição possível que a Psicologia – ou seus representantes – poderia dar ao atendimento de um paciente internado: a avaliação da personalidade e da sua inteligência por meio de testes.
Na busca de atendimento a tais solicitações, e na impossibilidade de dispor de um material técnico confiável, a saída encontrada pelo estagiário foi criar alguns instrumentos que lhe permitissem, mesmo que de maneira limitada, colher informações sobre os pacientes e conseguir alcançar uma compreensão  mais ampla do mundo deles. Esse foi o seu primeiro trabalho de estágio elaborado naquela instituição
O registro dessa tentativa pode ser visto no documento-relatório de junho/dezembro de 1967 que recebeu como título

” PRIMEIROS PASSOS DE UMA PESQUISA SOBRE :
PERCEPÇÃO DE FORMAS FURTUITAS,
GRAFISMO (CASA , ÁRVORE, PESSOA) E
ASSOCIAÇÃO DE PALAVRAS “

Em sua introdução podemos notar como esse “estar no Jurujuba” foi uma experiência enriquecedora e emocionante para José. Nela está escrito:

“ Antes de iniciar a apresentação deste trabalho, vejo-me na obrigação e no dever de fazer um agradecimento e um elogio.
Agradeço ao Diretor do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, aos demais médicos que me incentivaram, ao pessoal de enfermagem e a todos aquele que de algum modo sempre me ajudaram na realização de meu trabalho.
Elogio a maneira clara como o pessoal técnico viu a Psicologia dentro do Hospital, a cortesia, a gentileza, a atenção e o carinho que sempre recebi de todos os funcionários desta instituição.”

Podemos dizer que esse início foi fundamental para o desenvolvimento desta Breve História que ora lhes apresento.
Ter sido bem recebido, acolhido por todos, contribuiu muito para que José pudesse construir um caminho mais sólido dentro da instituição, criar espaços e plantar boas “sementes de Psicologia” ali.

O uso desses “testes” passou a ser uma experiência muito rica e interessante para o aprendizado desse estagiário, mas o que mais o apaixonava de fato era o relacionamento direto, face a face, com os “seus clientes”.
O pintor que lhe dizia: “Como um bom esquizofrênico, eu sou temperamental.”; o esquizofrênico epilético que adorava desenhar seus delírios persecutórios; o paciente baixinho que era “dono” de todas as linhas de ônibus que iam para Petrópolis e que havia nascido numa “Lua Benta”; o halterofilista que dava medo na gente só de pensar que ele poderia se irritar e bater em todo mundo (seria difícil detê-lo )…
Aprendeu uma coisa muito interessante e fundamental para o desenvolver seu modo pessoal de tratar as pessoas com transtornos mentais. Em seus primeiros contatos com os pacientes do hospital, José conversava com eles durante muito tempo.  Ouvia o que lhe diziam de um modo muito especial, muito diferente, como nenhum outro profissional, dali, fazia. Somente depois de muito tempo, percebeu que um fator determinante para que isso acontecesse decorria do fato dele não ser, naquele momento, um profissional e, por isso, não dispor de teorias que pudessem levá-lo a explicar ou supor o que estava acontecendo com aqueles pacientes. Ele não dispunha de uma informação teórica que lhe permitisse diagnosticar ou avaliar os fenômenos que presenciava em suas conversas com aquelas pessoas. O papel que ele desempenhava não era igual ao daqueles com os quais os pacientes estavam acostumados a lidar. Havia um diferencial.  Ele era um Psicólogo, não medicava, não dava alta… “somente conversava com eles.”
Essa presença diferente ficou bem marcada num atendimento a um paciente de quem guardou profundas lembranças.  Esse interno era um “esquizofrênico com delírios persecutórios” e, para complicar, também era epiléptico. Amava desenhar. Sua produção gráfica era imensa. Qualquer papel que lhe caísse às mãos logo era transformado num quadro muito expressivo feito a lápis de cor, lápis preto ou qualquer outro material com o qual pudesse nos falar sobre seu mundo interior.
Sempre que chegava para as entrevistas carregava consigo pelo menos um desenho e dizia que aquele seu trabalho seria o pagamento por José atendê-lo.
No início, o estagiário não percebeu o tesouro que o paciente lhe dava. Aos poucos, começou a ver na totalidade do material que recolhia dessa pessoa, sua “obra de arte”. Nela havia um mundo de informações preciosíssimas sobre o universo daquele esquizofrênico e sobre o papel que José ocupava na história atual daquele interno.
Os desenhos que ele dava para aquele estagiário, seu terapeuta, traziam consigo uma mensagem velada que se tornou facilmente compreendida quando seus trabalhos foram colocados lado a lado, em ordem cronológica. A partir dessa experiência, José aprendeu, na prática, a valorizar tudo que uma pessoa traz para a seção de terapia, tudo mesmo. Pode ser uma carta, um desenho, um rascunho, um relato aparentemente tolo sobre o seu fim de semana…  Tudo, dentro de um contexto mais amplo, faz muito sentido e nos pode ajudar a compreender o mundo do outro de maneira muito mais clara e consistente.
Entrevistar PMDs, Esquizofrênicos, Deficientes Mentais, Maníacos, Hipomaníacos, Parafrenias, Histerias, Pessoas e suas famílias, conhecer diagnósticos, Profissionais, Medicamentos , tudo isso fazia parte do novo mundo de José.

-1-2. O ano de 1968

O ano de 1968 estava começando e com ele mais uma etapa da formação acadêmica de José, marcada pelo inicio os seus primeiros “estudos oficiais” sobre Psicopatologia  no Instituto de Psicologia da Universidade do Brasil.
Embora já tivesse um ano de vivência prática neste tema, e ele lhe soasse familiar, agora tudo tomava um novo colorido, bem diferente, pois frequentava aulas dadas por professores que estavam preparando estudantes para se tornarem Psicólogos. Isso mudava completamente sua forma de entender a psicopatologia que, até aquele momento, conhecia. As bibliografias, as reflexões sobre os casos clínicos, tudo isso já era mais direcionado à formação específica de um novo profissional que estava chegando ao mercado de trabalho. Esse aprendizado contrastava com aquele que José havia tido no ano anterior, orientado pelos psiquiatras do hospital. Ainda que tivesse se enriquecido com aquela experiência de 1967, a de 1968 deu-lhe um complemento fundamental para a consolidação do trabalho que, anos depois, veio a realizar.
O início do aprendizado de matérias tais como Testes Psicológicos, Teorias da Personalidade, entre outras, fez com que o seu olhar sobre a realidade do Hospital se tornasse mais crítico, mais desafiador e também mais aberto.
Os estudos na Universidade do Brasil, mais especificamente no Instituto de Psicologia, agora lhe proporcionava um conhecimento mais aprofundado sobre a doença mental através de temas mais avançados sobre testes, psicometria, teorias psicanalíticas, gestalt, psicologia social e outros. Essa gama de novas informações ampliava, mais e mais, naquele estagiário, a percepção de seu campo de trabalho.
SETOR DE TERAPÊUTICA OCUPACIONAL E REABILITAÇÃO

Nesse ano José teve a oportunidade de conhecer melhor o SETOR DE TERAPÊUTICA OCUPACIONAL E REABILITAÇÃO do Hospital de Jurujuba. Ali era desenvolvido um trabalho muito bem estruturado e com grande potencial terapêutico.
Muitos pacientes frequentavam esse espaço e onde havia uma enorme variedade de materiais plásticos: telas, pincéis, argila, papeis, lápis de cor, e muitos outros. Ali, nos espaços da T.O, eram feitos muitos dos desenhos que os “pacientes de José” lhe mostravam.
Esse serviço publicava um jornal, “O SOL”. Muito interessante, nele eram publicados artigos escritos por alguns internos.
No número 3 dessa revista, publicado em outubro de 68, há depoimentos, cartas, notícias, letras de música, um texto de um pintor que estava internado lá no qual ele nos fala sobre “O abstrato linear”. Na seção de Esporte lê-se a notícia sobre a criação do time de futebol do Hospital de Jurujuba que ganhou o nome de “Psiquiátrico de Jurujuba Futebol Clube”.
Conhecer a TO foi muito importante para José. Ele percebeu que existia algum tipo de afinidade, de inter-relação entre sua proposta pessoal, no que se refere ao modo de lidar com o paciente psiquiátrico, e aquele proposto por esse serviço. O ponto comum era a liberdade de expressão, o convite ao paciente para ele ser ele mesmo e falar de si através de sua linguagem singular.
Sempre que podia, José visitava a TO e se sentia “em casa”, à vontade, entendendo a fala “falada lá”.

Interessante assinalar que neste ano, primeiro de estágio de um estudante de Psicologia numa unidade estadual de saúde, foi divulgada uma portaria com normas para a concessão de estágios.  Essa portaria recebeu o número SSA/Nº463, de 22-08-1968 e foi publicada no D.O. de 28-08-68. Nos “considerando” dessa portaria fica claro que os critérios, que estavam sendo usados para admissão de estagiários nem sempre contemplavam aqueles profissionais ou estudantes que realmente poderiam trazer algum tipo de contribuição para as instituições nas quais eram lotados. Além disso, também não se caracterizavam como oportunidades criadas para que, depois de algum tempo atuando em uma unidade da SSA, fossem aproveitados no Serviço Público.
Nota-se, através do conteúdo dessa portaria, que a intenção passava a ser de controle sobre a movimentação dos recursos humanos e Resolvia:

1- Os estágios NÃO REMUNERADOS nos diferentes órgãos da Secretaria de Saúde e Assistência, tem por finalidade proporcionar meios e condições adequadas à formação, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO TÉCNICO E CIENTÍFICO A MÉDICOS OU PROFISSIONAIS AFINS, bem como aos seus AUXILIARES E ESTUDANTES DE NÍVEL MÉDIO OU SUPERIOR;
2- “Só poderão estagiar nos hospitas e Unidades Médico-Sanitárias da Secretaria de Saúde e Assistência, profissionais de Medicina, Farmácia, Odontologia, Enfermagem, Serviço Social, Nutrição e Dietética, e outros profissionais afins de nível superior, assim como ACADÊMICOS, TÉCNICOS E AUXILIARES DE NÍVEL MÉDIO participantes ou DIPLOMADOS POR ESCOLAS OFICIAIS OU OFICIALIZADAS, NECESSÁRIOS ÀS ATIVIDADES MÉDICO- ASSISTENCIAIS;
3- Qualquer estágio concedido não poderá excederão prazo de 1 ANO.

Podemos observar que embora a TO estivesse atuante no Hospital de Jurujuba, e houvesse até um Setor funcionando de modo estruturado, sua existência não era reconhecida pela Secretaria como importante, se comparada com as que, por tradição, compunham a equipe de tratamento.
De fato, a equipe tradicional de tratamento psiquiátrico nos anos 60 era constituída por médicos, assistentes sociais, odontólogos, farmacêuticos, nutricionistas. A chegada de psicólogos e terapeutas ocupacionais era algo novo que começava a acontecer na Saúde, por conta dos recentes cursos criados e regulamentados em nosso país. Uma verdadeira revolução no modo de se tratar o doente mental estava apenas começando.

A despeito do “não reconhecimento oficial” da importância da Terapia Ocupacional,  esse setor como já foi dito anteriormente, era um dos preferidos por José. Ali ele aprendeu muitas coisas sobre os pacientes e suas produções artísticas e recebeu dos profissionais que trabalhavam nesse espaço muitas lições sobre as atividades artísticas, portanto expressivas, dos internos.
Durante este ano José, a cada dia que passava, sentia-se mais à vontade, “mais em casa”, no Hospital como um todo. Andar pelos longos corredores sem receio, geralmente acompanhado por um cortejo de pacientes, todos, quase ao mesmo tempo, tocando nele e pedindo para lhes dar “alta”, já não lhe parecia assustador como no início de 1967. Até porque, ao atendê-los, passou a conhecer  e compreender que essa atitude deles, de tocar e  solicitar insistentemente sua alta, não representava um gesto de violência, de assédio agressivo, mas, quase sempre um pedido desesperado de socorro.
Para muitos pacientes, permanecer naquela instituição, nas condições que ela podia lhes oferecer, enquanto instalações físicas, atenção pessoal, alimentação, etc., correspondia a estar vivendo uma experiência profundamente horrível, degradante, desrespeitosa, patogênica.
José começou a aprender que um hospital para pacientes psiquiátricos é um local muito perigoso, tanto para aqueles que vivem fora da realidade, quanto para os que a percebem com muita clareza. Os que estão fora dela passam a ser massa de manobra. Para os que estão dentro, demasiadamente dentro, aquilo é simplesmente o inferno.
Descobriu que os muros do hospital eram o limite de um depósito de pessoas internadas às quais se dava o nome de loucos.
Que havia muitos “graus de loucura”, e , portanto vários “graus de loucos” :
-num extremo os poderosos que em seus delírios e alucinações se autodenominavam de “profetas”, “Cristo”, “milionários”, “indestrutíveis super-homens”, “capazes de ler o pensamento dos outros e prever o futuro”;
-no extremo oposto os fracos que, por perderam a família, ou seus bens, ou a confiança neles próprios, não conseguiam mais ver sentido em, alimentar-se, falar, viver.

Percebeu que havia tipos de sofrimento:
– aqueles que nos parecem ilógicos, distantes da nossa realidade e experiência pessoais;
– ou aqueles que conhecemos bem, já vividos por nós em algum momento de nossas vidas.

Talvez possamos imaginarmos o que tudo isso representou para aquele estudante, em início de formação. Não é fácil viver a experiência de estar cara a cara com uma pessoa que lhe fala sobre um mundo estranho, composto por imagens distorcidas e confusas, e valores completamente diferentes de tudo aquilo que ele conheceu em sua vidinha “normal”. O que sentiu foi uma mistura de medo, impotência, curiosidade e desafio. A vontade de entender o universo da loucura que o cercava, levou-o ao interesse, ainda maior, pela psicopatologia, a neuroanatomia, a endocrinologia.
Esses temas faziam parte das matérias do terceiro ano e estudá-las dava-lhe uma segurança maior, como se ele agora soubesse um pouco mais por onde estava andando.
Por outro lado, descobriu que, mesmo conhecendo melhor esses assuntos, cada paciente que atendia mostrava-se como algo surpreendentemente novo, impossível de ser enquadrado plenamente numa categoria diagnóstica. Cada um era único em sua história, ainda que os sintomas pudessem ser muito semelhantes aos apresentados por outros pacientes.
Todos esses fatos foram se somando à sua bagagem como aluno e futuro profissional.

Na década de 60 a imagem da Psicologia ainda estava sendo construída em nosso país. Seu reconhecimento como profissão só aconteceu em agosto de 1962.  Era comum, nesse tempo, as pessoas se interrogarem: O que se poderia esperar de um psicólogo atuando dentro de um Hospital ?
A idéia mais comum que se tinha dele era associada à seleção, orientação profissional, ou seja, a de uma pessoa ligada basicamente à Educação e à Indústria. Os termos Psicologia Educacional e Psicologia Industrial eram encontrados com facilidade nos livros e publicações dessa ciência. A Psicologia Clínica era quase que exclusivamente associada à Psicanálise. Os testes de personalidade mais usados naqueles tempos carregavam a marca das teorias psicanalíticas e através deles pensava-se poder alcançar níveis mais profundos, dinâmicos, das estruturas psíquicas do paciente. Poderíamos explicar melhor as “possíveis origens dos problemas e, mais, chegar com mais precisão ao diagnóstico das patologias mentais”.  Talvez, por isso, os testes de personalidade e os de inteligência fossem vistos como as principais contribuições que os psicólogos poderiam dar à área da saúde mental.
Esse modo de perceber o profissional da Psicologia acabava determinando os tipos de solicitações que os psiquiatras lhe faziam. E essas eram, portanto, as expectativas que tinham em relação ao trabalho que José começava a desenvolver no Jurujuba.

ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional –  da FGV) Um presente caído do céu

Há situações na vida das pessoas que acontecem sem que se possa dar sobre elas qualquer explicação minimamente lógica. Na história que estamos narrando aqui, a de José, ocorreu uma dessas.
O ano de 1968 marcou a vida do nosso personagem de maneira significativa.
José nasceu numa família modesta. Seu pai, operário, conseguiu crescer na sua profissão e nos anos 50 conseguia dar à sua família  uma condição de vida que poderia ser comparada à da classe média atual. Havia conforto e equilíbrio financeiro.  Todavia, José, desde muito jovem, conseguia ganhar seu próprio dinheiro dando aulas particulares em sua casa. Por isso, nunca se sentiu à vontade nas poucas vezes em que teve que recorrer aos pais para poder comprar algo para si.
Logo após terminar seu serviço militar, começou a trabalhar numa instituição bancária. Ali permaneceu durante quase cinco anos. Quando ingressou no Instituto de Psicologia, manteve seus estudos por dois anos usando para isso o dinheiro que recebera ao sair do banco onde trabalhava até então.
Depois de algum tempo, o dinheiro foi ficando curto. Havia comprado a maior parte dos livros recomendados por seus professores, mas outros tantos ainda estavam por serem adquiridos. A maioria da bibliografia era em língua inglesa, espanhola e francesa, portanto importados. Isso era caro.
José percebeu que precisaria voltar ao trabalho. Como sua experiência estava ligada a Bancos, reiniciou suas atividades nessa área, em outra instituição.
Nesse momento começou uma nova reviravolta na sua história pessoal e profissional.
Começara a trabalhar nesse outro banco numa agência no centro do Rio de Janeiro. Por problemas de incompatibilidade horário entre os da sua faculdade e os da agência , pediu transferência para Niterói.
Tudo parecia ir bem quando surgiu um problema mais sério ainda: ele começava às 18 horas, mas  nunca terminava antes das 2 horas do dia seguinte. Ele suportou esse esquema por cerca de dois meses, mas acabou desistindo e pediu demissão.
A partir desse seu pedido, e levando em conta os argumentos usados por José para justificar sua saída dessa instituição, o Departamento de Pessoal desse Banco ofereceu-lhe um estágio remunerado no ISOP e, mais, manteve seu salário. A única condição que lhe foi imposta era que, após o término daquele treinamento, viesse trabalhar naquele departamento e criasse ali um novo serviço de seleção e treinamento de pessoal para aquele banco.
José não pensou duas vezes para aceitar o que lhe estavam oferecendo.
Seu estágio no ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional da FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS –RJ) , começou em março de 1968 e terminou em dezembro desse mesmo ano. O que se aprendia nesse estágio estava diretamente ligado ao manejo dos testes de seleção de pessoal, orientação vocacional, recrutamento, treinamento, psicodiagnóstico e orientação clínica.
Após terminar esses cursos e viver essas práticas, qualquer estagiário estaria apto a desenvolver um trabalho institucional.
Em dezembro de 1968  José retornou ao Banco e começou a aplicar o que aprendera durante seu estágio no ISOP. Durante o tempo em que esteve se preparando na FGV, o hospital continuou sendo também um espaço no qual  vivia.  Em outras palavras, nesse ano, o campo de aprendizado e experiência foi ampliado abrangendo basicamente duas áreas distintas, o da Psicologia Clinica e o da Psicologia do Trabalho. Esse fato repercutiu, como veremos mais adiante, na atividade Hospitalar desenvolvida no Jurujuba, antes e após sua admissão como psicólogo nessa instituição.

A prática clínica, em 1969, ia-se esboçando aos poucos, lentamente.  Limitava-se principalmente às entrevistas individuais com pacientes internados na ala masculina e, eventualmente, com pacientes da ala feminina.
Nesse ano, depois de quatro semestres estudando sobre as teorias de Freud e as dos neofreudianos, aconteceu um fato que determinou profundamente tudo que José construiu a partir dali: seu contato direto com a ideias de Carl Ransom Rogers.
Até aquele momento Rogers era somente um nome. Mas, logo tornou-se mais que isso , passando a ser determinante para a ocorrência de muitas mudanças no seu modo de atuar junto aos pacientes do hospital e, mais ainda, na sua postura profissional e nos trabalhos que veio a desenvolver. A influência das ideias daquele psicólogo americano se tornaria mais forte ainda quando, no ano seguinte, conheceu o Dr.Rogério Buys e sobre o qual falaremos mais a frente.
Nessa época, a Psicologia começou a ganhar espaço no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, firmando-se como uma profissão que teria uma contribuição significativa a dar à Saúde.
O fato, aparentemente simples, de graduar-se Bacharel ao terminar seu quarto ano do curso de Psicologia, mudou o modo como as pessoas do hospital passaram a ver aquela ciência e o, até então estagiário, profissional que a representava ali.
A legislação em vigor garantia ao Bacharel o direito de desenvolver várias atividades tais como as pedagógicas e as de pesquisa. Legalmente representava sua profissão e já podias realizar atividades que lhe eram privativas.

Psiquiatria e Psicologia no Jurujuba – anos 70

Iniciava-se o ano de 1970 e José começava a cursar o quinto ano do Curso de Psicologia.
Fazia parte do programa desse curso uma atividade desenvolvida pelo professor Rogério Buys, que tinha formação e vivência na Terapia Centrada no Cliente, nessa época conhecida também como Terapia Não Diretiva, ou Terapia Rogeriana. O trabalho desenvolvido pelo professor Rogério era o de “facilitador” de um “grupo de encontro” do qual participavam, optativamente, os alunos do último ano.
Participar dessa atividade acadêmica foi também um marco e fator significativo para a consolidação de um modo muito particular de perceber novas possibilidades para um psicólogo atuar numa instituição, principalmente em relação ao trabalhos de grupo com pacientes e com funcionários.

Ter sido um estagiário oficial em 1967 e voluntário em 1968 e em 1969, levou José a “ser da casa”. Funcionários administrativos, técnicos, médicos, enfermeiros, pacientes, todos já o identificavam como pertencente àquele lugar. A cada acréscimo de conhecimento adquirido na faculdade, uma nova atividade era desenvolvida por ele na instituição.
Como bacharel ele já tinha permissão para comprar materiais técnicos tais como testes psicológicos que avaliavam traços de personalidade, níveis de inteligência e outros. Por ter estagiado na FGV, no CEJOP; por estar trabalhando no Colégio N.Sra. Auxiliadora (em Campos dos Goytacazes ) realizando Orientação Vocacional e dando cursos breves sobre temas ligados à educação; por estar atuando num Banco (Banco Predial do Estado do Rio de Janeiro) como Psicólogo do Trabalho, selecionando, treinando e fazendo pesquisas sobre análise do trabalho e testes de personalidade aplicáveis à seleção de bancários; estava bastante capacitado para oferecer ao Hospital uma gama de ajudas que poderiam ser utilizadas no tratamento que era dados aos pacientes naqueles tempos. Foi isso que ele fez: ofereceu colaborar.
Em 1970, havia uma ligação entre Estado e a Universidade Federal Fluminense. O hospital cedeu quatro enfermarias para que os estudantes realizassem suas práticas da cadeira de Psiquiatria, duas localizadas na ala masculina e duas na feminina.
Nessas unidades de tratamento, os pacientes recebiam um atendimento diferenciado, pois o número de profissionais, as condições materiais e os cuidados dispensados aos internos ficavam determinados pelos próprios objetivos de tais enfermarias, ou seja, eram áreas de ensino-aprendizagem. Havia, na realidade, uma permuta que trazia benefícios para ambos os lados, e para uma parte da população tratada ali.
A qualidade do atendimento neste espaço do hospital era visivelmente melhor e diferente, em comparação com os cuidados dispensados aos demais pacientes da instituição.
A fronteira física (portão) que havia entre essas enfermarias e as demais, tanto na ala masculina quanto na feminina, era denominada, ironicamente, de Muro de Berlin.
Nesse ano, comecei, mais especificamente, a realizar atendimentos psicoterápicos com pacientes que viviam de um lado do tal “Muro”, e também com os que viviam do outro.
Na condição de Bacharel, minha participação nas sessões clínicas tornou-se mais relevante.  Passaram a ser mais frequentes os pedidos para que eu avaliasse (personalidade e inteligência) dos pacientes que seriam apresentados como casos clínicos nas supervisões dirigidas pelo catedrático de Psiquiatria da UFF, o Professor Nobre de Mello, realizadas no anfiteatro do Hospital.
Como já se falou linhas atrás, o Bacharel, por lei, tinha uma série de direitos adquiridos aplicáveis ao exercício de sua profissão e, entre outros, o de fazer pesquisa.  E era isso, exatamente, o que estava acontecendo, de um modo natural, num movimento espontâneo, com a História da Psicologia nessa Instituição.
Ainda nesse ano, José participou dos grupos de estudo que eram realizados à noite e compostos por vários psiquiatras da instituição tais como : Wilson Soares Câmara, Joacy Lopes Moreira, Ivo de Lima Kelis, Sergio Belmont, Lélio Ferreira Vasconcellos e outros. Ali surgiam trocas muito interessantes as quais tornavam mais claros os limites territoriais de suas profissões. Havia um enorme respeito por tais limites. Somavam conhecimentos.

No final de 1970 José concluiu seu curso de Psicologia.

Segunda Fase

De dezembro de 1970 a março de 1972

Uma nova etapa: Profissional Voluntário

Não é difícil imaginarmos como deve ser frustrante para uma pessoa trabalhar de modo dedicado, intenso, durante três anos, sem ser remunerado.
Se por um lado “recebia experiência”, aprendia concretamente sobre sua profissão, por outro essa situação passava e subtrair de José um tempo que ele necessitava para construir, materialmente, seu futuro. Entretanto alimentava-lhe o sonho de quando ainda era muito jovem: ser um profissional daquela instituição.  Por isso, a despeito da necessidade da remuneração, continuou trabalhando ali, mesmo tendo que “pagar para trabalhar”.

Em janeiro de 1971, já na condição de Psicólogo “Voluntário”, vivia uma nova etapa de sua história no Hospital de Jurujuba. Continuava ali, mas era, agora, um profissional legalmente qualificado, desenvolvendo seu trabalho. Isso mudava tudo.
Tornara-me um Psicólogo com direitos profissionais plenos, exercendo sua profissão dentro de uma instituição pública.
Nesse ano, 1971, sua colaboração com os professores e alunos de Psiquiatria da UFF foi mais intensa e tendo participado de inúmeras sessões de Estudos de Caso realizadas no Anfiteatro Hospital de Jurujuba.  Essas sessões, como escrevi acima, contavam com a ajuda valiosa do Professor Nobre de Mello.  Os profissionais e acadêmicos de Psiquiatria daquela Universidade solicitavam a colaboração da Psicologia nos psicodiagnósticos e, para isso era agora possível recursos tais como, Teste de Koch, Z-Test , Rorschach, testes de inteligência e outros.
Do início de 1971 até março de 1972, a participação da Psicologia fez-se notar, não só nos Grupos de Estudo, nas reuniões informais, comemorativas ou festivas, como também nos momentos em que pareceres técnicos se faziam necessários.
Ao término deste período a Psicologia marcou sua presença ao participar de um trabalho de desenvolvimento interpessoal para os funcionários do hospital. Essa atividade foi realizada pela FASE, uma instituição experiente neste tipo de treinamento, contratada pela Secretaria de Saúde do Estado com o objetivo de melhorar o entrosamento entre as pessoas que trabalhavam no Hospital de Jurujuba, principalmente as chefias.

O final de 1970 ficou marcado por um movimento que veio tomando forma nos anos anteriores e que tinha como característica principal a preocupação com a formação técnica dos profissionais e com a criação de um espírito de equipe, coisa até certo ponto difícil numa instituição pública nessa década. Se ainda hoje convivemos com um ranço do “espírito de funcionalismo público” que sempre tem um gosto de “pouco dinheiro, pouco trabalho”, ou ainda “o serviço público é um bico, não um trabalho”, imagine o que era isso quarenta anos atrás. Os profissionais com formação superior trabalhavam em vários hospitais para poderem ter um salário compatível com suas necessidades. (Hoje não é muito diferente!) Era difícil reunir esse grupo que se encontrava mensalmente na primeira quarta-feira, das 9 às 11horas.
Temas como horários dos médicos, atribuições de cada um deles, estudos sobre a organização do hospital, a serem realizados por uma comissão formada por quatro médicos e designada pelo Corpo Clínico faziam parte das agendas dessas reuniões .
Circulares eram distribuídas no hospital e através delas os profissionais eram intimados a participarem das reuniões do “Corpo Clínico”, pois caso não comparecessem receberiam uma “falta ao serviço”.
Pode-se notar que por Corpo Clínico entendia-se basicamente o grupo de profissionais médicos. Por “equipe profissional” entendia-se ser aquela composta por médicos, Enfermeiros diplomados e os Assistentes Sociais. Os outros participantes do tratamento (inclusive os da Farmácia e os do Laboratório) eram, indiscutivelmente, agentes secundários. O foco principal era a ação médica.
A despeito de tal realidade, a Psicologia fazia-se presente no Jurujuba através de seu único representante o qual participava de praticamente todas as atividades que eram desenvolvidas ali. Era um verdadeiro “furão”. Por causa dessa característica de personalidade, e pela vontade forte de desenvolver um trabalho naquela instituição, sua presença se fazia natural. A maior parte dos funcionários o conhecia e muitos mantinham contatos constantes com ele nos corredores, nos bancos externos do hospital, nas enfermarias, nos consultórios interiores onde os pacientes eram atendidos, nos grupos de estudo, nas apresentações de casos clínicos, no ambulatório, enfim, em todos os cantos daquela casa que abrigava os “loucos” e os “não loucos”.

– Terceira Fase :  De 1972 a 1983

1972

O Profissional contratado e seus projetos
O verão estava por terminar naquele ano de 1972. O trabalho do Psicólogo voluntário continuava como sempre. Já há mais de um ano estava exercendo sua profissão em seu consultório particular o qual fora batizado no registro da Prefeitura de Niterói, com o nome de “CENTRO DE ORIENTAÇÃO PSICOLÓGICA CARL ROGERS”. Tratava-se de uma homenagem singela ao Psicólogo que influenciara profundamente as ideias de José, como já mencionamos anteriormente neste documento e que, com isso, definia publicamente o tipo de enfoque e metodologia seguida por ele. Chamavam-no de “rogeriano”.
Já se passavam cinco anos desde o dia em que chegara ao Jurujuba na condição de estagiário oficialmente estabelecido nessa unidade da Secretaria Estadual de Saúde.
Cinco anos!!! Como passara o tempo e quanta coisa havia acontecido no decorrer dele.  Inicialmente um ano como estudante-estagiário de Psicologia, mais um ano com estudante voluntário, depois um ano como bacharel nessa ciência e, por último, dois anos como psicólogo voluntário.
Talvez, como reconhecimento por sua persistência, trabalhos desenvolvidos, amizades construídas, finalmente, em abril de 1972, foi contratado pela Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro para ser o Psicólogo dessa instituição. O sonho de adolescente se tornava realidade.

A partir desse momento, foi oficialmente aberta a caminhada para a construção de uma verdadeira História da Psicologia Hospitalar Psiquiátrica em nosso Município e, de certa forma, em nosso Estado.
A contratação esse profissional lhe deu chance de atuar com liberdade e desenvolver seu trabalho de modo mais efetivo, o que possibilitou a realização de um número maior de projetos nos quais a Psicologia deixava de ser apenas uma ciência auxiliar à Psiquiatria e passou a ganhar mais espaço e autonomia.
Uma sensação que pairava no ar: a Psicologia era esperada pela instituição, pois já provara o gosto de tê-la por perto. Assim que chegou, imediatamente suas práticas foram solicitadas.
Todavia é importante que se observe, por coincidência ou não, que ela inicialmente não se fez da “clínica” no sentido puro desta palavra. Ela se fez do “Trabalho”.  Essa visão da Psicologia dentro do Hospital ainda predominava. O trabalho do profissional desta área parecia mais associado àquele no qual testes eram necessários, remanejar pessoal, trabalhar organizando as equipes, etc., era menos médico e mais psicológico. Assim, foi o começo oficial da Psicologia dentro do Jurujuba.
Uma vez aceso o “sinal verde” para as atividades do psicólogo recém-contratado, já em maio de 1972 foi iniciado um trabalho com os chefes de setores.  Provavelmente por já o conhecerem há mais de cinco anos, e também por já espontaneamente terem falado com ele sobre as dificuldades que encontravam na liderança de seus subordinados, mostraram-se motivados a fazerem um curso sobre liderança. Essa atividade recebeu o nome de “A Psicologia Aplicada às Relações Humanas”.
Os chefes de setor que participaram desse trabalho puderam discutir sobre os problemas materiais e pessoais que enfrentavam no momento.  No grupo eles conseguiram perceber que “todos” estavam enfrentando uma situação muito semelhante e que precisavam se organizar e colaborar uns com os outros para que o serviço de cada um pudesse ser realizado da melhor forma possível.  Descobriram que uns precisavam dos outros e que essa união era fundamental. Embora a proposta tivesse sido realizarmos um “curso”, pelo tema escolhido, o resultado foi além de uma simples informação sobre Psicologia das Relações Humanas. Eles viveram o relacionamento e puderam sentir na prática a teria que estavam aprendendo.
Um documento, escrito especialmente para ser discutido em uma das últimas reuniões desse grupo, registra claramente o teor de sensibilização gerado nele após cinco meses de trabalho e o grau de frustração que todos vivenciavam naquele ano.
O título dele: UMA REALIDADE – UMA ESPERANÇA
Partes do seu conteúdo revelam de forma clara o que se vivia no Jurujuba no início dos anos 70, assim como as consequências dessa realidade nos profissionais que trabalhavam nesse instituição. Vejamos:

“Há uma palavra que geralmente escuto durante nossas reuniões: RESPONSABILIDADE. Outras também são ditas, tais como: nosso PASSADO, nossa HISTÓRIA; o que falta é ORGANIZAÇÃO; o serviço de ENFERMAGEM NÃO FUNCIONA; os MÉDICOS não cumprem suas OBRIGAÇÕES; falta ROUPA para os pacientes; não há VERBA para consertar a máquina X; falta COMIDA (os FORNECEDORES não querem mais entregar os alimentos); a SECRETARIA DO HOSPITAL não funciona; não há LIMPEZA sistemática do Hospital; esse hospital SEMPRE FOI ASSIM E NÃO MELHORARÁ NUNCA; falta REMÉDIO na Farmácia; não há MÉDICO DE PLANTÃO hoje; não temos DINHEIRO PARA MANDAR O PACIENTE PARA CASA; falta MATERIAL DE ESCRITÓRIO; o diretor precisa ser MAIS EXIGENTE; há um número elevado de “ENFERMEIROS” mas que na realidade são  SERVIÇAIS IMPROVISADOS NA ENFERMAGEM; há SUPERPOPULAÇÃO no hospital; muitos PACIENTES SÃO BRUTALIZADOS pela enfermagem; os PACIENTES DA UFF SÃO PRIVILEGIADOS causando discriminação; etc.”

Esses temas eram a constante nos encontros dos grupos e funcionários. Por isso, questionou-se a “funcionalidade de tais queixas”:

“Qual a razão desse CAOS? O que leva o hospital a tal ponto?
Os argumentos que comumente são usados para justificá-lo são consistentes? Dizer que o hospital é do Estado e, por essa razão, não há condições para que funcione, pois faltam verbas, é suficiente como motivo? Será que  isso pode justificar  a FALTA DE HIGIENE, POUCA VONTADE DE TRABALHAR, A IRRESPONSABILIDADE DOS PROFISSIONAIS DO JURUJBA?
Outros argumentos, também usados, mostram-se igualmente inconsistentes, por exemplo: Eu sou funcionário público e ganho mal. Ninguém quer nada com o trabalho e não serei eu quem vai dar duro nele. Ora, afirmar tal coisa não significaria falta de dignidade, de respeito por si e pelos outros?
Quando o grupo afirma que “o Hospital tem seu passado, sua estória…” talvez seja necessário pensar sobre a importância de se saber sobre sua origem para, a partir daí, crescer. Todavia, certamente não parecerá correto adotar, por comodismo uma atitude somente contemplativa de tal passado, fixando-se neuroticamente nele.

Essas questões e outras que foram discutidas nos encontros realizados com os chefes de seção do hospital geraram momentos vividos com fortes emoções os quais se desdobraram em revisões de posturas e condutas profissionais dentro da instituição.

Esse grupo se reuniu até o final de 1972 e, tudo sugere, originou em novembro desse mesmo ano o primeiro pedido oficial da direção do hospital para que fosse realizado um trabalho com todos os funcionários daquela instituição, como mostraremos no item que vem a seguir.

A primeira solicitação oficial de atuação da Psicologia no Hospital de Jurujuba e a criação de um Serviço de Psicologia

Foi com surpresa e alegria que o Psicólogo do HEPJ recebeu da Direção desse hospital a Resolução 1/72, na qual ela considerava e resolvia o seguinte:

“O Diretor do Hospital Psiquiátrico:
– considerando a necessidade de melhor conhecer e utilizar os recursos humanos do Hospital;
– considerando as possibilidades abertas com a criação do Serviço de Psicologia,
RESOLVE:
1- Criar o “Programa de Levantamento de Recursos Humanos” com a finalidade de estudar o pessoal existente ou a chegar com vistas a sua melhor utilização sob os aspectos da seleção, orientação, readaptação e treinamento;
2- Encarregar o Serviço de Psicologia da execução do referido Programa…;
3- Durante a execução do mesmo a movimentação do pessoal será feita, tanto quanto possível com audiência do Serviço de Psicologia.”

É interessante notar que, uma vez oficializada a presença da Ciência Psicológica no ambiente Hospitalar, sua participação foi ampliada e se caracterizou não como um recurso puramente clínico. Ainda que algumas pessoas possam ver este fato como uma limitação, uma visão antiga da psicologia como um recurso ligado a seleção, treinamento, ou seja, algo distante da clínica, ele representou um ganho, um avanço considerável.
Através dessa proposta da Direção, abriu-se uma porta para a criação, implantação e desenvolvimento de uma Psicologia Institucional Psiquiátrica no Hospital de Jurujuba, uma área de certo mondo nova que surgia trazendo consigo inúmeras contribuições.
Por isso, essa foi mais uma conquista, ainda que modesta, dessa jovem profissão, pois seria lamentável se o campo desta ciência, a Psicologia, ficasse limitado, dentro de uma instituição considerada nos anos setenta basicamente médica, e identificado somente com clínica ou como uma simples extensão da medicina.
O que se pôde ver com essa resolução foi um aproveitamento mais amplo do potencial de Psicologia numa instituição.
Esse trabalho foi planejado no final de 1972 e concretizado em 1973. Contou com a ajuda dos primeiros estagiários do recém-criado Setor de Psicologia do Hospital de Jurujuba, tendo como um dos principais colaboradores o Psicólogo Guilherme de Souza Magalhães.
1973

A criação do “Estágio em Psicologia Clínica”

O fato de haver um Psicólogo trabalhando no Jurujuba despertou o interesse de estudantes que buscavam estágio nessa área. Nessa época o sistema de estruturação das faculdades não era como hoje, créditos. Iniciava-se no 1oano e concluía-se no 5o. Os estagiários só podiam iniciar seus estágios oficiais quando ingressassem no terceiro ano (hoje, quinto período).
Obedecendo a esse critério, e por solicitação de alguns estudantes que, espontaneamente, procuraram o recém criado Setor de Psicologia, foi iniciado o estágio com supervisão nessa área.
Os acadêmicos que buscaram estágio no Jurujuba  eram pessoas que se mostravam muito capacitadas, interessadas e dispostas a realizar atendimentos difíceis e  desafiadores. Tinham uma boa formação teórica e apresentavam como característica principal a vontade de fazer um bom trabalho. Eram, todos, jovens e idealistas.

As supervisões e estudos de aperfeiçoamento ocorriam em vários dias da semana e, com isso, foi sendo estruturado naturalmente o Estágio em Psicologia Clínica o qual veio a se organizar de modo mais seguro e eficaz nos anos seguintes, como será mostrado adiante.
No primeiro ano havia cinco estagiários.
No decorrer dos anos esse número foi aumentando e os critérios de seleção e treinamento foram sendo modificados. O objetivo do Setor era formar uma equipe que pudesse dar conta do trabalho que, como já se antevia, rapidamente chegaria num futuro bem próximo. Surgiria uma demanda natural a partir da divulgação da existência de um novo espaço de tratamento psicológico voltado para a população interna, mas também, e principalmente, para a comunidade externa.
Este ano foi profundamente rico. O mesmo aconteceu com os dois que a ele se seguiram. Neles, houve um contato mais intenso e extenso com o Hospital como um todo.

O surgimento do Serviço de Psicologia Clínica

O fato de ser necessário se fazer entrevistas com todos os funcionários, com o intuito de realizar uma análise profissiográfica, colocou o serviço de psicologia diante de uma nova realidade: a dos funcionários e seus problemas pessoais e profissionais.
Em decorrência desse novo fato, agora trazido à tona através do trabalho de remanejamento do pessoal da instituição, nasceu a necessidade da Equipe de Psicologia dar apoio a essas pessoas, pois delas dependia o bom andamento do Hospital como um todo.
Certamente sempre se percebeu as dificuldades vividas por grande parte do pessoal que trabalhava na Instituição. Entretanto, somente a partir dos dados concretos recolhidos ao longo do desenvolvimento daquele projeto foi possível definir com precisão a importância de se proporcionar uma assistência psicológica para os funcionários. E foi isso que aconteceu.
Grupos de funcionários, atendimentos individuais, atendimentos para parentes de funcionários, atendimentos de emergência para qualquer pessoa da instituição, tudo isso foi criado e exigiu a construção de um espaço físico no qual tudo isso seria realizado. Surgiu assim um “consultório” dentro do Jurujuba, o que – até então – não existia, concretamente.
O Serviço de Psicologia nasceu numa sala ao lado daquela onde funcionava a Farmácia. Ganhou móveis, cortinas, pintura nova…
Dois fatos simbólicos marcaram esse momento histórico da Psicologia no HEPQ:
– O primeiro deles foi um texto dado por uma funcionária para os que trabalhavam no Serviço de Psicologia;
– O segundo, a movimentação espontânea de vários funcionários na conquista da sala de Psicologia e na decoração dela.

No primeiro, o que se sentiu foi a sensibilidade de uma funcionária que, tendo participado dos grupos de encontro das chefia, antevia o significado e importância daquele recém-nascido Serviço para o Hospital, para seus funcionários e para a comunidade.
No texto dado por ela lê-se:

“SEMEIA SEMPRE
Autor (?)

No grande Cosmo, tu és um semeador, tu és presença e pessoa.
Não podes fugir à responsabilidade de semear…
Não digas: solo é áspero…
o sol queima…
chove frequentemente…
a semente não serve.
Não é tua função julgar a terra, o tempo e as coisas…
Tua missão é semear…
As sementes são abundantes e germinam facilmente.
Um pensamento, um gesto, um sorriso, uma promessa de alento,
Um aperto de mão, um conselho amigo, um pouco de água…
Não semeies, porém descuidadamente, como alguém que se desincumbe de uma missão ou cumpre uma simples tarefa.
Semeia com interesse… com amor… com atenção…
Como quem encontra nisso o motivo de sua felicidade!
E ao semear não penses: Quanto me darão? Quando será a colheita?
Recorda que não semeias para enriquecer, aguardando o ganho multiplicado: semeias porque não podes viver sem dar,
Porque não podes servir a Deus sem servir aos teus irmãos e aos demais homens…
És dono de ti mesmo e da vida…quando trocas o teu pouco com o outro.
Sem esperar recompensas… serás recompensado;
Sem riquezas … enriquecerás;
Sem pensar na colheita… seus bens se multiplicarão.
Porque semeias num Reino onde dar é receber…  onde dar vida é perdê-la para encontrá-la…
Onde gastar servindo é crescer e transformar.
Semeia sempre, em todo terreno, em todo tempo, a boa semente, com amor, com carinho, como se estivesse semenando o próprio coração.
Sai semeador…parte…prepara levando contigo tudo o que tens e acolhe o que o outro pode te dar…
Vigie e vele…. Lembre que o fruto é para PARTILHAR,  a glória é para o PAI, e na simplicidade diga OBRIGADO!
Sê pois um semeador… HOJE… AGORA… AQUI… E JÁ… “

(Documento dado pela funcionária Lúcia à equipe do Serviço de Psicologia do Hospital de Jurujuba no dia 10 de janeiro de 1973)

No segundo, sentia-se o entusiasmo de vários funcionários e a motivação deles para concretizar a proposta de construção de um espaço físico no qual viesse a funcionar o Serviço de Psicologia. Móveis antigos que estavam na oficina para reparo, armários subutilizados, cadeiras que não estavam em uso, lençóis manchados que foram tingidos de azul transformados em cortinas, todas essas coisas foram trazidas para a sala, até então vazia, passando a fazer parte da decoração do novo Setor do hospital. Essa decoração foi realizada por funcionários que, tendo recebido ajuda da recém-formada equipe de Psicologia, perceberam e valorizaram esse trabalho e viram nele um recurso necessário e importante para a melhoria das condições psicológicas deles.
Não demorou muito para que o Gabinete de Psicologia passasse a ser o ponto de referência para muitas pessoas que trabalhavam no Hospital e também para muitas outras que residiam próximo dele.
Assim, passo a passo, o Serviço de Psicologia Clínica foi sendo desenvolvido e criando sua própria identidade com atendimento a pacientes, funcionários, seus parentes e para a comunidade em geral.

Nota: Março de 1973- Comunicação do Serv. De Psicologia aos Funcionários  do H.P. e início dos atendimentos em nível de psicoterapia para funcionários às 6as. feiras das 09 às 12 h.

O Sucesso do Serviço de Psicologia Clínica começava incomodar

Algumas manifestações de funcionários, como aquela expressa através do texto “Semeia Sempre”, transcrito linhas atrás, trouxe um grande e importante incentivo para que a equipe prosseguisse ampliando suas atividades. Muitas pessoas foram atendidas durante o ano de 1973. Esse fato gerou uma situação inesperada.  Já no início do ano de 1974 , sucesso visível da Psicologia do Hospital de Jurujuba incomodou algumas pessoas, ou grupos de pessoas, ou a uma pessoa em especial. Na realidade, nunca se soube, com certeza, de quem partiram as cartas anônimas, através das quais seu remetente sugeria o fechamento desse Serviço e o término de suas atividades, além de fazer comentários de cunho racista (nazista?), e usar palavras pouco elogiosas em relação ao responsável pelo Serviço de Psicologia.
Inicialmente esta carta deveria ser anexada apenas no final deste trabalho, mas , ao relê-la, ficou claro que a  transcrição de seu conteúdo aqui poderia dar uma ideia mais precisa sobre o nível da ameaça experimentado por pessoas do hospital no momento em que a Psicologia começou a ganhar força e espaço dentro da instituição. Então vejamos:

“  Niterói, 29 de abril de 1974
Ilmo. Senhor
José Belas
Hospital Psiquiátrico
N E S T A

Prezado senhor,

Lamento que através os seus conhecimentos de Psicologia
não tenha ainda percebido que desde que aqui chegou, outra coisa não tem feito, senão o seu próprio tratamento contra este tremendo complexo de inferioridade latente em sua face, motivado talvez por ter nascido com esta pigmentação negra, fruto de uma concepção de casta inferior, também causadora desta terrível frustração que tem acabado com seus dias.
José, espero que a partir do recebimento desta, procure recolher à sua sala de trabalho e daí, através de cada paciente mais infeliz do que você, deixe expandir os seus traumas da infância, para que assim também fosse, aos poucos, livrando destes recalques oriundos de berço, talvez por ter sido produto de uma herança de pigmentação preta   ………(ilegível por perda da cor das letras)…
…Desde os bancos da Faculdade,…tendo exercido outras especialidades dentro da Medicina, tenho procurado, nas horas vagas, isto para ajudar indivíduos iguais a você a se livrar dos recalques, ler um  pouco de psicologia.  Compreendo que os recalques, as frustrações e a vontade de igualamento às pessoas de pigmentação branca, tem sido a maior preocupação de vocês desde os tempos primitivos.  Mas o que você vem fazendo no hospital, através desta sua melosidade de característica epilética, tem sido até motivo de zombaria entre os componentes do corpo clínico, razão pela qual, por pena, resolvi escrever-lhe aconselhando-o a recolher-se ao seu local de trabalho e deixar de ser alvo de gozação entre meus colegas, que já te apelidaram de bom crioulo metido a ser médico, mas que nem na sua profissão merece crédito.
Procure nos ensinamentos de Gonçalo, K. Young, La Pirre e tantos outros, quando dizem entre outras coisas o seguinte: ( Texto em espanhol, não legível)…
Como você está vendo, baseando-se nestes ensinamentos, dentro de pouco tempo estará libertado deste atormentador complexo que, noto, tem lhe causado angústia.
Aliás, eu sempre digo aos meus colegas, quando nos reunimos para analisarmos problemas iguais aos seus e que ventilamos o seu caso, que por trás desta sua atitude exageradamente expressiva, tentando disfarçar o seu péssimo caráter (o que poderá ser modificado porque ainda vejo possibilidades), do controle inexpressivo dos seus atos e gestos, pudesse esconder o que todos sabem a seu respeito, procurando iludir as mentes também em conflito, com esta vozinha um tanto afeminada e com este sorriso paranóico indisfarsável.
Concordo com Gobinaeu quando em seu trabalho de pesquisa faz menção à pigmentação preta. Compreendo que este seu procedimento seja motivado pela sua herança biopsiquica.  Mas gostaria também de lhe avisar que esta alteração desvirtuada no seu caráter, tem cunho adquirido porque, em psicologia (queira perdoar-me se achar que estou invadindo a sua área) se aprende que caráter é toda reação adquirida que se torna mais ou menos estável. Por isso, procure modificar o seu, injetando de vez em quando um pouco mais de equilíbrio emocional, mesmo que para tanto seja necessário recorrer a terapia de choque para evitar este fenômeno que lhe é peculiar, ou seja, esta alteração constante-incoerente-intrapsíquica.   E lembre-se que quando as pessoas são realmente dotadas de qualidades genéticas não sentem necessidade de fugir do seu meio, e procurar ser um parasitaria nos meios superiores (pretos tentando se infiltrar nos meios superiores) porque não é um sorriso forçado, um gesto artificial e nem outros subterfúgios..(que poderão mudar?)…… (ilegível…) seus cromossomos genéticos.
Ora, o seu problema de genético está passando à social, e se não tomar cuidado, dentro de pouco tempo poderá haver uma destruição total no seu senso de autocrítica, o que poderá também levá-lo ao desespero e em seguida ao caos.
Confiante na sua recuperação total, procurando a partir do recebimento desta, que se dedique somente ao atendimento dos pacientes para os quais você foi nomeado, mas para  os quais até hoje nada fez e até mesmo não tem uma ficha de atendimento dos mesmos, espero não ser preciso outras cartas para que você  possa começar uma tarefa que já devia estar chegando ao fim, que é a sociabilidade do doente e de seus familiares. Se não, como justificar a sua contratação para o cargo?
Outra coisa, o novo chefe da clínica disse que não sabe qual a sua função no hospital, se é para tratar de alguém ou para ser tratado através da autoanálise. Somente por isso, ainda não procurou fiscalizar você no que se refere ao atendimento dos pacientes, coisa que em breve o fará através de portaria baseada nos poderes a ele conferidos.
Esperando ser compreendido e não repudiado por lhe ter clareado a mente, embora em alguns itens tenha sido um pouco deselegante,
Despeço-me.

Seu amigo

Nota: Esta carta foi enviada pelo Correio, era escrita à máquina e continha muitos erros de português.

Após a leitura desta mensagem anônima, o leitor poderá sentir a intensidade da força que atingiu o hospital a partir dos primeiros sinais da atividade de Psicologia dentro dessa instituição.
Ao recebê-la sentimos que muitas pessoas estavam mexidas e assustadas. Havia insegurança e preocupação no ar. Uma ameaça foi vivida, e uma reação a ela se fez como intimidação, anônima, covarde (coisa de fracos medrosos). A resposta que demos a essa tentativa de intimidação foi, apenas, o registro e acusação deste fato, através do encaminhamento desta carta ao Diretor do Hospital e sua apresentação ao grupo de estagiários, para que todos tomassem conhecimento daquela ocorrência.
Parece que esse acontecimento, ao invés de gerar uma retração, paralisação ou de algum modo intimidar a equipe, ao contrário, foi um incentivo para o aumento do ritmo do trabalho de todos que ali atuavam.
A equipe do Serviço de Psicologia percebeu mais ainda o grau de importância das atividades que desenvolviam no Hospital. Aquela carta era a prova disso.

A criação da CAIXA HOSPITALAR DO H.J.

O atendimento à comunidade trouxe para um dado muito novo: o setor precisava de recursos materiais que não seriam disponibilizados pelo Hospital por falta de verbas.
Criar uma CAIXA HOSPITALAR DO HOSPITAL DE JURUJUBA pareceu ser uma boa ideia. Através dela poderiam ser arrecadadas doações e com isso os recursos necessários para a manutenção e melhoria dos serviços oferecidos.
A Caixa foi criada em novembro de 73. Tinha uma diretoria eleita e suas arrecadações eram devidamente contabilizadas e apresentadas com regularidade nas reuniões dos profissionais que a compunham. Ela ficou em atividade por aproximadamente dois anos e teve um papel importantíssimo na realização de vários projetos do Setor, como veremos mais a frente.

1974

O Serviço de Psicologia e sua proposta para formação de uma Equipe de Tratamento

Os dois anos após 1973 foram talvez os mais produtivos e ricos, entre todos os vividos pelo Serviço de Psicologia.
Em 1974 o trabalho desenvolvido por sua equipe foi muito intenso. O entusiasmo tomava conta do grupo. Cada dia vivido ali gerava um crescimento que se dava em todas as direções. O número de pessoas atendidas superava as expectativas. Entre as que foram beneficiadas com a escuta oferecida pelo Serviço encontravam-se os funcionários, os pacientes internados e os egressos, bem como suas respectivas famílias. Além desses, também pessoas da comunidade foram recebidas pelo “Serviço de Psicologia do Hospital de Jurujuba”.
Com o aumento da demanda, cresceu também a variedade de quadros clínicos e a necessidade da colaboração de profissionais de outras áreas para que o processo de tratamento ocorresse de modo eficaz.
Em Fevereiro de 1974, as pessoas que trabalhavam no Setor de Psicologia experimentaram uma crescente sensação de precisar desenvolver um trabalho integrado com os outros profissionais que compunham o corpo clínico do Hospital. Por isso, resolveram lançar a proposta de realização de uma pesquisa a qual foi denominada H.P.1/74.  Esse trabalho tinha como objetivo o estudo sobre a melhora no atendimento do paciente através da constituição de uma EQUIPE DE TRATAMENTO composta por: Enfermeiros, Psicólogo, Médicos, Terapeutas Ocupacionais e Assistentes Sociais.

As ideias principais contidas naquele projeto-convocação foram as seguintes:

– O trabalho de assistência ao doente mental é profundamente desgastante;
– Esse desgaste se intensifica quando essa assistência é dada somente através de trabalhos profissionais isolados e diminui quando realizado em equipe;
– Do modo como o trabalho está sendo realizado hoje, poderíamos afirmar que estamos realmente tratando as pessoas que nos são confiadas?
– Até que ponto a maneira como realizamos nossas tarefas e as frustrações que advém delas não estariam nos levando a uma mecanização da assistência que damos a esses pacientes psiquiátricos?
– Nossos psiquiatras, mesmo os idealistas, não estariam se transformando em meros “receitadores de remédios”? Isso não seria um distanciamento das características básicas dessa profissão: o interesse pelo humano, sua ação assistencial, sua vocação pela compreensão das pessoas e sua dimensão existencial?
– O foco no psiquiatra e na psiquiatria deve-se ao fato do profissional dessa área ainda ser colocado como “único” encarregado do tratamento do paciente psiquiátrico e aquele que decide sobre o destino das pessoas portadoras de tais “doenças”.
– A constatação dessa polarização, citada no item anterior, sugere a necessidade de uma revisão desse esquema de tratamento o qual deverá caminhar no sentido da criação de uma Equipe Pluriprofissional que passaria a ser responsável pela assistência aos nossos internos.
– Tal mudança poderá criar alterações na forma como trabalhamos e nos levar à valorização do Outro, o respeito por ele, o desejo de ajudá-lo, compreendê-lo e aceitar suas reais dificuldades. Esses são valores que norteiam todos aqueles que se laçam nessa árdua, humana e apaixonante área profissional que é a da assistência ao paciente portador de transtornos psiquiátricos.
– Se, ao atender seus pacientes, nossos psiquiatras puderem contar com a participação de outros profissionais da saúde, com suas observações sobre aqueles internos, obtidas através de enfoques teóricos e técnicos diferentes dos seus, certamente a qualidade e o resultado do tratamento dado em nossa instituição  aumentará.
– As ideias apresentadas nesse projeto não são originais. Somente sugerem a criação de um trabalho integrado do qual pudessem participar os profissionais que possuíssem, em comum com a Equipe da Psicologia, vontade de realizar algo que produzisse “resultados concretos”, estimulantes, e que representasse o melhor que poderíamos oferecer às pessoas internadas em nosso Hospital. O que , até então, é considerado por nós como  apenas uma ideia válida (formar uma equipe) poderá se tornar uma realidade igualmente válida. Tudo dependerá de nós.”

Infelizmente essa ideia não teve uma receptividade suficientemente forte para ser concretizada. Ainda era cedo para se realizar essa proposta. Os profissionais convidados a participarem deste projeto precisavam de mais tempo para amadurecer a ideia de trabalho em equipe, ou tempo para acreditar numa proposta que partia da Psicologia. Os reais motivos da não concretização desse projeto nunca ficaram claros.

Início de integração psiquiatria-psicologia no trabalho de atendimento ao paciente internado.

Em março de 1974, com alguma frequência, psiquiatras do hospital faziam  encaminhamentos de pacientes ao Serviço de Psicologia para atendimento psicoterápico e para avaliação psicológica ( testes de – personalidade, inteligência, etc.) o que demonstrava que o trabalho desse grupo, ainda que lentamente, ia ganhando espaço, tendo seu valor e credibilidade reconhecidos, sugerindo assim o esboço da possibilidade de, num futuro não muito longínquo,  ser criada   uma  equipe de profissionais.

Esse tipo de encaminhamento aumentou nos meses seguintes. Era como se um novo olhar estivesse sendo lançado sobre o Serviço. Psiquiatras das enfermarias começaram a encaminhar vários pacientes para que fossem avaliados e, a partir disso, fossem dadas sugestões no sentido de definir algum tipo de ocupação mais adequada aos seus quadros clínicos. O objetivo era inserir os pacientes em algumas Seções do HP integrando-os à comunidade hospitalar. Acreditava-se que esse tipo de atividade pudesse influir positivamente no resultado do tratamento dado a essas pessoas.
Essa participação da Psicologia era semelhante a de um serviço de seleção e colocação profissional e o objetivo perseguido era mudar a dinâmica do tratamento que, até então, se baseava praticamente  na medicação e nas atividades de TO ( pinturas, desenhos, esculturas, grupos ) nos ateliês destinados a isso.
Uma vez avaliado o paciente, no que se refere aos seus potenciais, e coloca-lo numa seção do hospital para desenvolvê-los, era, sem dúvida, uma atitude nova que apontava para uma grande mudança.  Esta só iria ocorrer – efetivamente –alguns anos mais tarde.

Os atendimentos à comunidade externa como fonte de recursos  para os projetos do Serviço de Psicologia: a CAIXA HOSPITALAR

Se nem sempre havia dinheiro suficiente para a comida dos pacientes, o que se esperar para a compra de materiais para o Serviço de Psicologia e para a realização de seus projetos?
A quantidade de pessoas que buscavam atendimento psicoterápico, aconselhamento e orientação, crescia de forma espantosa. Parecia que este espaço de tratamento era há muito tempo esperado pela comunidade. Até então raramente uma pessoa “sadia” era atendida nessa instituição, talvez por ela carregar um rótulo e uma tradição associados ao atendimento de loucos, de doentes mentais.
Além dos atendimentos psicoterápicos realizados pela equipe de estagiários e pelo psicólogo responsável pelo Serviço, outras atividades também eram desenvolvidas, principalmente cursos e grupos de estudos sobre Terapia Centrada no Cliente. Elas exigiam que tivéssemos materiais tais como papéis, tintas, fitas para máquina de datilografia, lápis, canetas. Em outras palavras, para o trabalho ser realizado era preciso dinheiro, coisa rara por ali.
Em uma reunião com alguns profissionais do Hospital que começaram a participar mais de perto das atividades desenvolvidas pela equipe da Psicologia, surgiu a ideia de se criar uma “Caixa Hospitalar”. A intenção era captar doações de pessoas da comunidade com o objetivo de ampliar o trabalho com pacientes do hospital e melhorar as condições técnicas do Serviço, através da aquisição de materiais necessários à realização das atividades profissionais, já que os recursos que chegavam do Estado eram precários e cercados de limitações decorrentes da burocracia dos serviços públicos.
Em julho de 1974, como o que era conseguido via doações ainda era insuficiente, foi realizada uma Reunião com os Diretores e Conselheiros da Caixa Hospitalar do “HOSPITAL PSIQUIÁTRICO” e, decidido que os atendimentos à comunidade poderiam ser também fonte de recursos.
A ideia era solicitar das pessoas atendidas pelo Setor de Psicologia que contribuíssem através de uma taxa. Essa taxa variava ser desde o valor mínimo  (simbólico), do qual pudessem efetivamente dispor, até um valor com o qual, voluntariamente, quisessem contribuir.
Creio que se fosse feita uma comparação com os valores atuais (2013) essas taxas seriam de, no mínimo, R$ 5,00 por consulta e poderia chegar até R$ 20,00, aproximadamente, ou até mais se o cliente se dispusesse a contribuir com valores acima desse limite.
O dinheiro arrecadado pela Caixa Hospitalar, destinado inicialmente apenas cobrir os gastos financeiros do Serviço, sofreu uma ampliação de seus objetivos. Passou também a beneficiar os pacientes, ao ser usado para compra de remédios não disponíveis na Farmácia e essenciais ao tratamento deles.
A Caixa, que funcionou até meados de 1977, foi também fundamental para a publicação dos dois volumes da “Revista de Psicologia do Setor de Psicologia do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba”. Essa revista foi responsável pela divulgação oficial dos trabalhos realizados nessa instituição nos diversos círculos acadêmicos do Estado do Rio de Janeiro (PUC, SANTA ÚRSULA, GAMA FILHO, UFF e UFRJ) dos quais vieram a maior parte dos estagiários que formaram as equipes de atendimento psicológico desse Hospital. Sobre essas revistas e seus conteúdos falaremos mais a diante.

Com o passar do tempo, a confiança dos profissionais da instituição no trabalho que era realizado pela Psicologia foi aumentando. Mais uma solicitação importante surgiu e, com ela, também mais um passo na caminhada para o reconhecimento e desenvolvimento do Serviço: início do atendimento a funcionários do hospital, por solicitação da então Auxiliar de Ensino da Área de Psiquiatria.

A Psicologia na Admissão de Pacientes

Em setembro de 1974, uma questão importante foi vivida por toda a equipe do Serviço de Psicologia.
Cada vez mais, os estagiários conviviam de perto com um problema que os preocupava e afetava uma série de convicções suas.
Algumas pessoas chegavam à Admissão e, muitas vezes, acabavam sendo internadas porque suas histórias não estavam sendo ouvidas como deveriam. Não havia, muitas vezes, nesse setor de admissão, profissionais que escutassem de forma mais atenta, ampla e cuidadosa as histórias que os pacientes lhes narravam.
Naquele momento, essa era a conduta mais comum nos hospitais psiquiátricos em geral. Não se tratava de displicência ou incompetência dos profissionais que ali atuavam. Ou seja, muitos simplesmente faziam o que era a norma da época nas instituições desse tipo.
Fazia-se anotações sobre o problema apresentado pelo paciente. Juntava-se essas informações com as já existentes em seus prontuário antigo (quando se tratava de reinternações). Se fosse sua primeira vinda ao Hospital, juntava-se também as informações colhidas através do acompanhante daquele paciente (quando havia acompanhante ), ou dos policiais que haviam trazido aquela pessoa. A partir disso era feito um diagnóstico provisório. Esse diagnóstico poderia justificar, ou não, uma internação. Entretanto, as conclusões às quais chegavam, principalmente nos atendimentos que saiam da rotina psiquiátrica, eram equivocadas e algumas vezes o paciente acabava sendo internado sem que houvesse, realmente, indicação para tal procedimento.
Diante desse fato, a equipe do Serviço de Psicologia, começou a questionar os critérios para a admissão de pacientes que “não precisariam de internação” e, consequentemente, a discutir também as possíveis razões que teriam contribuído para a decisão de interná-las.
Após diversas discussões, o grupo da Psicologia concluiu que muitos casos de internação poderiam ter sido encaminhados para tratamento ambulatorial se, durante a entrevista de admissão, o paciente tivesse a oportunidade de “falar mais um pouco sobre seus problemas”.
Chegou-se à conclusão que os profissionais da Psicologia (o supervisor e seus estagiários deste ano) poderiam estar mais presentes quando as pessoas chegassem para serem atendidas pelo médico plantonista, geralmente o único responsável pela entrevista inicial e pela internação.
Além disso, elas receberiam um acompanhamento durante algum tempo, como um suporte psicológico, até que se pudesse, com mais segurança, definir os rumos do seu atendimento.
Um fato constatado pela equipe foi que muitas pessoas chegavam solicitando somente ajuda e não internação.
E mais, muitas delas estavam vivendo um momento de crise, sem que isso significasse que fossem portadoras de uma patologia mental severa.
Diante da constatação de todas essas questões práticas, vividas no dia a dia do Serviço de Psicologia, foi proposta a criação de um Serviço de Plantão Psicológico.

O Serviço de Plantão Psicológico no Hospital de Jurujuba

Nas reuniões de supervisão dos estagiários de Psicologia Clínica, geralmente o supervisor trazia para seus orientandos alguns textos para estudo e debates.  Muitas vezes o texto proposto para discussão tinha origem nas experiências vividas  no dia a dia do Jurujuba.  O que recebeu o título “DIA 07 DE AGOSTO DE 1974“ foi um deles. Este material se encontra publicado no site www.jlbelas.psc.br e relata uma experiência, entre outras, que mostrava a importância e necessidade da criação de um serviço de plantão psicológico. Ele funcionaria como auxiliar na recepção das pessoas que procurassem o hospital por não se sentirem bem do ponto de vista psíquico.
Em 1974 a equipe de psicologia acreditava poder evitar a internação de algumas pessoas que lá chegavam.
O que esse grupo vivia ali era suficiente para levá-lo a crer que muitas pessoas, que iam para lá, não precisariam ficar internadas, mas simplesmente receber um atendimento ambulatorial no qual fossem incluídos, pelos menos, dois tipos de ajuda: psiquiátrica e psicoterápica. Em alguns casos precisavam de orientação do Serviço Social.
Nessa época o atendimento psicológico num hospital psiquiátrico era ainda visto como secundário, as opiniões dos psicólogos eram bastante questionadas e consideradas “frágeis”. Afinal de contas, tratava-se de um Hospital Psiquiátrico e, logicamente,  o “dono da casa” era o médico.
Esta situação hierárquica, que predominava na década de 70, não concedia  aos profissionais da psicologia do Jurujuba um poder que lhes permitisse efetivar suas propostas “antimanicomiais”.
Essa realidade era tão gritante que mal conseguiam participar de uma “entrevista de admissão”. Quando isso ocorria, os psicólogos eram basicamente espectadores, auxiliares do psiquiatra, com exceção de alguns médicos que mantinham uma conduta bastante lúcida em relação aos papéis desses dois grupos profissionais.
O médico de plantão era quem decidia sobre a internação, ou não, de quem chegasse ao HP, trazido pela família, pelo Corpo de Bombeiros ou pela polícia.
O que foi narrado, nesse pequeno escrito intitulado “Dia 07 de agosto de 1974”, aconteceu nesse dia e nesse mês, nesse ano. Mostrava a necessidade de reter algumas pessoas fora da instituição, evitando que elas fossem estigmatizadas com isso, marcadas pelo “rótulo” de doente mental. Essa crença,  exigiu de todos da equipe perseverança e um grande empenho. A meta traçada em 1974 só seria atingida plenamente quando a política de saúde veio a sofrer mudanças, isso somente nos anos 80.

O TEXTO ORIGINAL

“DIA  07  DE  AGOSTO  DE  1974”
Hospital Estadual Psiquiátrico – Jurujuba – Niterói – RJ
José Luiz Belas

Nesse dia eu a conheci.
Tinha, então,  17 anos.
Chegou para ser internada.
Seu rosto jovem, limpo, moreno rosado, sadio.
Seu olhar, desconfiado como o de um cãozinho que levou umas boas varadas no lombo.
Seu corpo, de carnes hígidas, mostrando a plenitude de sua adolescência.
Seus cabelos, ainda com o brilho que só o das crianças possui.
Falamo-nos pouco.
Tentei retê-la “fora das grades”.
Era tão nova! Tão sadia!
Mas as pessoas queriam ficar livres dela. Insistiram.
Sugeriram a necessidade de um exame ginecológico: talvez ela não fosse mais virgem!…
Esse fato, ou essa dúvida, era suficiente para que as pessoas que “tomavam conta dela” não mais pudessem ter confiança naquela jovem. Seu olhar mostrava, às vezes, ódio. Um ódio do mundo. Um desprezo pelas pessoas. Uma superioridade. Uma desconfiança no amor que vinha, de fora, até ela.
Num sábado, trouxeram-na e internaram a “menina”.
Quando cheguei, na segunda-feira seguinte, ela já estava lá, de azul, atrás das grades, como um pássaro cansado de voar.
Seu rosto – ainda me lembro bem – parecia dizer: acabou tudo, fui vencida.
Agora ela percebia a intenção dos seus “tutores”.
Já não havia dúvidas. E me pedia: quero ir embora, tire-me daqui!
Mas eu já não tinha mais força para arrancá-la das garras da “loucura instituída”.
Há duas semanas atrás – seis anos depois do nosso primeiro encontro – eu a vi perambulando pelo centro da cidade, maltrapilha, suja, com o rosto envelhecido, cabelos secos, duros, sem vida.
Ela me olhou nos olhos e fez um gesto como se quisesse falar alguma coisa.
Não consegui encará-la. Foi difícil para mim.
Fiquei muito triste.
Gostaria de ter conseguido parar, falar com ela, olhar nos seus olhos, sei lá, fazer alguma coisa!
Mas algo, dentro de mim, me brecava: não vai adiantar nada!
Hoje, vi uma jovem de 23 anos, de roupa azul, junto com outras moças também de azul, como um bando de azulões.
Ela cantava e as outras também.
Seu canto era monótono,  rouco. Sua voz parecia cansada, surda, abafada. Seu olhar, distante. Seu modo de ser, como um monumento carcomido pela erosão.
Senti uma coisa muito ruim dentro de mim.
ELA ESTÁ DE VOLTA!  (ao hospital)
Cada vez que volta, parece mais velha.
Ela, que, pela idade, poderia ser minha filha, está com a fisionomia de alguém que já viveu séculos de sofrimentos.
Não posso deixar de pensar:
O que estamos fazendo por essa vida?
O que estou fazendo por essa vida?
O que estou fazendo com a minha vida?
Não tenho respostas ou não as quero ter?
Só sei que não é bom o que estou sentindo agora.

Situações como a que foi narrada no texto acima agiram sobre a equipe de tal forma que sem dúvida ficou evidente a necessidade de, urgentemente, se lutar para que fosse criado um serviço que pudesse, pelo menos, minimizar fatos como os contidos nessa narrativa.
Assim, extraoficialmente, foi criado um Serviço de Plantão Psicológico do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Funcionava de 2a. à sábado e contava com a participação do Psicólogo Supervisor e dos primeiros estagiários de Psicologia do Jurujuba. Os atendimentos oferecidos nesse plantão eram dirigidos a pacientes, egressos, funcionários e pessoas da comunidade em geral.

Questões éticas e de identidade profissional

Com o surgimento do nosso Serviço, que ocupava um espaço físico dentro de uma instituição tradicionalmente Médica, também surgiram vários problemas: os de identidade profissional, os éticos, os legais, e outros menos complexos.
Realmente com a atuação concreta da Equipe Psi dentro do Jurujuba, o poder Médico ficou, de certo modo, dividido com o desses novos profissionais que começavam realizar tarefas até então únicas e exclusivas do Psiquiatra.
Houve um momento, em novembro de 74, em que o trabalho psicoterápico com alguns internos, realizado por psicólogos do Setor de Psicologia, era comprometido pela ação dos psiquiatras daqueles pacientes. Esses médicos, mesmo tendo “consentido” que “seus pacientes” vivenciassem o processo psicoterápico com o Psicólogo, nem sempre colaboravam com as propostas dos psicoterapeutas quando esses solicitavam que as rotinas das medicações daquelas pessoas fossem reformuladas para que não interferissem no tratamento psicológico em curso.
A despeito do combinado, alguns médicos não levavam em consideração tais pedidos, não reconhecendo assim o valor no tratamento que estava sendo realizado com seu paciente, principalmente quando se tratava dos mais desestruturados.  Com isso ele desconsiderava não só os profissionais da Psicologia como também não demonstrava acreditar na validade dos métodos psicoterápicos aplicados a tais pacientes. O que ficava subentendida era a crença antiga que não via possibilidade de o paciente psiquiátrico poder se beneficiar de uma intervenção psicológica. A eles restavam somente a ação dos remédios, pois seriam refratários a qualquer outra forma de terapia. Os pacientes psiquiátricos não seriam, portanto, “terapáveis” (termo criado pela equipe psi do hepq nos anos setenta)
Em uma reunião da equipe de Psicologia na qual foi discutido o problema da falta de clareza que pairava na instituição quanto aos campos e atribuições desses dois grupos profissionais, ficou resolvido  que, para evitar dificuldades no trabalho a ser realizado com os pacientes, seria importante encaminhar uma documentação específica à Direção do Hospital e ao Titular  da Cadeira de Psiquiatria da UFF e seus Coordenados. Tais documentos eram basicamente a RESOLUÇÃO Nº 04/74 –CFP e o Parecer aprovado no III Encontro Nacional de Sociedades de Psicologia, realizado em junho de 1973. Em ambos, os aspectos legais e éticos que norteiam a profissão de Psicólogo são exaustivamente apresentados. Com isso esperava-se que surgisse não só uma melhor compreensão das atividades legalmente relacionadas ao profissional da Psicologia numa instituição psiquiátrica, como também um delineamento maior de suas atribuições dentro da equipe de tratamento.
As cartas dirigidas ao Diretor do Hospital de Jurujuba e ao Titular da Cadeira de Psiquiatria da UFF poderão ser lidas nos anexos colocados no final deste trabalho.
Essa medida foi muito importante, pois, a partir dela, as áreas de atuação de cada um daqueles profissionais ficaram bem mais definidas, evitando-se assim os conflitos desnecessários que costumavam ocorrer somente por desconhecimento do que já estava estabelecido na lei.

Lançamento da Revista de Psicologia do Jurujuba

Em dezembro de 1974, a Equipe de Psicologia conquista uma grande vitória com o lançamento da REVISTA DE PSICOLOGIA DO SETOR DE PSICOLOGIA DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO JURUJUBA- Ano 1 – No. 1 Dezembro de 1974 .
O conteúdo dessa revista – impressa através de um mimeógrafo a tinta – era composto por seis artigos baseados em vivências dos sete estagiários deste ano do Serviço de Psicologia.
Quando surgiu a ideia da realização desse projeto o grupo tinha o propósito de levar ao conhecimento público o que se estava construindo no Hospital de Jurujuba.
Queria que soubessem que lá havia um grupo de psicólogos trabalhando, mas, além disso, que conhecessem também a qualidade do que realizavam.
Os autores tiveram a preocupação de passar para os leitores um pouco do que vivenciaram com os pacientes que eles atenderam e com a instituição como um todo.
Para toda a equipe era muito importante divulgar o que os estagiários faziam no Hospital, pois, através disso as pessoas de fora da instituição poderiam perceber o valor e a seriedade de seus trabalhos, criando a possibilidade de mudança na percepção preconceituosa que a comunidade ainda tinha do Jurujuba: hospital de malucos, depósito de loucos…
A publicação de 1974 ainda foi lida por um número limitado de pessoas.  O dinheiro para publicá-la não era muito.
Talvez seja interessante deixar aqui escrito pelo menos a sua introdução:

INTRODUÇÃO

É com grande satisfação que lhes entrego este trabalho, fruto da vivência de muitos, junto ao paciente psiquiátrico internado.
Muitas questões foram levantadas. Algumas parecerão críticas às instituições psiquiátricas; outras, reflexões gerais sobre a “doença” ou sobre o “doente”.
Tudo, porém, é mais um grito angustiado de alerta, de decepção e, ao mesmo tempo, de esperança, que leva o Acadêmico a se sentir, cada vez mais, responsável por seu papel profissional dentro de um hospital para doentesmentais.  Ao lerem este trabalho, não pensem no Hospital X ou Y.  Pensem numa realidade que transcende ao nosso Estado, a nosso País, etc. e que, por isso mesmo, é muito mais séria, muito mais angustiante.  Esta realidade atinge a visão do homem pelo homem.
Os trabalhos aqui apresentados- todos – são questionáveis.  Por isso, seus autores se colocam à disposição de todos aqueles que desejarem esclarecimentos sobre as ideias que lançaram em seus artigos.

A receptividade a essa iniciativa foi muito boa. O entusiasmo entre todos aqueles que participaram de sua elaboração foi crescendo e imediatamente surgiu a proposta de continuar lutando para que fosse lançado o número 2 dessa revista, o que de fato ocorreu sete meses depois, em julho do ano seguinte. A novidade: agora impressa em off-set.
Para concluir este breve relato sobre o que significou o fantástico ano de 1974, para todos que trabalharam no Serviço de Psicologia do Hospital, talvez mais duas informações possam retratar bem o que foi mostrado aqui.
A primeira diz respeito ao início das discussões sobre o novo REGIMENTO DO CORPO CLÍNICO. Lembrem-se que falamos bem no início deste trabalho que a Psicologia NÃO FAZIA PARTE DO CORPO CLÍNICO. Não é possível afirmar que, depois de tanta presença REAL na instituição, isso não tenha gerado uma revisão naquele regimento.
Em um documento procedente do

GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
SECRETARIA E ESTADO DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA
HOSPITAL ESTADUAL PSIQUIÁTRICO

REGIMENTO DO CORPO CLÍNICO
CAPÍTULO I
DA DEFINIÇÃO

Artº 1º – O Corpo Clínico é uma organização com governo e avaliação próprios, responsável perante a administração superior do Hospital pelo seu trabalho, pelos seus resultados, e pela prova de tais resultados, feridos nos padrões  éticos e profissionais adequados.
Artº 2º – O Corpo Clínico desempenha suas funções na Unidade Médica do Hospital que é constituída:
a) Clínica Psiquiátrica
b) Clínica Médica
c) Clínica Psicológica
d) Serviços Médicos Auxiliares

A segunda são os números do Relatório do Ano de 1974.
Relatórios passaram a ser “marca registrada” do Serviço de Psicologia. Mesmo antes da exigência desses documentos por parte da Direção do Hospital, estagiários e supervisor tinham como hábito registrar suas experiências. A revista editada pelo grupo é apenas um exemplo do que acaba de ser dito linhas acima. Os grupos de estudo, as supervisões, e até as anotações no LIVRO DE OCORRÊNCIAS , tudo isso nada mais significa se não registros históricos das experiências vividas por todos que faziam  parte da Equipe da Psicologia.
O conteúdo desse Livro de Ocorrências possivelmente será transformado numa outra publicação que mostrará todos os tipos de emoções vividas no Serviço, sua ligação com a instituição e as pessoas que por ele passaram como profissionais, ou como clientes.
Segundo o relatório desse ano, sessenta pessoas foram atendidas, e as atividades foram distribuídas entre:
1- Psicodiagnóstico  – 16 pessoas
2- Orientação Psicopedagógica       – 2 pessoas
3- Psicoterapia e Aconselhamento – 42 pessoas

Pacientes Internados atendidos:
a- de Niterói e adjacências – 6 pessoas
b- do interior do Estado      – 2 pessoas

Pacientes Egressos atendidos:
a- de Niterói  – 4 pessoas
b- do Interior do Estado – 1 pessoa

Atendimento a pessoas da Comunidade:
a- de Niterói e adjacências – 45 pessoas
b- do Interior do Estado   –   2 pessoas

Em síntese:
13 pacientes do HP , ou seja 22% do total atendido;
47 pacientes da comunidade,78% do total atendido.

Este ano foi muito produtivo, intenso, emocionante para os quatro estagiários e o supervisor que participaram desses 60 atendimentos. Foi um ano de luta por um espaço profissional , pelo reconhecimento, seriedade e valor científico da Psicologia num Hospital Psiquiátrico.
Na conclusão desse relatório, lê-se:

Pelos dados expostos acima, o setor, em 1974 cresceu muito e se dedicou basicamente ao atendimento à comunidade com ótimos resultados.  Por isso , em 1975 este trabalho deverá continuar de forma mais organizada, já que foi criado um clima de confiança na qualidade do trabalho oferecido.
Em 1975 serão selecionados mais seis novos estagiários os quais serão treinados para atividades de atendimento mais intenso seguindo a escala de plantão iniciada no corrente ano.
O setor participou de várias atividades recreativas de grupos de estudo, grupos operativos, projetos dirigidos pela coordenação da ala masculina.

1975

O segundo volume da Revista e Psicologia

Já no início do ano de 1975, a preparação da Revista de Psicologia ano 2 no. 2 estava a todo vapor.
O entusiasmo nascido nos estagiários, a partir do sucesso alcançado com a publicação do primeiro volume, levou esse grupo a projetar o seguinte de uma maneira um pouco diferente. Este merecia receber um acabamento melhor. Seria impresso em off-set, e sua tiragem maior do que a anterior. Os gastos seriam relativamente altos, pois não tínhamos recursos pessoais para arcar com essa despesa. Por isso, num documento datado de 10 de janeiro de 1975, O Serviço de Psicologia solicitou ao Diretor do Hospital permissão para utilizar os recursos recolhidos pela Caixa Hospitalar no projeto da nova Revista.  Uma vez deferida a solicitação feita, foi possível concluir essa publicação.
A proposta para a elaboração do 2º número incluía a futura venda dessas revistas e a transformação dos ganhos conseguidos em fundo para a Caixa Hospitalar. Assim foi feito.
Essa revista ficou pronta e posta a venda em julho desse ano. Falaremos sobre isso mais à frente. (Anexo 11)

Ainda sob o entusiasmo que reinava no grupo, decorrente do sucesso obtido em 1974 com o lançamento do primeiro número da Revista, surgiram, em fevereiro de 1975, vários textos que poderiam ser publicados neste ano, entre eles o texto – “O TERAPEUTA: um amigo REAL”. Nele o autor “radicalizava” o papel do terapeuta numa relação psicoterápica. Esse documento nunca foi publicado, talvez por trazer um tema que seria de difícil compreensão e aceitação naquele momento histórico da Psicologia e da Psicoterapia dentro de uma instituição psiquiátrica.
Este tema, que chocava um pouco por ser quase uma heresia nessa época, foi escolhido por se tratar de um assunto constantemente em discussão por todos da equipe do Serviço de Psicologia, durante as supervisões.
Os primeiros estagiários foram selecionados de através de critérios bem distintos daqueles que nortearam as seleções realizadas nos anos seguintes.  A maioria possuía formação acadêmica e prática dentro de um referencial teórico psicanalítico.  Eram jovens com um nível muito bom de conhecimentos sobre teorias e métodos da Psicanálise. Mas, como acontece com todos os iniciantes, as teorias muitas vezes funcionam como camisa de força. Ainda que possam dar-lhes a sensação de segurança, como uma ferramenta eficiente para construir algo, usadas de maneira quase ortodoxa tornam-se armaduras que dificultam a “mobilidade do cavaleiro”.
O jovem profissional, com isso, torna-se pouco aberto para novas experiências e geralmente demonstra insegurança quando não consegue transpor a teoria que aprendeu na Academia para a realidade com a qual se depara. Isso fica mais evidenciado quando seu campo de ação é um hospital psiquiátrico e seu paciente um interno dessa instituição.
No Hospital de Jurujuba, o supervisor do Serviço de Psicologia, nos anos setenta, atuava numa abordagem teórica não psicanalítica. Por isso, sugeria aos seus estagiários que, se desejassem atuar como terapeutas de orientação freudiana, buscassem uma supervisão complementar, mais segura, com os seus professores e terapeutas de fora do hospital.  Assim eles faziam, mas, nem sempre era possível conseguir uma orientação imediata com esses supervisores, pois eles não atuavam dentro da instituição. Por esse motivo, foram registradas algumas situações interessantes, principalmente as que se referiam ao relacionamento “terapeuta-cliente” e que motivou a escrita do texto “O terapeuta: um amigo real”.
O paciente psiquiátrico nem sempre consegue compreender e obedecer aos limites habitualmente propostos pelos terapeutas àqueles por eles atendidos. É comum eles agirem de formas bastante distintas daquelas observadas quando se atende um paciente sem história de patologia mental.  Em certas ocasiões, aproximam-se do seu terapeuta de modo muito pouco convencional, principalmente se forem pacientes mais comprometidos.
Algumas pessoas com problemas mentais severos apresentam mecanismos de censura bastante modificados e muitas vezes diminuídos.
Quando situações dessa ordem aconteciam no contato do estagiário e seu paciente, não raro o jovem terapeuta ficava meio confuso entre ser uma “pessoa” ou ser um “profissional”, um psicanalista, no caso.
A dimensão humana na relação terapêutica – para os novos estagiários com formação psicanalítica os anos 70 – parecia constituir um obstáculo, ao bom andamento do “caso”.
Isso visto hoje pode parecer absurdo, estranho… Mas, creia, na época, e ainda se tratando de profissionais jovens, constituía um problema sério a ser levado à supervisão.
Por isso, “O TERAPEUTA- Um amigo real” mostrou-se apropriado. Foi uma tentativa de quebrar uma barreira que atrapalhava o desenvolvimento do trabalho entre os estagiários e seus pacientes. Gerou reflexões sobre os aspectos significativos da relação terapeuta/cliente, e aqueles de identificam o que pertence exclusivamente a ela,  deixando claro que essa relação  nasce somente quando um ser humano consegue  estabelecer um relacionamento profundo com um outro ser humano, independentemente da teoria que serve de suporte àquele definido, em tal relação, como terapeuta.
Esse texto poderá ser lido no final deste documento.

O sucesso do trabalho com estagiário levou o Serviço de Psicologia a ampliar sua equipe. No início de 1975 foi realizada a seleção de sete novos acadêmicos, ainda que inicialmente a proposta fosse de selecionar somente seis. A cada novo processo seletivo feito dava origem ao que passou a ser considerado o melhor o perfil das pessoas que poderiam responder mais adequadamente às propostas do Serviço.

Em março de 1975, foi criado, oficialmente, o Estágio do Serviço de Psicologia. A ideia era construir um espaço para alunos dos Cursos de Psicologia no qual recebessem uma formação teórica e prática mais consistente e entrassem mais profundamente em contato com a prática clínica.
A oferta feita aos novos estagiários incluía:  grupos de estudos; prática de registro escrito sobre suas experiências; sugestões sobre possibilidades de melhoria dos trabalhos do Serviço;  aprendizados sobre a instituição da forma mais plena possível: a doença, os doentes, os profissionais, as profissões, a dinâmica da administração hospitalar, as políticas de saúde da época, etc.
Com esta “filosofia de trabalho” foi criado o primeiro CURSO DE PREPARAÇÃO para Acadêmicos de Psicologia, com carga horária semanal de 6 horas, direcionado para a atividade clínica e para a psicoterapia.
A equipe que havia atuado no ano anterior recebeu em abril deste ano uma correspondência vinda da Universidade Santa Úrsula através da qual uma professora daquela instituição elogiava efusivamente o conteúdo da Revista nº1 do Serviço de Psicologia do Hosp. de Jurujuba. No final de seus comentários dizia:

“ Quando li os diversos artigos pude sentir que todos os autores também se fazem irmãos, que não tiveram medo de descer ao fundo deles próprios para só então descer ao fundo de outrem.
… parece que existe  um encontro existencial paciente-terapeuta, ambos se olhando, se vendo e se sentindo.
…Eu gostei! Se me mobilizou tanto algum valor deve ter.”

Esses comentários motivaram ainda mais o grupo.

Ao mesmo tempo em que os cursos teóricos eram ministrados aos novos estagiários, outras atividades continuavam sendo solicitadas ao Serviço por profissionais da psiquiatria, principalmente pedidos de psicodiagnósticos que poderiam ajudá-los a fazer o diagnóstico diferencial de alguns quadros clínicos complexos.
Esse tipo de solicitação continuou sendo feita por mais alguns anos demonstrando, com isso, o quanto era difícil, para muitos profissionais daquele hospital, perceber que a contribuição da Psicologia ao trabalho deles poderia ir além de aplicações de testes psicológicos.
Com o passar do tempo, as atividades da Psicologia no Hospital se faziam mais heterogêneas, como se a instituição, aos poucos, fosse descobrindo o que ela poderia lhe dar. Por outro lado, as solicitações que eram feitas ao Serviço ainda demonstravam certo desconhecimento do “potencial do novo aliado”. Era, pois, necessário que fossem feitos esclarecimentos sobre os recursos disponibilizados e as normas para sua utilização. Assim, no dia 23 de abril de 1975 foi encaminhado ao Diretor uma solicitação na qual se lê, logo no início:

“ Prezado Sr,
Com o intuito de, cada vez mais , estruturar o Setor de Psicologia do H.P., e estabelecer as rotinas que deverão ser obedecidas nos atendimentos por nós efetuados, venho por meio desta esclarecer a V.Sa e solicitar que divulgue este documento junto às pessoas interessadas, o seguinte:
1- O SETOR DE PSICOLOGIA encontra-se em condições de prestar os seguintes serviços:
a- Avaliação Psicológica (inteligência e personalidade);
b- Psicoterapia  Individual e, em breve, Grupal;
2- Uma Equipe de Plantão, composta por 4 estagiários e o Psicólogo do Setor de Psicologia, atuando de 2ª a domingo. De 2ª  6ª pela manhã e à tarde. Sábados e Domingos, pela manhã.
Na ausência do Psicólogo supervisor, o estagiário de plantão está autorizado a decidir sobre qualquer assunto ligado ao Setor.
3- Todos os pacientes do Hospital encaminhados ao Serviço de Psicologia, deverão se apresentar munidos de uma guia de solicitação de atendimento na qual constem:  nome da pessoa encaminhada, o nome do responsável pela mesma, tipo de atendimento solicitado, e assinatura do solicitante.
3-a – O solicitante deverá comprometer-se a manter contatos posteriores com o Psicólogo que vier a atender aquele paciente, e a colaborar integralmente com o trabalho a ser desenvolvido;
3-b-  Nos casos de avaliação psicrométrica ou da personalidade, os psiquiatras solicitantes deverão informar quais medicações estão sendo utilizadas pelo paciente, assim como os motivos de tais encaminhamentos;
3-c- Quando os pacientes forem encaminhados para psicoterapia, será importante se ter conhecimento da medicação prescrita para ele, e outros dados clínicos seus. Além disso esses profissionais, psiquiatra e psicólogo, deveram manter contato para avaliarem o desenvolvimento do trabalho realizado;
3-d- Os profissionais da enfermagem deverão ser aqueles que deslocarão o paciente da enfermaria até o gabinete de psicologia;
4 – Qualquer atividade não clínica solicitada ao Serviço de Psicologia deverá ser feita por escrito e nela constar as razões de tal pedido . Após o recebimento deste , o mesmo será avaliado pelo Psicólogo chefe no sentido se de verificar sua viabilidade.
5- Finalmente , o Setor de Psicologia não se responsabilizará pelo atendimento de pacientes internados no HP quando as normas estabelecidas neste documento deixarem de ser cumpridas, qualquer que seja o motivo que tenha impedido tal cumprimento.”

O que foi exposto acima tenta demonstrar a luta constante que existiu no início da consolidação do espaço institucional conquistado pela Psicologia no Hospital.  Pode parecer um simples documento, mas, na realidade, ele se mostrava muitíssimo necessário para que os papéis profissionais pudessem ser bem caracterizados e, mais ainda, para tornar possível um futuro trabalho verdadeiramente em equipe, multidisciplinar.

O Serviço de Psicologia sempre elaborou seus relatórios, mesmo quando eles ainda não eram oficialmente solicitados pela instituição.
Através desses documentos era possível avaliar como esse novo Serviço estava se estruturando, dentro e fora da instituição.
As informações contidas neles se mostraram, sempre, muito importantes, pois se transformavam em incentivo, tanto para o Psicólogo responsável pelo Setor, como, e principalmente, para os Estagiários que com ele trabalhavam.
Saber o que se havia construído era sempre motivo de orgulho e entusiasmo para todos.
É curioso notar que no primeiro relatório, o de 1975, o uso da palavra Psicoterapia ainda não aparecia. Em seu lugar lia-se ACONSELHAMENTO.  Era uma forma de chegarmos, lentamente, sem fazer muita confusão, nem provocar muita disputa por uma área que ainda era mais admitida como “propriedade profissional” da Medicina. Por isso utilizamos, ao pé da letra, o que constava na Resolução do CRP , a mesma que apresentamos à Direção e à UFF, em novembro de 74.

No relatório mostramos o seguinte:

Primeiro quadrimestre de 1975.
Trabalhos Realizados:
– ACONSELHAMENTO-  13 clientes da comunidade;
– DIAGNÓSTICO-         05 clientes do HPJ
01 cliente da comunidade
– ORIENTAÇÃO
PSICOPEDAGÓGICA- 01 cliente da comunidade
-SUPERVISÃO….         07 estagiários novos
04 estagiários antigos

-HORAS SEMANAIS DE ATENDIMENTO: 40 HORAS

Anotações sobre o relatório Encaminhado à direção do HP:

– Início do grupo de estudos com os estagiários;
– Começo da organização do segundo número da Revista do Setor de Psicologia do HPqJ;
– Seleção de sete novos estagiários, e formação de uma equipe de 11 estudantes colaboradores;
– Melhora do esquema de plantão iniciado em 1974 o qual passou a atender durante 40 horas semanais, incluindo os sábados e domingos pela manhã.
– Reclamação da falta de entrosamento entre os demais setores do HP e a Psicologia. Solicitação de uma reunião técnica com as coordenações do Hospital e também da UFF, com a finalidade de promover uma maior integração entre os profissionais de cada setor.
– Demonstração que o Setor estava se ampliando e que, por isso, a necessidade de mais recursos humanos e materiais.
– A Universidade Sta. Úrsula, através do seu Diretor Executivo do ISUPA, Dr. Pedro Paulo Iannini, enviou ao nosso setor uma carta de elogio e acusando o recebimento do primeiro número de nossa Revista de Psicologia.

Como desdobramento do relatório e das solicitações feitas pela Psicologia, neste mês de junho ocorreu mais uma conquista. Os pacientes da UFF, atendidos pelos estagiários, passaram a ter autorização oficial dada pelo Dr. Wilson Soares Câmara, para saírem de suas enfermarias e irem ao gabinete de psicologia do Hospital para as sessões de psicoterapia.
Até então esses atendimentos eram realizados nos consultórios internos e às vezes nas enfermarias.  Criava-se, a partir dessa autorização, a possibilidade de um espaço psicoterapêutico bem mais definido, o que trazia, para o processo de consolidação da Psicologia, mudanças bem interessantes e significativas.

Finalmente, em julho de 1975 nasceu o filhote tão esperado, o segundo número da Revista de Psicologia do HPQ, em Off-Set. Seu lançamento produziu um avanço enorme para toda a equipe, pois a apresentação gráfica desse documento permitiu divulgá-lo junto a instituições de padrões mais elevados.
Tanto isso é verdade que foi possível enviá-lo para Carl R. Rogers, do Center For Studies of the Person, La Jolla Califórnia,USA. A equipe recebeu dele uma carta muito gratificante, através da qual ele reconhecia a importância e qualidade do trabalho por ela realizado.
Nessa revista encontramos:

-Prefácio , por Elizabeth Paulon
-Ainda Sobre o Relacionamento Terapêutico , por J.L.Belas
-Instituição Hospitalar e Psicoterapia , por Cesar Rubem Medina
-A Partir de um Importante  Conceito Psicanalítico, por Elizbeth Paulon
-O Sentir de Um Paciente , por Guilherme Souza Magalhães

A “Clínica Institucional” foi um termo que definiu, com clareza e precisão, por vários anos seguidos, as características da Psicologia no Jurujuba, como já foi mencionado na introdução deste trabalho.

Em agosto de 1975, a Secretaria de Estado de Saúde RJ – realizou obras no Hospital Azevedo Lima. Em decorrência disso, 16 funcionários desse hospital passaram a prestar serviço no Hospital de Jurujuba.
Esse fato gerou um pedido da Direção do Jurujuba ao Setor de Psicologia e nos dá uma ideia bem aproximada dos diferentes modos como nosso trabalho era percebido dentro da Instituição. O teor do documento a nós encaminhado vem transcrito abaixo.

“Senhor Chefe:
Vimos pela presente comunicar a Vossa Senhoria que os servidores que foram transferidos para este hospital, deverão ser primeiramente entrevistados por esse setor”.

Essas entrevistas foram realizadas, somando-se ao todo 26 sessões.
Observe-se, a partir da solicitação mencionada acima, que, entre solicitações de teor clínico como os psicodiagnósticos, psicoterapias, aconselhamentos, orientações psicopedagógicas, pareceres sobre projetos provindo de alunos da UFF, a serem desenvolvidos no Jurjuuba, etc,(ANEXO 14-Doc.de 26-08-75) havia também as que se caracterizavam basicamente como seleção, treinamento e recolocação profissional. A Psicologia no Jurujuba era um instrumento utilizado na solução de quase todos os problemas que implicavam em “pessoas”, na e da Instituição.

A Psicologia, que nos anos setenta era uma intrusa nos meios médicos, quando presente nas instituições de saúde, passou a ser considerada como um fator de valorização do nível e qualidade do tratamento oferecido por elas. No mês de outubro deste mesmo ano, um fato novo confirmou isso explicitando seu papel e valor na composição da equipe de tratamento.
Nessa época, o chamado INPS passou a classificar os hospitais de acordo com qualidade dos recursos humanos que possuíssem.  As equipes de saúde psiquiátricas, que contavam comumente com um grupo de profissionais composto por médicos, enfermeiros e assistentes sociais, agora se apresentavam com uma nova estrutura: os profissionais que já existiam, mais os terapeutas ocupacionais e os psicólogos.   Esses novos profissionais passaram a ser reconhecidos como participantes significativos do tratamento dos doentes mentais. A presença deles no hospital de Jurujuba deu origem ao surgimento de uma mudança significativa na avaliação da qualidade nos serviços prestados à sua clientela.
Em decorrência disso, o Setor de Psicologia recebeu um Memorando Circular no. 06/75 através do qual o Diretor do HOSPITAL ESTADUAL PSIQUIÁTRICO comunicava o recebimento do Mem. 107/75 – DEC do Instituto de Previdência Social que, em inspeção feita de surpresa pela Comissão do I.N.P.S no dia 22.01.75, classificou o Hospital de Jurujuba com os seguintes elementos:

1- Total de Pontos: 2.390
2- Resultado: 0,88 (88% do possível)
3- Percentual a ser pago em relação ao valor da diária hospitalar: 100%;
4- Classificação: 1ª categoria

Nota: Nesse mesmo memorando, o diretor acrescentou:

“… considerando-se ainda que na época o Hospital atravessava séria crise material,… a classificação obtida, em grande parte,… fruto da dedicação da equipe funcional”.

Em novembro, a Psicologia deu mais um pequeno passo.
Na Instituição havia pacientes internados comprometidos com questões judiciais. Não existia no Estado um serviço que pudesse dar conta de situações como essas. Por esse motivo, a Direção solicitou que os procedimentos e critérios de internação e saída, até então aplicados, fossem revistos por nós.  Alguns casos exigiam que se fizesse uma avaliação mais completa dos motivos que levaram alguns pacientes a serem internados, e  também que se estudasse quais seriam os recursos mais apropriados ao se decidir sobre sua saída, ou permanência no Hospital.
A partir dessas avaliações de pacientes internados por terem cometido crimes sendo portadores de transtornos mentais, dois casos ficaram marcados como referenciais de luta por posicionamentos mais definidos por parte da instituição. Isso porque durante o trabalho psicoterápico com essas duas pacientes os profissionais que as atendiam  perceberam que elas estavam evoluindo e, a cada dia, se mostravam mais em condições de retorno à sociedade. Entretanto, se por um lado a eficácia do tratamento as preparava para uma alta e retorno à sociedade, por outro os mecanismos da Justiça não dava uma orientação segura sobre a possibilidade de soltura de tais pessoas. Isso criava uma situação profundamente complicada: dar condições a pessoa para ser libertada e ela não ter permissão legal para isso.
Era como se os terapeutas estivessem criando uma fantasia de liberdade, enganando suas clientes.
Tal indefinição deu origem a duas cartas encaminhadas ao Diretor do Hospital. Nelas a Psicologia solicitava dele uma ajuda no sentido de buscar uma informação junto à Justiça, sobre as possibilidades reais de soltura de pacientes como aqueles que estavam sendo atendidos e que apresentavam condições reais de retorno à sociedade.
Em trechos de uma das cartas lê-se:

“ Informações solicitadas:
a- A estratégia Hospitalar nestes casos específicos de internação judicial;
b- Uma definição de papéis e responsabilidades da Instituição em relação àquelas pacientes.

…. NECESSITO URGENTEMENTE SABER se o nosso trabalho tem algum sentido, ou se estamos enganando a nós mesmos, ou aos pacientes. Precisamos trabalhar com dados reais para que não se alimente fantasias de liberdade e de crescimento.   Precisamos saber até que ponto, indiretamente, estamos compactuando com a indefinição da Instituição!! Que tipo de liberdade podemos, de fato, ajudar nossos clientes a alcançar!?”

1975, sem dúvida, foi um ano riquíssimo para a Psicologia e para os Psicólogos que atuavam no Jurujuba. Um ano de muitas realizações, lutas e conquistas, fruto da dedicação de um grupo de jovens profissionais , idealistas, trabalhadores, responsáveis e amantes do que faziam.

1976

O volume de trabalho desenvolvido pelo Serviço de Psicologia aumentou de modo significativo. Os plantões, os atendimentos psicoterápicos a pessoas da comunidade externa, aos pacientes internados e egressos do hospital, tudo isso contribui para a divulgação desse novo recurso terapêutico que agora o Jurujuba colocava à disposição. Qualquer pessoa ou instituição poderia solicitar esses tipos de trabalhos e, ao mesmo tempo em que isso acontecia, a equipe da Psicologia passou a perceber a necessidade crescente de estar preparada para desempenhar essas tarefas.
Várias universidades situadas no Rio de Janeiro passaram e ver no Serviço de Psicologia do Hospital de Jurujuba um possível colaborador na formação de seus alunos. Alguns serviços de saúde do Estado e do Município, carentes desse tipo de atendimento, perceberam que poderiam fazer encaminhamentos de alguns pacientes para aquele Serviço. Com isso, ocorreu um aumento do número de solicitações para avaliação e/ou tratamento de crianças e adolescentes, principalmente pelo GRUPAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL DO INPS-SÃO GONÇALO.
Um fato novo surgiu a partir dos encaminhamentos de pacientes jovens. Não havia uma estrutura apropriada para essa clientela, ou seja, um local onde um trabalho dessa natureza pudesse ser desenvolvido.  Havia pessoas na equipe que poderiam atender crianças e adolescentes, mas não numa sala situada no interior do hospital, onde circulavam todos os tipos de pacientes e as mais variadas e, muitas vezes, chocantes cenas.  Além disso, outra questão começava a ser postas nas reuniões de supervisão: a origem dos clientes que procuravam atendimento.
Por tradição, o Jurujuba recebia pessoas não só de Niterói, mas de todo o Estado do Rio. Além dessas acolhia também muitas que residiam em localidades que iam além das fronteiras desse Estado.
Não era, portanto, de se estranhar que na década de sessenta essa instituição abrigasse mais de seiscentos pacientes.
Essa situação foi mudando progressivamente ao longo do tempo e a realidade atual está longe de ser aquela.
A municipalização e a regionalização da clientela, que veio a ser adotada de maneira mais definida muitos anos depois, já se mostrava necessária nos anos setenta.
A notícia da existência de um Serviço de Psicologia, tal como funcionava no Hospital Estadual Psiquiátrico de Jurujuba, gerou encaminhamentos provenientes de vários lugares. Por este motivo, foi necessário pedir à Direção informações e orientação sobre a legalidade e pertinência dos mesmos. Também surgiu outra preocupação nos encontros da Equipe: com o aumento significativo de clientes que vinham desses grupamentos, teria condições de atendê-los com a qualidade de trabalho que a caracterizava e que, por isso mesmo, produziu esta imagem positiva dela?  Diante desses fatos, a equipe concluiu que se houvesse interesse do hospital em tais atendimentos, caso a Direção considerasse possível, legal e necessário receber esta clientela, seria preciso criar as condições materiais e humanas apropriadas para que isso se tornasse realidade.
A questão agora não era se a equipe estava ou não capacitada para esse trabalho, era administrativa.
Naquele momento não foi possível a criação das condições para se dar início a esse projeto- o atendimento de crianças e adolescentes – mas provavelmente todas as discussões e solicitação feitas nessa época pode ter sido o primeiro passo para o que aconteceu nos anos 80, como veremos mais a frente.

Os atendimentos aos pacientes da cadeira de Psiquiatria da UFF continuavam acontecendo em 1976.
Diferentemente do que ocorria alguns anos atrás,  era possível, com frequência, ver a realização de atendimentos em equipe dos quais participavam Assistentes Sociais, Psiquiatras e Psicólogos. Esses profissionais se reuniam com o objetivo de aperfeiçoar o entrosamento entre eles e os estagiários que atendiam os mesmos clientes. Esse novo enfoque – multidisciplinar – refletiu quantitativa e qualitativamente nos resultados dos trabalhos realizados por todos.

Mas, o que mais marcou a presença da Psicologia no Hospital de Jurujuba no ano de 1976, foi o curso realizado pelo Serviço e destinado aos seus estagiários.
O “Plano de Estágio de 1976” era constituído de dois polos distintos: um que focalizava o ESTUDO, e o outro a PRÁTICA CLÍNICA.
Considerava-se que esses dois aspectos eram inseparáveis e, por isso, foi planejado um curso com duração de aproximadamente 10 meses, com aulas semanais de duas horas cada. Paralelamente a esse curso teórico, os alunos participavam das supervisões de casos clínicos, ora apenas como ouvintes, ora como supervisionandos.
A orientação teórica do Serviço seguia à do psicólogo responsável por ele. Sua orientação era humanista e, mais especificamente, como se denominava na época, rogeriana.
Como os cursos de Psicologia geralmente davam pouca ênfase ao estudo dessa abordagem, e para dar aos estagiários uma diretriz teórica bastante fundamentada, o Serviço preparou um documento de quase cem páginas cujo título era: INTRODUÇÃO A UMA PSICOTERAPIA CENTRADA NO CLIENTE.
Esse material tentava apresentar a teoria rogeriana numa linguagem simples e objetiva. Para sistematizar os assuntos ali abordados, o autor se baseou em um documento escrito pelo próprio Rogers para o Comprehensive Textbook of Psychiatry, editado por Freedman, Kaplan e Sadock em 1974. Desse trabalho o autor seguiu o roteiro proposto nele e procurou, dentro do possível, enriquecê-lo com alguns comentários e desenvolver alguns temas que ali só eram levemente tocados.
Além desse documento básico distribuído para os estagiários, também receberam a sugestão de uma pequena bibliografia:

DE CARL R. ROGERS
1- Psicoterapia Centrada no Cliente
2- Psicoterapia e Consulta Psicológica
3- Tornar-se Pessoa
4- Liberdade para Aprender
5- Grupos de Encontro
6- Novas Formas do Amor
7- Client-Centered Therapy (Em Kaplan,Freedman e Sadock-1976)

DE CARL R. ROGERS E OUTROS:
1- Psicoterapia e Relações  Humanas
2- Person to Person
3- O Homem e a Ciência do Homem

SOBRE A TEORIA ROGERIANA:
1- Henrique Justo :Carl Rogers: Teoria da Personalidade e Aprendizagem Centrada no Aluno
2- Virginia Axline : Ludoterapia
3- Max Pagès : A Orientação Não Diretiva…
4- Hiroshi Ito : Introdução Ao “Counseling”
5- M. de La Puente : Carl Rogers: da Psicoterapia ao Ensino
6- Hall e Lindzey – Teorias da Personalidade
7- Andre de Peretti –Liberdade e Relações Humanas
8- A Van Kaan – Encontro e Integração
9- Ruth Scheeffer – Aconselhamento Psicológico
10- José Luiz Belas – Introdução a Uma Psicoterapia Centrada No Cliente.

Este foi um ano, como foi dito acima, de MUITO estudo e muito trabalho para toda a equipe. Foi um período de “plantar”. A colheita estava por vir.

1977-1978 : TRABALHO, TRABALHO… ESTUDO, ESTUDO…
A EQUIPE CRESCE. É PRECISO POR UM FREIO NISSO!

Este ano não foi muito diferente, no que diz respeito à quantidade de trabalho produzido e estudos realizados, do ano anterior a ele. Foi um período de consolidação dos projetos do Serviço, uma sedimentação de suas propostas teóricas e de práticas.
A Psicologia continuava ganhando espaço dentro da instituição e, cada vez mais, era reconhecida pela contribuição que dava, não só aos pacientes, como também aos seus familiares, às pessoas da comunidade próxima ao hospital e às que ficavam distante dele.
Paradoxalmente, esses aspectos que poderiam ser considerados excelentes por promoverem a saúde  e/ou a prevenção da “doença mental”, objetivos fundamentais de um hospital que abrigava essa equipe de profissionais, as reações que a Psicologia provocava era bem outra, como veremos  mais a frente.
No ano de 1977 o número de pessoas atendidas pelo Serviço já ultrapassava uma centena. Considerando o tipo de trabalho que era oferecido, basicamente psicoterapia, esse número é bastante significativo.
O estágio a cada ano se tornava mais estruturado e adotava critérios mais complexos para selecionar aqueles que se mostravam realmente interessados em aprender teorias e práticas clínicas.
O Serviço contava com a colaboração de nove estagiários. Desses, seis estavam cursando o último período, dois no nono período e um deles já era formado. Sete eram alunos da UFF e dois da USU (Faculdade que constantemente brindava a equipe com seus Boletins de Notícias.
As supervisões, em grupo e individuais, ocorriam através de discussões sobre entrevistas, gravadas e transcritas, distribuídas aos estagiários, os quais participavam como terapeutas em formação ou somente como ouvintes.
Neste mesmo ano, durante a preparação do estágio de 1978, em outubro foi solicitado ao Departamento de Recursos Humanos da Secretaria de Saúde autorização para que se realizasse uma nova seleção de mais cinco estagiários.  Esse fato novo decorreu de uma norma publicada por aquela Secretaria na qual era proposto que se exigisse de cada candidato a estágio uma solicitação , por escrito, através do qual o interessado nesse treinamento oficiasse esse seu desejo. Antes desse ano essa solicitação não era exigida. Então pensou-se que isso poderia significar um reconhecimento e valorização do trabalho que estava sendo desenvolvido naquela unidade de saúde do Estado. Na realidade a coisa não era bem assim.
Em abril de 1978, após a seleção dos novos estagiários, o Serviço contava com uma equipe de dez novos voluntários e mantinha ainda alguns antigos que davam suas contribuições de modo menos sistemático, em dias menos fixos e em horários menos rígidos. Entre os novos havia seis psicólogos já formados e seis acadêmicos concluindo seu último ano de faculdade.
Entre os momentos de estudos, de atendimentos psicoterápicos, de plantões, ainda chegavam os pedidos de psicodiagnóstico para pacientes internados, principalmente aqueles através dos quais se buscava avaliar seu nível intelectual e “perfil de personalidade” (palavras comuns no conteúdo dos pedidos encaminhados ao Serviço).
Tudo parecia ir bem quando ocorreu um fato muito curioso e denunciador das mudanças “perigosas” que o Serviço estava provocando na dinâmica do atendimento do Hospital.  A Diretora da Divisão Médica encaminhou ao Chefe da Seção de Psicologia do HEP a seguinte Ordem de Serviço:

“ORDEM DE SERVIÇO No. 01/78”.

O atendimento a servidores e à clientela externa pelos diferentes serviços hospitalares obedecerá às seguintes normas:
1o. Só serão realizados os atendimentos legalmente permitidos ou objeto de convênio;
2o. O referido atendimento não poderá prejudicar em recursos materiais, técnicos e humanos e em tempo, os serviços a serem prestados aos pacientes internados;
3o. A triagem deverá ser feita através do Serviço Social;
4o. A Divisão Médica providenciará no prazo de 15 dias a rotina de coordenação entre o Serviço Social e as respectivas áreas, ficando até então suspenso qualquer atendimento, exceto as clientelas de ambulatório e objeto de convênio.
HOSPITAL ESTADUAL PSIQUIÁTRICO, em  Niterói,  02 de maio de 1978.

Essa ordem de serviço caiu como uma bomba sobre a cabeça de todos da Equipe de Psicologia.
As consequências práticas de tal “ORDEM” eram um caminhar para trás em relação às conquistas realizadas até aquele momento. Não havia mais permissão para se atender as pessoas da comunidade, característica principal do Serviço, desde que ele nasceu. Essa nova ordem viria a reduzir o número de pessoas atendidas e, com isso, diminuir a contribuição social gerada pela equipe (um grupo, como já descrito acima, formado por jovens idealistas).
Até aquele momento, a PSICOLOGIA, com todas as dificuldades enfrentadas por ela dentro da instituição, desfrutava de uma situação privilegiada. Embora estivesse dentro do Hospital, não estava concretamente subordinada às regras ditadas pela Secretaria de Saúde. Ou seja, não era atingida por “convênios” e nem discriminava “clientelas”: Qualquer pessoa que solicitasse ajuda profissional, fosse ela paciente do hospital, ou não, seria atendida pela Equipe da Psicologia.
O grupo experimentava, pela primeira vez, o que estava por vir: mudanças nas regras, os convênios que amarravam a produção e que acabavam com sua liberdade para fazer um trabalho mais socializado e abrangente. Mas isso, fatalmente, aconteceria, mais dia menos dia. Só algum tempo depois é que se tornou possível o entendimento, com mais clareza, dessa “nova realidade” da Saúde em nosso país e em nosso Estado.
Essa “nova realidade” talvez contivesse, em sua base, uma “boa intenção” em termos administrativos, e um foco teórico mais atualizado, moderno, científico, filosófico. Mas, até hoje, paira em muitos que viveram, e ainda vivem, a realidade de uma instituição de saúde mental, uma dúvida sobre a extensão dos resultados alcançados por aquelas “ORDENS”, naquele momento histórico da Psiquiatria.
A Equipe da Psicologia do Jurujuba sempre foi rebelde e demonstrava dificuldade para acatar propostas que não lhes pareciam justas.  Por isso, a despeito dessas regras limitadoras que lhe foram impostas, continuou “obedientemente” crescendo e se organizando.

1979

O entusiasmo crescente do grupo de estagiários, fruto dos resultados concretos decorrentes dos trabalhos desenvolvidos por toda a equipe da Psicologia, fez com que, no final de 1978, o Serviço possuísse seu planejamento para o ano seguinte.
Nele se ampliava o campo de atuação dos acadêmicos e se exigia o aprimoramento da qualidade dos estagiários selecionados, bem como o aumento do número deles. Os critérios para a seleção, que já eram bastante rígidos nos anos anteriores, tornaram-se ainda mais rigorosos. Qualidade e disponibilidade eram dois itens fundamentais para a escolha dos novos candidatos.
Os estagiários que já atuavam no Serviço puderam continuar seus treinamentos. A inscrição para os novos ocorreu em janeiro de 1979, e a sua seleção, em março do mesmo ano.
O objetivo principal era criar uma equipe maior e mais preparada e, com isso, solicitar sua participação no atendimento às pacientes da Admissão Feminina.
Os novos estagiários, a partir do recente critério de seleção, deveriam estar cursando, pelo menos, o 9o período (5o ano), ou já serem formados. Precisariam dispor de oito horas semanais, e o tempo mínimo do estágio seria de 320 horas anuais.
A proposta do Serviço não era mais ter apenas “estudantes” de psicologia, mas bons “alunos-profissionais”, com condições de desenvolver um trabalho de qualidade cada vez maior.
Para isso acontecer, foi planejado um estágio que visava dar ao estudante uma base teórica e prática na área clínica, caracterizando-se, assim, como um verdadeiro “curso de formação”, a ser desenvolvido, no mínimo, em dois anos.
Não sendo o estágio remunerado, portanto voluntário, o tempo de permanência no Serviço ficava a critério de cada acadêmico. Para receber sua declaração de ter participado do treinamento oferecido pelo HEPq, ele deveria cumprir a carga mínima anual. A maioria permaneceu mais de um ano. Alguns deram sua contribuição por mais de três anos.
Nesse Serviço havia algo muito importante para todos os que por ali passavam – uma enorme oportunidade de conhecer de perto as questões ligadas à Saúde Mental. A clientela atendida apresentava uma variedade enorme de quadros clínicos. Entrar em contato direto com essas pessoas, ouvi-las, conhecer suas famílias e suas histórias, acompanhar o seu tratamento psiquiátrico, ver suas produções expressivas na TO (Terapia Ocupacional) e tantas outras coisas, tudo enriquecia o universo de conhecimentos daqueles estudantes em preparação para a vida profissional.
O ano de 1979 ficou marcado por dois aspectos: um deles diz respeito à atenção maior dada à preparação dos estagiários (sua seleção e seu treinamento) e a uma busca mais acentuada para que a Secretaria de Saúde os reconhecesse e pudesse até, por valorizar o trabalho desenvolvido no Serviço de Psicologia, viabilizar a criação de um “Estágio Remunerado”; o outro foi a melhoria do nível da formação teórica e prática dos estudantes, através dos cursos e das supervisões a eles oferecidos.
As atividades práticas ocorreram por meio de um sistema de plantões, que se estendiam de 2ª feira, pela manhã, até sábado, à tarde.
Os estagiários atendiam aos pacientes e a seus familiares e às pessoas que chegavam à emergência do hospital, e participavam dos grupos de funcionários.
As atividades grupais, nesse ano, foram intensificadas e, por isso, o Serviço publicou, em agosto, uma apostila “OS GRUPOS DE ENCONTRO – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO“. Este trabalho foi a base para diversas discussões sobre esse recurso terapêutico e sua eficácia na melhoria dos relacionamentos interpessoais.

1980

Em abril desse ano, foi dado início, no Hospital, ao “Projeto Comunidade Terapêutica”, coordenado pelo chefe da TO. Esse projeto era de interesse dos estagiários do Serviço de Psicologia, pois a metodologia das “comunidades” era uma forma interessante de trabalho dentro das instituições. Assim, foi sugerido que os estagiários de Psicologia participassem dos grupos das comunidades terapêuticas e, ao mesmo tempo, o Serviço de Psicologia abrisse seu espaço para receber, em seus GRUPOS DE ENCONTRO, as pessoas que estavam inscritas para o trabalho naquele Projeto.
Embora a intenção, ao serem abertos dois espaços para experiências em grupo, fosse o aproveitamento dos recursos de aprendizagem que estavam surgindo, naquele momento, no hospital, e, com isso, os estudantes pudessem beneficiar-se dessas experiências, as coisas não caminharam como se esperava e – infelizmente – não foi possível realizar essa integração no nível que seria desejável. Mas, a despeito dos desencontros institucionais, os trabalhos continuavam em ritmo acelerado.
Em julho, por solicitação do Diretor da Divisão Médica do HEP, foi apresentado o “Plano de Atividades do Serviço de Psicologia”, contudo ele não foi aprovado “por estar muito voltado para o atendimento à comunidade externa”.
De fato, desde a criação do Serviço, ficou evidenciada sua vocação para o trabalho preventivo e social, mais do que para o de tratamento do doente mental internado.
Esse projeto foi refeito e reapresentado em setembro, com as alterações solicitadas, menos as que diziam respeito ao atendimento individual e/ou grupal de pessoas da comunidade que, espontaneamente, nos procurassem.

O plano apresentado em julho tinha como base a demanda natural de atendimento à comunidade. As pessoas cada vez mais procuravam o Serviço, buscando tratamento psicoterápico, ou por indicação daqueles que foram ali atendidos, ou por sugestão de profissionais da área de saúde que sabiam da existência desse tipo de trabalho no Jurujuba.
Para os que trabalhavam no Serviço de Psicologia, era inaceitável o veto daquele plano de atendimento.
Por isso, um novo PLANO DE ATIVIDADES DO SERVIÇO DE PSICOLOGIA – 1980/81 foi reapresentado ao então Diretor da Divisão Médica.
Foi proposto, em síntese, que o serviço oferecesse as seguintes atividades:

– Psicoterapia (individual e em grupo);
– Psicodiagnóstico;
– Preparação de Profissionais (estágio e cursos na
área clínica e de educação);
– Treinamento de Pessoal (funcionários), através do
projeto de DRH (Desenvolvimento em
Relações Humanas) do  Serviço;
– Publicações sobre Psicologia Clínica, Clínica
Escolar e Clínica Institucional;
– Assessoria à Direção nos assuntos ligados à
Ciência Psicológica.

Através dessa nova proposta, pode-se notar a expansão do campo da Psicologia no Hospital de Jurujuba. Além de oferecer atendimentos clínico-psicoterápicos, o Serviço também contribuiria para a qualificação do corpo de funcionários da Instituição, sua produção técnica, teórica e científica, além de melhorar o relacionamento entre os que nela trabalhavam.
Praticamente, cumpria-se, com esse plano, uma forma de, legalmente, exercer, de modo quase pleno, o que se espera da Psicologia numa Instituição: estar engajada numa proposta de ajuda ao seu crescimento como um todo.
Nos meses de setembro e outubro, sempre com a preocupação de fortalecer a filosofia de trabalho do Serviço e divulgar o tipo de orientação teórica sobre a qual ele repousava, foi realizado um Grupo de Estudos, aberto às pessoas interessadas, sobre a Abordagem Centrada na Pessoa.
Participaram desse grupo, formado por 20 pessoas, estudantes, profissionais da psicologia e da medicina, entre estes últimos dois psiquiatras do hospital.
Ainda em 1980, um fato importantíssimo mostrou como este “novo” campo de atividade – a Psicologia Clínica – incomodava e parecia ameaçador para a Medicina da época. Veio à luz o “Projeto de Lei nº 2.726”, de autoria do Dep. Salvador Julianelli.
Em relação a esse projeto é bastante que sejam citados apenas alguns Artigos, para que se entenda o contexto da Psicologia/Medicina nos anos oitenta.

Art.107- Compete ao psicólogo:

e) no campo da psicopatologia, colaborando com o médico, sob orientação, supervisão e controle deste:
I- aplicar testes psicológicos e elaborar os respectivos relatórios, que deverão ser entregues aos médicos;
II- cooperar com procedimentos de recuperação ou de reabilitação, conforme as diretrizes do médico, ao qual serão prestadas informações e solicitada orientação sobre qualquer manifestação que se acrescente ao quadro inicial, sobre a evolução do caso ou qualquer outro aspecto que não se inclua na sua competência

Art.108- As atividades de psicologia, sempre que abrangerem atos relacionados com a psicopatologia, em qualquer de seus aspectos e em todas as suas manifestações, deverão obedecer à orientação médica.

Art.109- É vedado ao psicólogo:
………..
III- manobras ou procedimentos terapêuticos, manuais ou instrumentais;
V- outros procedimentos além dos que fazem parte das técnicas e dos métodos da psicologia;
b) utilizar a hipnose;
c) utilizar a psicoterapia, inclusive quanto aos procedimentos classificados como psicanálise;

Parágrafo único – É também vedado ao psicólogo:
a) fazer diagnóstico de doença mental, bem como emitir juízo sobre o seu tratamento e o seu prognóstico;

Art.111 – O atendimento individual em psicologia ocorrerá mediante a respectiva prescrição ou indicação médica.
Parágrafo 1- Na falta de prescrição ou de indicação médica, o psicólogo somente dará assistência e atendimento individual mediante prévia apresentação de atestado médico, que manterá em arquivo, onde esteja claramente declarado que o interessado não manifesta , à anamnese  e ao exame, sintomas ou sinais de doença mental, neurológica e outros estados patológicos  relacionados com alterações psíquicas;
Parágrafo 2 – O psicólogo recomendará a imediata procura do médico, sempre que os casos ou as suas intercorrências apresentem provável manifestação de psicose, neurose ou qualquer outra doença.

O projeto, com mais detalhes, poderá ser lido no Anexo 17.

Qualquer comentário sobre o projeto de lei apresentado linhas acima é desnecessário, para se entender o contexto no qual a Psicologia estava mergulhada em 1980, e, como consequência disso, o Serviço de Psicologia do Hospital de Jurujuba.
Embora muitos representantes da Medicina não apresentassem, nesses anos, uma atitude compatível com o que era proposto pelo Projeto de Lei nº 2.726, as ideias lançadas nele encontravam eco em muitos dessa área, até por terem uma visão ainda antiga sobre os campos dessas e seus reais limites. O conceito de saúde ainda estava sendo revisto e ampliado.

1981

No primeiro semestre deste ano, a “vida” da Psicologia transcorria normal: seleção de novos estagiários, preparação das rotinas de serviço, tais como horários dos cursos, das supervisões, das escalas de plantão, etc.

Em junho desse ano, os funcionários dos HEPQ (Hospital Estadual Psiquiátrico) foram convidados pela da direção do hospital a participarem das comemorações, através das quais se oficializaria, no dia 28 do mês seguinte, a implantação do novo plano diretor, ou seja, as novas instalações e as novas formas de realizar os trabalhos no Jurujuba.

Em síntese, esse novo plano propunha:

– Mudanças de filosofia do hospital;
– Inauguração das instalações do EEG;
– Ampliação e novas instalações dos Serviços de Psicologia e
Serviço Social;
– Novas instalações da T.O.;
– Central de Ambulatórios funcionando na antiga enfermaria
feminina da UFF (Universidade Federal Fluminense);
– Centro de Estudos;
– Criação de um Museu do Inconsciente, com o acervo de
obras de arte produzidas por pacientes do HEPQ, ao longo
dos últimos anos;
– Criação de uma galeria de ex-Diretores do Hospital de
Jurujuba;
– Preocupação com a melhor qualidade de vida dos
pacientes, através da construção de novos refeitórios,
urbanização dos pátios internos e reformas de todas as
enfermarias;
– Proposta de implantação um serviço de Pronto Atendimento Psiquiátrico nas duas áreas desativadas do HP, situadas ao lado daquelas onde funcionavam as duas admissões.
-Juntamente com o Juizado de Menores de Niterói e com a SES (Secretaria Estadual de Saúde) e a LBA (Legião Brasileira de Assistência), criar um serviço de assistência e profilaxia à infância e à adolescência para atendimento à  comunidade que vive ao redor do Hospital.

No mês de agosto, possivelmente em decorrência da euforia e do clima de otimismo, gerados pelas propostas de mudanças e pela maior atenção dada ao Serviço de Psicologia, demonstrada através da divulgação do aumento de seus recursos e da ampliação de suas instalações, etc., os profissionais, que atuavam ali, elaboraram um plano de trabalho mais detalhado cuja proposta era:
“…ser um local (Serviço de Psicologia) no qual as pessoas possam encontrar ajuda para evitar, controlar ou tratar os problemas de desajustes psicológicos”.

A Equipe-“Psi” era composta, em 1981, por sete psicólogos (estagiários) voluntários e o Psicólogo supervisor, que fazia parte do Corpo Clínico do Hospital, e já acumulava experiência pelos trabalhos realizados pelo Serviço desde 1972.
Com base em tal experiência, foi sugerido que esse ambulatório contasse com uma equipe mais preparada para promover a saúde do que para tratar a doença.
O objetivo primário do ambulatório seria prevenir e, secundariamente, tratar.
Sugeria, também, que o ambulatório tivesse um grupo de estudos e uma reciclagem permanente de seus profissionais.
O ambulatório deveria funcionar 24 horas por dia, durante os sete dias da semana, num regime de plantão.
A clientela a ser atendida seria composta por pessoas encaminhadas por postos de saúde, hospitais gerais, ambulatórios de outras cidades, egressos do Jurujuba e pessoas da comunidade em geral.
O atendimento seria destinado a todas as faixas etárias, às emergências, assim como a casos em acompanhamento.
Far-se-iam triagens e encaminhamentos para outros ambulatórios, quando essa proposta se mostrasse mais adequada e melhor para as pessoas atendidas.

Em agosto, fazendo parte das comemorações do Dia do Psicólogo, a agenda de atividades do Serviço de Psicologia foi enriquecida com a presença de alguns profissionais que fizeram palestras sobre temas de grande interesse para a Equipe.
Dia 24 de agosto, foi apresentado o tema “Ética Profissional e Equipe Multiprofissional” pela Psicóloga Dr.a Myrian de Mesquita Rodrigues, então presidente da Comissão de Ética do CRP-05.
Sempre com a preocupação de atuar em equipe, em novembro, o Serviço de Psicologia apresentou uma proposta denominada ESQUEMA EXPERIMENTAL DE UM TRABALHO INTEGRADO DA PSICOLOGIA COM O MÉDICO DE PLANTÃO DO HEPQ, cujos objetivos eram:

1) promover uma integração maior entre a Psicologia e a Medicina;
2) ampliar a ação profilática da Psicologia no HEPQ, até então caracterizada pelo atendimento à comunidade que espontaneamente nos chega, solicitando ajuda;
3) tentar evitar internações “desnecessárias”, através de uma intervenção a nível psiquiátrico-psicológico e, se possível, social naquelas pessoas cujo comportamento se encontra no limite definível como desajustamento grave (crise psicótica e crise neurótica a nível severo de desestruturação personalógica);
4) criar um espaço para o aprimoramento profissional de todos aqueles que se engajarem neste “projeto”, através de um estudo – o mais amplo e profundo possível – de cada “caso”.

Em dezembro de 81, convocados pelo Centro de Estudos do HEPQ – os profissionais do Serviço de Psicologia participaram da reunião cujo tema era:

Modificação da assistência intra-hospitalar.

Mudanças, mudanças… Mas, tudo ainda era meio confuso. Não parecia fácil implantá-las.
No término desse ano, após várias tentativas de integração da Psicologia com os outros profissionais do Hospital, algo difícil de percebido estava acontecendo na instituição.
Finalmente surgiu o ofício nº 687-81-HEPQ, datado de 2 de dezembro de 1981. Através dele era possível perceber o momento difícil pelo qual o Jurujuba estava passando e que atingia a relação dos médicos e dos enfermeiros com a nova Direção. Esse fato gerou consequências sérias em todos os setores do Hospital e, é claro, no Serviço de Psicologia.  Esse momento meio caótico se estendeu até o ano seguinte, como será apresentado a seguir.

1982

Aos poucos, cada vez mais o Serviço passou a ser acionado e convidado a participar de decisões importantes que diziam respeito à instituição.
Em janeiro, foi convocado pela presidente do Centro de Estudos para participar de uma discussão sobre um problema sério, iniciado em 1981, que começou a atingir a dinâmica do atendimento psiquiátrico e a imagem do HP: a negação de alguns médicos de fazer o Plantão, deixando o hospital a descoberto e, com isso, provocando situações complicadas junto à Polícia Militar e aos soldados do Corpo de Bombeiros.
Geralmente, esses militares traziam pacientes para internação ou atendimento de emergência, todavia ao chegarem ao Jurujuba, não encontravam médicos para atendê-los.
O ofício nº 687/81, da Direção do Hospital, foi anexado a essa convocação e descrevia, detalhadamente, a difícil situação em que se encontrava a instituição naquela época.
A apresentação dos novos estagiários do Serviço de Psicologia ao Hospital e a criação de atendimentos com número reduzido de sessões aconteceram no mês de abril. Criava-se, nesse momento, um tipo de atendimento breve e mais dinâmico, sem, contudo, se abandonar o clássico, mais longo, o qual era aplicado nos casos que requeriam uma assistência mais elaborada.

A criação do atendimento “breve” não foi uma escolha da Equipe de Psicologia. Na época, tornava-se importante que a produção se ampliasse, pois, dependendo do número de procedimentos realizados, o repasse de verbas para o Hospital também aumentaria.
A crise de verbas foi sempre uma constante para as unidades de saúde do Estado, assim, não se estranhava o fato de ser necessário fazer crescer a produtividade.
Os atendimentos, realizados pelos profissionais voluntários do Serviço de Psicologia, tinham a duração de cinquenta minutos, tempo esse mais comumente praticado pelos psicoterapeutas.
Agora, a proposta era que se atendesse cada pessoa durante vinte minutos. Após negociações entre a direção técnica e a Psicologia, chegou-se ao tempo de 30 minutos por sessão.
Esse atendimento mais curto levou a Equipe a pensar numa forma nova de planejar os contatos com os pacientes. Com isso, criou-se uma proposta que, em síntese, poderá ser descrita assim:
– Os atendimentos começariam, utilizando-se o tempo de trinta minutos por sessão;
– Caso houvesse necessidade de ampliar esse tempo, o psicólogo poderia fazer isso.
O fato mais importante que decorreu dessa proposta de redução do tempo das sessões foi a criação – depois disso – de uma forma ainda mais dinâmica de trabalhar, com mais precisão e segurança, nas intervenções psicoterápicas.
Sobre isso se falará mais à frente.

Embora essa instituição estivesse passando por uma fase de imensas transformações, e o Serviço de Psicologia mantivesse sua proposta de integração das várias especialidades clínicas no projeto de atendimento multidisciplinar a todos, internados ou não, que procurassem a instituição para se tratar, a mentalidade reducionista do “comando da saúde” no Jurujuba ainda era visível e atuante. Tanto assim era que, no final desse ano, o Serviço de Psicologia recebeu um documento intitulado PROGRAMA ASSITENCIAL A SER DESENVOLVIDO NAS ENFERMARIAS SETORIZADAS, com a seguinte sugestão:

“O presente programa foi entregue no dia 02/11/1982. Deve ser lido pelos integrantes do Serviço de Psicologia”.

Que de especial havia nesse documento? Em nenhum momento, sugeria a participação dos psicólogos do hospital.
É interessante notar que nele a Psicologia nem é citada. Contemplava apenas os Médicos, os Enfermeiros, os Assistentes Sociais e os Terapeutas Ocupacionais, revelando, assim, que repetia o velho e tradicional esquema de tratamento da doença mental: “a Psicologia fica fora disso”.
Os objetivos apresentados naquele Programa, todavia, mostravam uma evolução enquanto preocupação com a continuidade do tratamento dos pacientes, tornando-o mais eficiente, já que as pessoas atendidas seriam agrupadas por regiões geográficas. Isso era um avanço, já que se poderia estabelecer um vínculo entre o hospital e os postos de saúde próximos às residências daqueles pacientes atendidos, e, ao mesmo tempo, fazer, mais facilmente, contato com seus familiares.

Para o final desse ano, estavam reservados dois acontecimentos verdadeiramente marcantes para os profissionais e para o Serviço de Psicologia.

O primeiro deles foi o início do atendimento de menores, alunas do Educandário Paula Cândido, da Fundação Estadual de Educação do Menor (FEEM), por solicitação da Coordenadoria de Saúde, através do Ofício n. 269/82, de 19 de outubro, encaminhado ao então Diretor do HEPQ.
A partir dessa solicitação, foi realizado um projeto para atendimento a 10 meninas desse Educandário, todas com problema de rendimento na aprendizagem. O desenvolvimento dessa atividade, metodologia e resultados, deram origem a um documento, apresentado no final deste trabalho.
Mais uma vez, a Psicologia é chamada, dentro do Hospital, para uma atividade diferente da Psicoterapia. Pelo menos em termos, como poderão ver no anexo citado acima.

O segundo acontecimento foi uma atividade que se associava ao treinamento da Equipe, realizado com todos os seus componentes (naquele ano o número de Psicólogos Voluntários era treze), em Lumiar, Friburgo/RJ.
A necessidade de aumentar a coesão do Grupo e, ao mesmo tempo, levá-lo a vivenciar uma experiência de autoconhecimento, gerou esse trabalho em forma de Grupo de Encontro.
Para o supervisor dos estagiários, essa experiência traria benefícios tanto para eles, como pessoas, como para o grupo, enquanto equipe, e para os pacientes de cada um dos novos profissionais que desenvolviam suas práticas no Jurujuba.
O grupo passou um dia inteiro (das 8h às 18h30m) numa pequena e aconchegante casa de propriedade de um dos estagiários. Essa experiência foi registrada, e o resultado superou o que era esperado.
Com tudo isso acontecendo no Serviço de Psicologia e na sua Equipe, podia-se notar que, cada vez mais, brotava na comunidade interna e externa um respeito pela organização e pela qualidade do trabalho que era desenvolvido ali.
A História da Psicologia no Hospital de Jurujuba, a cada ano tornava-se mais concreta e rica, a despeito de todos os acontecimentos que caiam sobre sua equipe , tal como imensas avalanches.

1983

No início de 1983, mais precisamente no dia 3 de fevereiro daquele ano, o presidente do Centro de Estudos do Hospital de Jurujuba encaminhou um documento aos profissionais do corpo clínico, cujo conteúdo era o seguinte:

SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE
HOSPITAL ESTADUAL PSIQUIÁTRICO
CENTRO DE ESTUDOS

Diante das novas perspectivas político-administrativas, decorrentes do novo Governo eleito para o Estado do Rio de Janeiro, o Centro de Estudos do HEPq convida Vossa Senhoria para participar da reunião que promoverá no dia 03 de março próximo, onde será obedecida a seguinte agenda:
01-Sucessão do Atual Diretor do HEPq;
02- Realidade Assistencial do HEPQ;
03- Perspectivas futuras da Assistência Psiquiátrica no Estado do Rio de Janeiro e a necessidade de integração do HEPq no processo.
Local: Anfiteatro do HEPq
Horário: 10h
Dia: 03-03-1983

Nesse ano, como o documento acima citado deixa claro, paralelamente às mudanças da Direção e da Presidência do Centro de Estudos do Hospital, surgiu outra fase na história do Jurujuba, marcada pela implantação de uma “nova filosofia” no atendimento ao paciente psiquiátrico.
Desde os anos 60, e mais fortemente nos anos 70, a assistência psiquiátrica mundial foi sendo transformada como consequência das novas ideias lançadas por filósofos e estudiosos dessa área. As pessoas interessadas nesses estudos e na sua repercussão na psiquiatria brasileira poderão encontrar dados muito interessantes em pelo menos dois livros: ARQUIVOS DA LOUCURA – Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria, escrito por Vera Portocarrero, e LOUCOS PELA VIDA – A trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil, publicação coordenada por Paulo Amarante.
Em 1983, o Hospital de Jurujuba viveu um momento de efervescência política. Ocorreram mudanças no governo, surgiram novas lideranças dentro da instituição e novas propostas para o atendimento aos pacientes.
Essas novas lideranças trouxeram consigo ideias que se mostravam, na ocasião, “revolucionárias”.
Embora as alterações propostas, naquele período histórico do Jurujuba, fossem formalmente estruturadas e embasadas em enfoques científicos e teóricos reconhecidamente aceitos no universo da Psiquiatria, parece que – como era previsto – não trouxeram significativas mudanças na dinâmica dessa Instituição, pelo menos inicialmente.
As ideias norteadoras das reformas foram publicadas no Jornal da Associação Fluminense de Psiquiatria –Ano II – Nº 4 – junho/julho 1983,  página 2, sob o título: “Possibilidades de Transformação do Hospital Psiquiátrico Asilar”.
O clima de euforia que chegou com as mudanças administrativas gerou situações de colorido burocrático, com propósito de “organizar a casa”. Assim, através do memorando n. 31/83, datado de 23 de maio, lia-se:

DO: GABINETE DO DIRETOR
AO: DR. JOSÉ LUIZ BELAS

Conforme determinação superior, solicito informar com urgência, através do memorando, à Seção de Pessoal, o horário do serviço diário de todos os seus funcionários.
Atenciosamente

Talvez seja fácil imaginar a dificuldade enfrentada por uma pessoa que, chegando num hospital com uma organização estruturada durante muitos anos, tenha como tarefa a implantação de novas rotinas administrativas e técnicas.
Através desse memorando, pode-se observar a confusão que, provavelmente, havia quando era necessário definir quem era quem dentro da instituição, pois o Serviço de Psicologia não tinha “funcionários”, todos eram estagiários e voluntários. Como enquadrá-los?
Esse ano foi marcado pela proposta de realização dos Grupos Operativos (metodologia muito aceita naquela época) para funcionários e técnicos do Hospital, com o objetivo de, entre outros, preparar as “equipes de tratamento”.
Anos atrás, uma experiência semelhante já havia sido realizada nessa instituição, como mencionamos linhas atras. Entretanto, nesse ano, essas atividades ganharam visibilidade e valorização maiores, por passarem a fazer parte de um projeto mais amplo que visava mudar o modelo assistencial psiquiátrico, em vigor até então.
Como o tema do presente livro é a História da Psicologia no Hospital de Jurujuba, creio que caiba aqui uma observação: a grande maioria dos Setores do Hospital foi convocada para participar das reuniões dos grupos operativos. Os únicos setores que não foram contemplados no planejamento da “ESCALA DE REUNIÕES NO EXERCÍCIO DE 1983” foram a TO e a Psicologia. Esses dois grupos só foram integrados ao projeto no final desse ano. Qual a importância deste fato? Ainda era comum observarmos que a Psicologia continuava, para as lideranças técnicas do hospital, como uma área “esquecida”. Dizendo isso de outro modo, naqueles dias de mudanças, ainda que as propostas fossem focadas na preparação das equipes multidisciplinares de tratamento, era visível a persistência de uma visão antiga, calcada no modelo médico, no qual profissões como Psicologia e Terapia Ocupacional – valorizadas nos textos e nos discursos que pregavam a criação das equipes multidisciplinares, permaneciam como “secundárias”, ou simplesmente “complementares”. Somente em abril do ano seguinte, a Psicologia, foi efetivamente convidada a participar dos Grupos Operativos, e deles participaram alguns estagiários voluntários.
A despeito dessa percepção distorcida da possibilidade real de contribuição da Psicologia ao trabalho de assistência à saúde mental no Jurujuba,  o fato de existir um Serviço de Psicologia nesse Hospital chama a atenção de alguns segmentos da comunidade acadêmica do Rio  de Janeiro. Provavelmente pela ampla divulgação que o Serviço alcançou desde 1972 até 1983, passou a ter o papel de “Representante do Hospital” em vários eventos para os quais era convidado a dar sua contribuição. Tal fato nos faz pensar que a Psicologia do Hospital de Jurujuba era mais valorizada pelas instituições externas do que pelo próprio Hospital: “santo de casa não faz milagres”?

Por isso mesmo, nesse ano, o Hospital Psiquiátrico foi representado no 3o ENCONTRO PARA TROCA DE EXPERIÊNCIAS, promovido pelo CRP-05, realizado no Automóvel Clube do Brasil, como programa comemorativo do Dia do Psicólogo.
O tema desse encontro foi: “Psicologia: Prevenção da Saúde Mental”.
A mesa redonda, na qual o Hepq foi representado por seu Psicólogo, teve como tema SAÚDE E SAÚDE MENTAL
Nesse encontro, foi apresentado o documento intitulado “O trabalho em Psicologia no Hospital Estadual Psiquiátrico”, o que muito contribuiu para levar ao conhecimento de diversos segmentos da comunidade os limites e os avanços dessa nova Profissão na área da saúde mental. Como um grande relatório, o trabalho apresentado naquele evento mostrou o que havia sido realizado nessa instituição, desde a criação do seu Serviço de Psicologia.

FIM DA PRIMEIRA PARTE

Em breve publicaremos a conclusão   deste trabalho:
“ 1984 a 1998”