J.L.BELAS
JULHO DE 2022
Naquela manhã, algo diferente aconteceu.
Sempre passo por ali, indo para o trabalho.
Parar naquela esquina é quase obrigatório.
O cruzamento demorado faz com que o trânsito pare e a gente fique, por mais de dois minutos, aguardando para seguir em frente.
Dois minutos foi o tempo suficiente para que eu experimentasse uma sensação forte e diferente dentro de mim: o olhar D´ELA.
Trabalho com pessoas, conversando com elas, tentando ajudá-las a superar algumas de suas dificuldades. Nunca tive dúvidas em relação à minha facilidade para lidar com gente. Suas formar de ser, suas vestes, suas vaidades, tudo chega a mim de forma serena e eu, na grande maioria das vezes, percebo que não julgo o que vejo em ninguém.
É bom que se diga que, entre tudo aquilo que sinto ao estar com uma pessoa, o que mais me toca, ao me aproximar dela, é o olhar com o qual ela me olha.
O olhar é, para mim, uma ponte, uma janela, uma porta que se abre me convidando a entrar em um universo desconhecido. Aceitar tal convite é permitir-me viver uma enorme aventura, que às vezes me assusta, mas, aprendi, que sempre vale a pena.
Por isso, quando o medo da aventura é maior do que o desejo de se aventurar, a gente, no final, de algum modo, lá no fundo, sabe que perdeu um capítulo de nossa VIDA.
Maltrapilha, descalça, magérrima, um corpo franzino e imensamente sujo.
Em seu rosto de mulher branca, apenas as rugas se destacavam, negras e fundas.
Sua boca, com lábios murchos, mostrava que nenhum dente existia ali.
Sua fala, se ainda é possível defini-la assim, rouca, incompreensível.
Cabelos alvos, cinzas, alvoroçados em desaninho sobre uma cabeça pequena, locais onde escovas, pentes e shampoos, tudo indica, há muito não visitavam.
Mas, mesmo vendo aquela imagem de miséria e decadência humana, também pude ver, por alguns segundos, O OLHAR, daquela mulher.
Um olhar sereno, quase frio, indiferente, anestesiado, sem o brilho da esperança.
Através dele, ela não mostrava mágoas, nem lamentações.
Seu olhar não me dizia: Entre!!. Mas somente um: Se quiser, entre!
Ela não pedia: me ajude! Apenas dizia: Estou aqui! Caso queira me ajudar…
Transmitia, com todo o seu NADA, um TUDO muito próximo do que chamamos de dignidade e altivez.
Em determinado momento o trânsito voltou a fluir e a imagem daquela mulher foi ficando para trás. Todavia, a d’aquele seu olhar, tão efêmero, que me fascinou, insistiu em permanecer comigo e me fez pensar muito, em muitas coisas.
Embora não tenha tido a oportunidade, concreta, de visitar o mundo da dona daqueles olhos, no pouco tempo em que estivemos próximos ela me mostrou muito sobre o MEU mundo.
Pude avaliar o que possuo como bens materiais e os valores que cultivo, e reforçar em mim a ideia de que para SER uma pessoa altiva, que preserva sua dignidade, basta que a gente não desvie o olhar quando estiver diante de alguém.
É importante que a gente se respeite e não sinta vergonha de ser o que se é.
Foi isso o que mais me impressionou naquele olhar. Foi isso que percebi ao ver aquela mulher, no olhar d´ELA.
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