PSICOTERAPIA NAS SÍNDROMES RARAS

Uma abordagem centrada na pessoa

JLBELAS MAIO 2021

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Quando uma pessoa nos procura buscando um atendimento psicoterápico geralmente deseja solucionar, ou pelo menos compreender, alguns problemas que a afligem.  Espera poder discutir suas dificuldades com um profissional e encontrar saídas que a levem viver a vida de maneira mais tranquila, com menos angústias, medos, inseguranças, sendo mais ELA MESMA.

Os problemas que trazem para o encontro terapêutico, em sua maioria, estão ligados a questões da vida diária, sobre a família, o trabalho, os relacionamentos afetivo-sexuais, conflitos religiosos e inúmeros outros.

Quase sempre, por mais difíceis e antigos que sejam seus problemas, os clientes esperam que eles possam ser solucionados a curto, médio, ou a longo prazo. Poderíamos, então, afirmar que, na maioria das vezes, a pessoa em busca da terapia acredita, de alguma forma, em “dias melhores”.

Mas o que quero discutir aqui diz respeito àqueles clientes que não acreditam na possibilidade de “dias melhores”. Refiro-me àqueles que, por serem portadores de síndromes raras, que não lhes oferecem nenhuma esperança, mostram-se céticos, pessimistas e sem motivação para lutar por um futuro que, para eles, é sombrio.

O fato de atender alguns clientes portadores de tais dificuldades levou-me a pensar que poderia ser interessante trocar algumas experiências com outros profissionais que tenham trabalhado, também, com pessoas que, diferentes da clientela mais comum, nos trazem problemas “insolúveis”.

  • ABORDANDO, CONCRETAMENTE, O PROBLEMA

A questão que trago à discussão é o atendimento de clientes portadores de quadros clínicos, médicos, metabólicos, com prognósticos que apontam para uma inevitável piora, com progressiva perda das condições de viver igual às demais pessoas, como ocorre, por exemplo, na síndrome de Bardet-Biedl.

Os profissionais que atuam no campo da Psicoterapia e alicerçam suas práticas nas propostas da Abordagem Centrada na Pessoa, costumam afirmar que a PESSOA é o centro do processo terapêutico e não o diagnóstico que ela carrega, pois este será sempre secundário aos objetivos do trabalho que realizará com seu cliente.

O grande desafio da psicoterapia dessas pessoas, portadoras de doenças raras e severas, reside num fato complexo: a percepção negativa que possuem de seu “self”.  Tais clientes, desde muito cedo, convivem com uma imagem de si altamente desqualificada, o que provoca, neles, um sentimento de IN-HUMANO. Aceitar-se é um enorme desafio. Acreditar nas pessoas, no futuro, na felicidade, na realização pessoal, e tudo mais, é, para elas, quase impossível. E o que a psicoterapia poderá fazer nesses casos?

  • ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DESSES CLIENTES

Tomarei como tema para nossa discussão sobre “clientes portadores de síndromes raras” aqueles que vivem sob as consequências de ter nascido com severos comprometimentos decorrentes de síndromes tais como a de Bardet-Biedl (1).

Os vários sintomas limitantes que caracterizam a BBS produzem problemas sérios que atingem corpo dessas pessoas.  Todavia, pior do que aqueles que são produzidos no corpo são os que atingem a autoimagem delas.

b-1 – O CORPO

Ainda que não presentes em todos os casos, os sintomas mais frequentes são: obesidade, retinopatia pigmentar, polidactilia, rins policísticos, hipogenitalismo, dificuldades de aprendizagem, diabetes, cardiopatia congênita e outras manifestações.

“As anomalias renais são as principais manifestações com risco de vida porque podem levar a insuficiência renal terminal com necessidade de transplante renal.

Cegueira progressiva por distrofia retiniana, juntamente com atraso mental moderado (quando presente), anomalias comportamentais, diminuição da expressão facial e obesidade irão afetar a vida social destes doentes.” (1)

b-2 – OS ASPECTOS PSICOLÓGICOS

Os clientes portadores da BBS, como vimos acima, apresentam deficiências físicas altamente limitantes e, em decorrência disso, chegam ao consultório com uma percepção de si mesmos muito negativa, quase não humana. Nota-se em suas palavras uma carga acentuada de pessimismo, pouca esperança em alcançar algum tipo de melhora, ou superação de suas dificuldades e vergonha de ser como é.

São inúmeras as manifestações a nível psíquico que os clientes com essas limitações apresentam, como vimos acima, mas entre elas talvez uma das mais frequentes seja o humor depressivo. Há neles uma visão negativa do futuro e uma alteração no modo de perceber o “tempo”.

Sentem grande necessidade de respostas que possam aliviar seu estado de desesperança.

Apresentam, ás vezes, fantasias de autodestruição e suicídio e uma forte rigidez no modo de perceber a realidade.

Estão presentes neles os sentimentos de culpa, inveja, remorso, incapacidade intelectual, infelicidade, menos valia…

Geralmente, todas as sessões começam com uma queixa. O conteúdo delas sempre parece ter o propósito de deixar claro para o terapeuta que “tudo continua mal e que ele não acredita na melhora”.  Seu discurso é arrastado e soa como um lamento e autopiedade.

Presente, passado e futuro parecem ser uma coisa só. A noção de antes, depois, mais tarde, deixam de fazer sentido, pois mesmo que se pense na possibilidade de surgir uma solução para seu problema, isso não lhe diz nada. De que adianta esperar? Não há futuro! O presente é horrível e no passado não houve nada de bom possa ser lembrado.

Como se sentir como alguém de valor, quando, ao olhar para si, não vê nada que lhe agrade, ou que valha a pena?

Como não se sente tendo algum valor, admirado, gostado por alguém, ou por si mesmo, existir, ou não, dá no mesmo. Se é para viver sofrendo assim, melhor morrer logo e acabar com esse sofrimento, pensam alguns clientes.

O fato de nunca ver uma melhora concreta acontecer gera uma postura muito rígida em relação ao seu modo de ver a realidade. Generaliza essa ideia de imutabilidade dos fatos e passa a ter uma visão altamente rígida em relação a tudo e a todos.

Com bastante frequência é impaciente com as pessoas, principalmente com aquelas que tentam alentá-lo dizendo que tudo dará certo no futuro, e que ele não pode se sentir como se sente. Geralmente há atritos entre ele e as pessoas próximas que agem dessa forma com ele. Sente como se aquelas pessoas quisessem “dar-lhe força e ânimo”, mas esses gestos o irritam muito e, em certas ocasiões, ele chega a reagir agredindo-as verbalmente. Depois de tais ocorrências costuma se sentir culpado e injusto com aqueles que tentaram animá-lo.

  • O PROGNÓSTICO DO TRATAMENTO MÉDICO

O cliente portador da BBS, precisa ser acompanhado por vários médicos, regularmente. Sempre que os visita, como seria de se esperar, aguarda desse profissional uma opinião sobre o tratamento que vem realizando há anos, desde seu nascimento. Invariavelmente a resposta que escuta é bem desanimadora. O que se sabe sobre o prognóstico de tais síndromes é o seguinte:

 “As anomalias renais são as principais manifestações com risco de vida porque podem levar a insuficiência renal terminal com necessidade de transplante renal. Cegueira progressiva por distrofia retiniana, juntamente com atraso mental moderado (quando presente), anomalias comportamentais, diminuição da expressão facial e obesidade irão afetar a vida social destes doentes.”

  • OS TRATAMENTOS MÉDICOS DISPONÍVEIS

Existe tratamento disponível para curar as pessoas com BBS?

Não!  É possível tratamentos somente para algumas características associadas à Bardet-Biedl.

Com o agravamento da perda de visão, os pacientes devem utilizar de recursos e tecnologias assistidas para garantir sua orientação e mobilidade.

Pesquisadores identificaram 12 genes que estão ligados a Síndrome de Bardet-Biedl, dando-lhes metas claras para o desenvolvimento de alguns tratamentos.

Para gerir as complicações da doença renal associada com síndrome de Bardet-Biedl, o paciente deve ser examinado por um nefrologista.

Cirurgias, óculos especiais, fisioterapias, tudo isso e muitas outras ações podem minimizar alguns dos sintomas. Todavia não se pode falar em cura médica.

  • O TRATAMENTO PSICOTERÁPICO

O paciente com BBS quase sempre apresenta um quadro psicológico que justifica seu encaminhamento para uma assistência psicoterápica. O trabalho de acompanhamento por um profissional da Psicologia estaria incluído entre outros tratamentos necessários para que esses pacientes consigam superar mais facilmente os problemas que tal síndrome lhes impõe.

Diferentemente de um paciente terminal, em que sua expectativa de vida geralmente é pequena, esses clientes podem viver por longos anos carregando um fardo grande e progressivamente mais pesado, cheio de limitações físicas crescentes. Por esse motivo a psicoterapia na BBS apresenta aspectos bem típicos. Acredito que a apresentação de um caso clínico possa nos ajudar a compreender melhor o que estou querendo dizer-lhes.

F – APRESENTAÇÃO DE UM CASO CLÍNICO

Procurem imaginar que seu cliente é um jovem de pouco mais de vinte anos de idade. Tentem sentir o que passa pela cabeça dessa pessoa que, em decorrência do fato de ser portador de uma síndrome como a BBS, sofre de vários problemas de saúde.

Seu corpo se mostra bastante diferente do padrão mais comum entre nós, não só pela forma como por sua funcionalidade. Vive em consultórios médicos desde pequeno. Muitas cirurgias, muitos médicos, muitos exames, muitos remédios. Mas, nisso tudo, há algo que mais o desespera: saber que, em pouco tempo, deixará de enxergar e que a ciência, no momento, não lhe dá nenhuma esperança de cura.

          Ele sempre foi um amante dos livros. Agora se entristece por não conseguir ler se não umas poucas páginas, pois seus olhos começam logo a dar sinais de enorme cansaço, as letras se embaralham, não sendo mais possível continuar a leitura.

          Também se vê limitado quando quer caminhar, pois geralmente se machuca ao tropeçar, ou esbarrar em móveis, em casa, ou em pessoas, na rua.

          Quando convidado para uma reunião com a família, ou com colegas, sente-se isolado, não participante, envergonhado, diferente dos outros jovens de sua idade.

          Uma fotofobia o acompanha e o aniquila. A luz de um dia claro, de sol, para ele é como se uma lâmina entrasse através de suas pupilas, provocando dor e ofuscando as imagens que se postam diante de si.

          Como algumas consequências de tais limitações, esse cliente tende a evitar os contatos sociais e a maior parte das atividades fora de casa. Escolhe viver trancado em seu quarto, deitado, no escuro, aceitando apenas realizar exercícios propostos em suas sessões de fisioterapia e saídas de casa para ir às consultas médicas essenciais.

          Somam-se a essas dificuldades já citadas inúmeras outras, configurando uma síndrome metabólica que se mostra de várias formas no corpo desse cliente: obesidade, problemas cardiovasculares, motores, diabetes etc.

G- A PSICOTERAPIA E A REALIDADE A SER VENCIDA

Costumo dizer que “a realidade se impõe”.  Isso é óbvio.

Mas, como também costumo dizer, o óbvio é muito perigoso, pois não lhe costumamos dar seu real valor e significado.  Passamos batido por ele, porque não há muito o que se pensar a seu respeito: é óbvio!! Não há o que se discutir quando o assunto é “obvio” … E por aí vai!

Mas, se entendermos que só poderemos construir uma parede de pedra, com pedras, entenderemos também que só poderemos viver a realidade, com a realidade. Seja ela qual for.

A chuva, chove. Ela não deixará de chover para que possamos sair sem capa ou guarda-chuva.

Eu posso optar por sair quando estiver chovendo, mas, caso não queira me molhar, terei que usar uma capa, ou um guarda-chuva, ou algo que me proteja dela.  Porque a chuva, não passará apenas para me agradar. Como disse acima: “a realidade se impõe”.

Bem, pensando assim, o cliente que tem um problema, tal como o descrevi linhas acima, não terá como “fazer de conta” que ele não existe. Essa é a realidade imposta a ele.  Pode ser que algum dia surja uma pesquisa sobre a doença que o atinge e a solução apareça.  Mas isto é, se.  Um se muito indefinido e indefinível que pode acontecer daqui a um dia, ou daqui a um século.  O que temos, concretamente, hoje, é que a realidade na qual o cliente vive é esta, a que conhecemos.

Partindo desse raciocínio, acredito que o cliente possa ficar bem, com ele mesmo e com a realidade que o cerca, na medida em que a aceite e consiga ver nela um grande desafio. Aceitando esse desafio ele poderá sair vencedor se encontrar formas adequadas, seguras (não necessariamente agradáveis) de contornar as dificuldades que ela, a realidade, está lhe impondo.

Vencer o desafio que a realidade impõe ao cliente significa, antes de mais nada, ajudá-lo a conseguir aceitar a si mesmo como uma pessoa limitada em suas ações, mas não como pessoa impossibilitada de agir.

Na busca de soluções, terapeuta e cliente, devem andar juntos na procura de realidades alternativas que lhes permitam abrir novas possibilidades de ações realizadoras, que tragam satisfação e alegria de viver para o cliente, dando novo sentido e valor à sua existência.

H- CONDIÇÕES FACILITADORAS DO PROCESSO TERAPÊUTICO

Alguém que viva uma realidade, tal como venho apresentando neste comunicado, talvez se assemelhe a uma pessoa profundamente ameaçada e que, por isso, se sinta na defensiva o tempo todo.

Na defensiva? Sim!

Ainda que desesperançada, deseja muito sentir-se bem, feliz, alegre…

Por outro lado, não acredita que possa conseguir essas “maravilhas”.

Quer ser como a maioria das outras pessoas.  Nada de mais. Apenas “normal”.  Mas este sonho, para ela, está longe de ser conquistado.  Um cliente assim teme decepcionar-se mais uma vez, pois, há muito tempo, acreditou, por várias vezes, ser possível conseguir superar suas limitações, mas foi em vão. Frustrou-se muito e agora não quer mais sofrer desilusões. Ele é, por isso, desconfiado, incrédulo…

Nenhuma palavra de estímulo soa-lhe bem. Imediatamente, ao ouvir as palavras de encorajamento a ele dirigidas, diz para si mesmo: “NÃO ACREDITE!!!”

O processo terapêutico de um cliente com um problema semelhante ao que apresentei acima, assim penso, acontece efetivamente quando ele começa a caminhar em direção à realidade na qual vive, sem temê-la e sem negá-la.

Dito de outro modo, o cliente só “caminha em direção à sua verdade” quando consegue falar sobre ela, e ouvir o que disse sobre a mesma, com o mínimo de medo.

No começo da terapia, quando o cliente ouve o que ele mesmo fala, através de suas próprias palavras, ou através das do terapeuta, surge nele um medo, ou uma sensação de estranheza.

Esse sentimento do cliente poderá ser diminuído se ele puder “compartilhar” sua fala com alguém que, de modo claro, sem crítica e com tranquilidade, aceite naturalmente o seu discurso. Caso isso aconteça, terapeuta e cliente passam a ser dois exploradores do mundo interno de cada um deles, e dos fenômenos que ocorrem no momento mesmo em que estão vivendo o relacionamento terapêutico.

Imagino, em tais situações, algo como uma pessoa que tem medo do escuro, mas se sente protegida pela presença de uma outra ao seu lado. Com alguém “dando-lhe a mão”, fica mais fácil “abrir os olhos”, mesmo no escuro, ainda que o medo insista em se fazer presente.

Tenho observado que, quanto mais o cliente teme sua realidade, maior a necessidade de perceber, de forma clara, que pode contar com uma pessoa que estará ao seu lado, andando pelos caminhos novos que ele precisa andar, como um bom companheiro de viagem.

As qualidades que parecem necessárias a esse “bom companheiro de viagem” são poucas, mas muito importantes.  Carl Rogers já nos apresentou tais “qualidades”: ser empático, aceitar o outro incondicionalmente e estabelecer uma relação genuína com o cliente.

Como tais “qualidades”, ou características, ou condições, aparecem no relacionamento terapêutico?

1 -EMPATIA

Como falei anteriormente, esses clientes se ressentem muito quando alguém, com as melhores intenções, tenta “dar força”, tranquilizá-los, animá-los….

Quando isso acontece eles têm a sensação de que aquelas pessoas não entendem seu drama, que elas as consideram fracas, ou sem fé, ou acomodadas…, ou coisas assim.

O sentimento experimentado pelo cliente, nessas ocasiões, é de fracasso, de menos valia, de incapacidade de se fazer compreender, frustrado e “sozinho”.

Entretanto, se o terapeuta puder ouvir o que o seu cliente lhe diz, tentando compreender aquela fala a partir dos referenciais internos do cliente, provavelmente receberá um “convite” para visitar o mundo dele e conhecer a sua realidade.

Tendo recebido aquele “convite”, o terapeuta poderá começar a ver e sentir, de forma mais precisa, o que seu cliente vê e sente.

Inicialmente tais percepções do terapeuta serão limitadas, pois ainda lhe faltam muitos dados sobre aquele universo que está visitando.  Aos poucos, começará a compreender, mais e mais, as palavras ditas pelo cliente, seus significados e as emoções associadas a elas. E o mundo do outro vai se tornando também do terapeuta. E vice-versa. (2)

O fato de sentir-se compreendido em seu mundo, leva o cliente a:

  • não se sentir mais só;

  • com menos medo do que tiver de enfrentar;

  • a experimentar um sentimento de força interior, como se nele fosse liberada uma energia que jamais imaginara possuir;

  • a realidade já não o assusta como antes. Parece possível aceitá-la e compreendê-la como ela é;

  • a sentir-se mais Humano.

2-CONSIDERAÇÃO POSITIVA

Não se sentir só não basta. Certamente, “antes só do que mal acompanhado”, como diz o ditado, bem ilustra a importância da qualidade da companhia.

Quando eu ouço o que meu cliente me diz, dentro de mim pode surgir um conflito: eu entendo o que ele me falou, mas não necessariamente concordo com o que ele me disse. De fato, como nossos mundos são diferentes, eu avalio o que me chega à consciência através dos meus referenciais, dos meus paradigmas. Assim, o que escuto, vindo do cliente, nem sempre corresponde ao que acho correto, bom etc.

É importante que eu não perca de vista esse dado. Embora eu esteja caminhando no mundo do outro, tentando compreender cada detalhe daquele

universo, não devo avaliar o que ali existe. Aquele é o mundo dele. Preciso respeitá-lo.

Tal “respeito” não é um artifício, uma estratégia que devo seguir para alcançar algum objetivo.  Esse respeito decorre de minha compreensão em relação a um fato “óbvio”: eu sou uma pessoa e meu cliente é uma outra pessoa, assim como eu, fruto de uma história pessoal única.

Como falei linhas atrás, essas questões óbvias são perigosas, pois costumamos não lhes dar a devida importância.  Só quando eu percebo, com profundidade, que o meu cliente é um outro, construído a partir de experiências muito únicas, somente dele, e que eu jamais conseguirei ser IGUAL a ele, é que se torna possível eu aceitá-lo como alguém que tem o direito de ser o que ele é , e que não me é dado o direito de cobrar dele que seja como eu sou, ou como eu penso.

A aceitação não é um ato de bondade minha e que, por isso, permito que o outro seja o que é.  Não. Aceitação é o reconhecimento pleno de que o outro é um outro, de que cada pessoa é única no universo. O que nos faz poder compreender o outro é o fato de sermos “parecidos”, “semelhantes” … Nunca seremos iguais. É ÓBVIO!

Quando o cliente sente que pode dizer o que quiser e que não será avaliado, julgado pelo que disse, começa a se aventurar a ir mais a diante, explorar mais as regiões de seu mundo, antes temidas. Dessa forma, ele começa, cada vez mais, a aceitar e a compreender seu próprio mundo, com menos medo, por estar acompanhado, e com mais segurança, por ter alguém que pode pensar com ele, sobre as coisas dele.

Em decorrência do que foi apresentado nos últimos parágrafos, o mundo do cliente se torna progressivamente mais real e menos ameaçador. Com isso, ele pode aceitá-lo e reconstruir, agora, seu mundo sob bases realísticas, deixando as fantasias amedrontadoras de lado.

Voltando ao que disse no início, ele fará uma “parede de pedras, com pedras”. Ele não negará que está chovendo, nem tentará se conformar com a chuva através de declarações que possam justificar sua utilidade, nem se lamentará por ela existir. Entenderá que ela não o impedirá de viver e ser feliz se ele lançar mão de uma capa, ou de um guarda-chuva que existem em “seu armário”.

3 – A CONGRUÊNCIA

Finalizando esse questionamento sobre as condições facilitadoras para a ocorrência do processo terapêutico, chegamos a um conceito muito importante para nosso trabalho. Refiro-me à congruência.

Em termos práticos, podemos dizer que ela é o combustível para as duas condições apresentadas aqui anteriormente: empatia e aceitação.

O que quero dizer com isso é que a congruência dará à empatia e à aceitação a possibilidade de realizarem suas próprias naturezas, serem aquilo que nasceram para ser.

Não há como usar a empatia, ou a aceitação como uma ferramenta para se construir um processo terapêutico. Ou o terapeuta é verdadeiramente empático e aceita verdadeiramente seu cliente e a terapia evolui, ou, se assim ele não for, encontrará muitas dificuldades para conseguir levar a terapia a um resultado positivo.

A congruência se expressa na transparência do terapeuta, através da qual ele consegue deixar de forma evidente para a pessoa que está diante dele, sua vontade de visitar o mundo dela, conhecê-lo, compreendê-lo, aceitar cada particularidade do universo pessoal dela, criando um relacionamento humano muito verdadeiro e especial, pleno de respeito e afeto.

A qualidade de um relacionamento construído com base na compreensão empática, e da aceitação incondicional abre um caminho que leva o cliente em direção a mudanças significativas no seu modo de perceber sua realidade, aceitá-la como ela é, e criar novas alternativas de vida de maneira construtiva, menos rígidas, mais saudáveis.

  • TENTANDO UMA CONCLUSÃO

A partir de minha vivência atendendo pessoas com dificuldades físicas extremas, pude observar que esses clientes alcançam um resultado positivo nesse processo quando, eu e ele, conseguimos criar um determinado tipo de relacionamento interpessoal.

Tal relacionamento nasce e se desenvolve quando consigo aceitar o convite do cliente para acessar seu mundo interno, e ele percebe que sou capaz de compreender e aceitar, verdadeiramente, o que ele me mostra. A partir disso, tenho a sensação de termos criado uma ponte entre nossos mundos. Através dela, passamos a estabelecer uma comunicação recíproca, sem barreiras desnecessárias.

Nesse processo chamado psicoterapia, quando ele evolui para um resultado positivo, terapeuta e cliente caminham juntos, e compartilham “seus mundos”, sempre que for possível e for necessário. Essa possibilidade de “trânsito” facilita o crescimento de ambos, enriquece a experiência dos dois, dando a eles uma visão mais plena de si mesmo e do que se conceitua como SER HUMANO.

No caso da psicoterapia de clientes portadores de síndromes raras, como a de Bardet-Biedl, a qualidade da relação entre terapeuta e cliente, tal como é sugerida pelos teóricos e profissionais que atuam dentro dos referenciais da ACP (abordagem centrada na pessoa) tem se mostrado fundamental.  Ela contribui muito para que tais clientes consigam viver a realidade que essa síndrome lhes impõe, reconstruindo suas vidas com o que efetivamente possuem (“construindo uma parede de pedra com pedras”) e reencontrem o “HUMANO” que existe neles.

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REFERÊNCIAS :

(1)https://www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?Lng=PT&Expert=110

            (2) http://jlbelas.psc.br/2008/09/26/psicoterapia-eu-queria-poder-dizer-lhes/