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Psicoterapia: Teoria e Prática
JLBelas – JAN-2007
No processo ao qual damos o nome de Psicoterapia, constatamos, com grande frequência, uma dificuldade significativa, experimentada pelos clientes, quando tentam mudar seus “comportamentos inadequados”.
É bastante frequente imaginarem que, na medida em que alcancem um nível maior na compreensão da dinâmica do surgimento e da origem de tais comportamentos, consigam promover, em si, as mudanças necessárias para reorganizarem suas dificuldades e superá-las.
Todavia, compreender o que aconteceu no passado de uma pessoa não é suficiente para que ela mude seus comportamentos indesejáveis e inadequados, ainda que essa compreensão tenha sua importância dentro do processo psicoterápico como um todo.
Entretanto, quanto mais a pessoa se dá conta de que está “novamente” repetindo um comportamento inadequado pela “milésima vez”, a despeito de sua compreensão bastante precisa do que a está levando a tal repetição, progressivamente fica clara e evidente para ela a necessidade de mudar, e – paradoxalmente – esse é o seu grande e amedrontador desafio.
Quanto mais vezes o cliente constata seu movimento circular, repetido, rígido e, ao mesmo tempo, se dá conta dos fatores que sempre o empurram na mesma direção, ou seja, que sempre o levam a permanecer no mesmo ponto, como se estivesse ancorado num porto, mais se dá conta – agora de forma quase visceral – que precisa, realmente, arriscar novos comportamentos, mesmo que ainda se sinta inseguro, com medo do desconhecido, que o espera logo à frente.
Esses momentos críticos vão-se repetindo ao longo do processo psicoterápico e, com o passar do tempo, mostram-se cada vez mais fortes. Atuam como se fossem colocando a pessoa “encostada na parede”, e ela própria começa a cobrar a realização de algum movimento que promova uma experiência nova em sua vida.
Falando assim, pode parecer que isso é fácil para o cliente. Muito pelo contrário. Às vezes, mesmo depois de muito tempo de terapia, o movimento necessário para a melhora pode ser modesto. Entretanto, o que tenho vivido com as pessoas que atendi até hoje é: uma vez experimentado o primeiro movimento de mudança, os demais se sucedem mais facilmente, como se eles se sentissem encorajados por terem descoberto que muito do que temiam era decorrente do nível de fantasia que haviam criado. Descobrem, depois de agirem de forma nova, que os fantasmas que enfrentaram não eram tão destruidores como imaginaram e que a sensação de força e poder que experimentaram, após terem conseguido superar o primeiro obstáculo, as motiva e as leva a acreditar serem capazes de dar continuidade à necessária desconstrução daquilo que, até ali, chamavam de “seus problemas pessoais”.
Muitas pessoas vivem, anos, prisioneiras em cadeias construídas por elas mesmas. Não fazem isso como um castigo imposto a si mesmas. Não. Muitas razões existem para que elas ajam assim e construam suas prisões, como uma forma de se protegerem do mundo que as cerca.
Hoje, quando passamos pelas ruas e vemos muitos edifícios fechados com grades, com porteiros eletrônicos, e, alguns deles, com câmeras de circuitos internos de televisão, sabemos que aquelas grades e todas aquelas parafernálias eletrônicas não estão ali para enfeitar os prédios, nem dar mais conforto aos seus moradores. A função delas é proteção, movida por um único sentimento: medo.
Num artigo escrito por mim, há muitos anos atrás, fiz uma comparação entre o cliente e uma casa, e dizia que o terapeuta era, na verdade, apenas um “convidado” dele e um “visitante” nela. O terapeuta não tem condições de entrar na “casa do cliente”, a não ser que ele o convide e queira mostrar o que existe dentro dela.
Mas, mesmo quando ele é convidado, o cliente não costuma levá-lo a conhecer os cantos mais sujos, mais desarrumados, mais feios de sua “moradia”. Isso ocorre principalmente no início da relação, quando ela ainda não foi consolidada e sentida como um contato seguro, que lhe inspire confiança.
O que o leva a fazer isso – a se defender – provavelmente é o medo. Medo da opinião e do julgamento sobre sua pessoa. E, veja bem, isso ocorre mesmo quando o cliente convida o terapeuta a entrar. Ele, geralmente, deixa o profissional na “sala de visitas” por um tempo razoável, até que se sinta seguro para, aí, sim, levá-lo até o “quarto”, a “cozinha”, o “banheiro”, até poder ser convidado a visitar seu “quarto de entulhos”.
Esse medo, de que estou falando, é feito do mesmo material com o qual o cliente constrói sua dificuldade para mudar seu modo de ser e agir.
O novo o assusta! O novo é o desconhecido, que ele ainda não aprendeu a controlar. Então, manter o antigo passa a ser uma condição necessária para que o cliente continue tendo, ao alcance das mãos, o que conhece, ainda que essa coisa conhecida o incomode e atrapalhe.
Para que a mudança ocorra, é preciso que a pessoa experimente sua nova realidade várias vezes e sinta que, pelo menos minimamente, a domina. É algo semelhante a um avião que tenta pousar, mas encontra um tempo com muitas nuvens baixas que impedem a visibilidade da pista. Geralmente, ele fica o tempo necessário taxiando até que as condições lhe permitam, minimamente, uma segurança de aterrissagem.
Diferentemente do que muitas pessoas imaginam, as mudanças ocorrem por meio de acréscimos e nunca por subtrações. Como não podemos apagar nada da nossa história, tudo aquilo que vivemos está incorporado em nosso modo de perceber o mundo. Portanto, não é possível, nem seria saudável, cancelar-se qualquer fato vivido. Ele nos pertence. Ele, assim como todos os outros vividos por nós, faz parte da pessoa que somos e nos definem como um indivíduo único sobre a face da Terra. Os comportamentos negativos, que apresentamos hoje e que não nos ajudam a viver de modo mais saudável, quando são revistos dentro do contexto da nossa realidade atual e, mais ainda, quando conseguimos percebê-los por novos ângulos, acrescentam informações novas sobre nós, fazendo com que mudemos nosso self e, consequentemente, nosso comportamento. Mudamos em decorrência dessa nova percepção de nós e do nosso mundo. Mudamos porque, agora, através dessa percepção atualizada de nós mesmos, passamos a ser uma “nova pessoa”: a que éramos antes, MAIS as novas informações e os sentimentos sobre nós mesmos e sobre o nosso mundo. Esses novos momentos, experimentados pelos clientes são modificadores da sua realidade total (interna/externa), responsáveis pelas mudanças que ocorrem nele.