PANAPANÃ

         JLBELAS – 2018

O ano? Por volta de 1948.

          Éramos um grupo de crianças muito coeso e criativo, quando o tema era brincar.

          As nossas brincadeiras não eram como as que mais comumente se vê hoje nas cidades.  Eram frutos do exercício da imaginação, habilidade que tínhamos que desenvolver, já que nos faltavam os brinquedos  com os quais muitas crianças de hoje brincam. Inventávamos e “viajávamos” nas ideias de tal forma que um carrinho poderia ser construído a partir de uma lata, um pedaço de arame e um barbante.

          Dei “carona” a muitos amigos de brincadeiras, que subiam no meu “ônibus” e iam, nele, para lugares muito distantes dali.

          O volante era uma lata vazia, de goiabada.  O câmbio, um pedaço de madeira fincado no chão. O ônibus era uma vala larga, cavada no chão, tendo em seus leitos tábuas apoiadas que serviam de bancos.  Todos entravam nele e, sem sairmos dali,  lá “íamos” nós, alegres, pela “estrada” à fora.

          Mas, isso que escrevi acima, foi apenas um exemplo do nível de nossa imaginação e criatividade.

          Ao mesmo tempo em que brincadeiras como essa eram vividas por nós, outras, mais elaboradas aconteciam no nosso “campo de sonhos”: a panapanã.

          Próximo à nossa casa havia um terreno grande, coberto por pequenas árvores que, na primavera, floriam.

          Atraídas por elas, muitas borboletas iam buscar em suas lindas e pequenas flores amarelas,  o néctar que ali havia em abundância.

          Enquanto as flores atraiam as borboletas, estas nos atraiam.  Eram muitas, de diversas cores e espécies.

          Resolvemos caçá-las.  Pedimos às nossas mães seus véus, aqueles que, naquela época, cobriam suas cabeças ao entrarem nas igrejas, e que já estavam velhos demais para cobrir suas cabeças durante a missa.

          Fizemos com aqueles filós nossas redes de caçar e partimos para nossa competição: venceria aquele que capturasse o maior número de borboletas.

          Mais interessante do que capturar as bichinhas, era o lugar que construíamos para prendê-las depois de caçadas.

          Havíamos encontrado um pedaço de vidro, bem grande, que provavelmente pertencera a uma porta, ou janela, descartada naquele terreno, próximo às nossas casas.

          Fizemos um buraco no chão, forramos com matos, e colocamos o vidro sobre aquele buraco. Era como se fosse um “aquário”.  Cada borboleta conquistada era posta, com o máximo cuidado, ali dentro.

          Depois de algum tempo de muitas corridas e tombos, nas tentativas de capturar aquelas lindas e coloridas borboleta, o tal buraco já continha algumas dezenas delas. Decretávamos, então,  o “término oficial da caçada”.

          Nesse momento, chamávamos as pessoas que moravam em nossa vila e outras que , por ventura, quisessem aceitar nosso convite: idosos, adultos e crianças.  Todos ali, próximos do viveiro de borboletas,  era a hora mais importante para nós, um momento solene: a retirada da tampa de vidro.

          Nunca esquecerei o que via acontecer diante de meus olhos: uma panapanã!!  Um lindo e indescritível bando de borboletas.

          Elas coloriram o céu azul daquela tarde de primavera, sob os olhares maravilhados de todos aquelas crianças e adultos que tiveram o privilégio de estar ali, naquele momento, conosco, usufruindo e vivendo o sonho singelo, a sensibilidade, a amorosidade, que nos caracterizavam   naqueles dias da década de 1940. Ainda não conhecíamos o peso da vida.  Nossa realidade ainda era leve e colorida , tal como as borboletas. E nossos sonhos, lindos panapanãs.

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