CRÔNICAS E CASOS – O Pequeno Marujo

 

O PEQUENO MARUJO

 

J.L.Belas

Novembro de 2010

 

Ainda era bem pequeno, com quase 4 anos, quando ganhei um brinquedo que se tornou um dos meus prediletos: um barquinho feito de latão.

O que o tornava tão atraente se ligava ao fato de se poder dar-lhe corda, soltá-lo na água e ele navegar sozinho.

O grande problema que ele gerava não me atingia. Por vê-lo como um “um objeto misterioso”, eu o olhava extasiado, querendo entender que tipo de mágica aquele pequeno barco carregava em suas entranhas.

O problema maior recaía sobre meus pais, pois, para se poder brincar, era preciso água, de preferência muita.

O máximo que conseguíamos era encher uma grande bacia, utensílio muito comum nos anos quarenta, e deitar meu fabuloso barco naquele “oceano sem fim”.

Estávamos, há menos de seis meses, morando na vila, a mesma sobre a qual já escrevi em outras crônicas. Esse lugar era excelente para todos nós. Por ficar a menos de 100 metros do local de trabalho de meu pai, permitia que ele almoçasse todos os dias em nossa casa e retornasse muito cedo, dando-nos um tempo de convivência familiar bem grande.

Até o dia sobre o qual estou narrando, tudo corria bem em nossa casa, local de segurança, alegria, brincadeiras, tudo com que uma criança e seus pais sonham.

Numa certa noite, próxima ao verão, os céus anunciaram em altos brados que a chuva, que cairia sobre todos nós, acabaria com nossa paz. Raios, trovões e, finalmente, água forte, pesada, invadiram cada canto do nosso paraíso. Meus pais, em desespero, surpresos, assustados, já discutiam para onde ir. Mudarem-se de lá…

Acho que meu sono pesado é coisa antiga, pois, no meio dessa barulheira toda, dormia, dormia e dormia.

Talvez o que me tenha acordado foi o fato de mexerem na minha cama, para colocá-la o mais distante possível do chão, que, a essas alturas, não se o via mais.

A vila estava submersa. Nossa casa com água até metade da altura do parapeito da janela. Um caos. Em meio a ele, meus pais tentavam salvar o que podiam e proteger-me daquela situação calamitosa e assustadora.

Lá pelas tantas, acordei. Na escuridão, pois luz nem pensar, uma vela dava o tom macabro do ambiente, uma cena meio surreal. Meus pais tentavam fazer de tudo para que eu não ficasse assustado com aquela tragédia. Mas, entre risos e choros, estavam surpresos com que ouviram daquele minúsculo e inocente garotinho, agora sentado sobre o colchão de sua pequena cama, sua enorme e indestrutível ilha:

– Cadê meu barquinho!!!! Pega, pega ele!!!

Fico imaginando que, entre dormindo e acordado, aquele garoto estaria vivendo, como num sonho, exatamente o que sempre desejara ter: não uma bacia cheia de água, mas um “oceano enorme”, para em seu barco navegar, “pilotá-lo” e, finalmente, tornar-se “o pequeno marujo”.