A BACALHOADA DA CASA DE SEU ARSÊNIO E DONA MARIA
(Lembranças da infância -10)
J.L.Belas
Dezembro de 2008
Meus interesses gastronômicos certamente não são recentes. Isso ficou evidente quando, buscando lembranças guardadas em mim, dei de cara com uma que me levou direto à casa de Seu Arsênio, um português muito amigo do meu falecido pai.
Esse querido lusitano trabalhava na Estrada de Ferro Leopoldina e morava numa das casas, mantidas por essa empresa, no pátio ao redor das oficinas, onde os trens eram praticamente construídos pelos operários e técnicos, com a supervisão e a orientação dos engenheiros ingleses da Leopoldina Railway.
A casa de Seu Arsênio, como as demais desse local, era feita de madeira e muito agradável para se morar.
Por ser amigo do meu pai, que, por sua vez, era padrinho de uma de suas netas, esse senhor, de vez em quando, nos convidava para almoçarmos na casa dele, geralmente num fim de semana.
Dessas idas, as de que mais me lembro são aquelas em que a Dona Maria, esposa de Arsênio, também portuguesa, nos brindava com uma deliciosa, suculenta e artística bacalhoada, feita por ela, como aprendera na “terrinha”. Realmente, uma iguaria, inesquecível e digna de um bom prêmio em qualquer concurso de culinária.
Interessante é que eu era bem jovem, mas meu pai me permitia provar um pouco do vinho que o generoso amigo dele comprava para essas ocasiões. Experiências de vida que marcam e, uma vez relembradas, nos fazem viajar no tempo, recuperar imagens, sons e tudo o que se liga a elas. Presentificam o passado, tornando-o vivo, atual.
Seu Arsênio era uma pessoa alegre, com um sotaque bem carregado, um rosto sempre rosado, de formato mais para quadrado do que para redondo. Não muito alto, mas com um corpo atlético que dava a nítida ideia do que se costuma considerar como modelo de homem saudável e forte. Sua fala descontraída se tornava mais solta ainda depois de dois copos daquele delicioso vinho. Ele era responsável pela compra do bacalhau de primeira qualidade, transformado por Dona Maria em verdadeiros filés de, no mínimo, três dedos de grossura, que desmanchavam na boca.
Cozido ao ponto, acompanhado de azeitonas, folhas de couve, ovos cozidos e as indispensáveis batatas, essa fantástica bacalhoada era regada ao genuíno azeite português. Um banquete que dava água na boca, no momento mesmo em que o convite nos era feito.
Ahhh! A bacalhoada da casa de Seu Arsênio!!…
Depois do almoço, o bate-papo, os casos engraçados e as sonoras gargalhadas. Tempo bom (!!!!) em que vários “sabores” se misturavam sobre e ao redor daquela mesa, compondo um momento mágico, pleno de alegria, paz, amizade, felicidade, fraternidade.
Quando meus pais e eu voltávamos – já à tardinha – para casa, em minha cabeça ecoava uma frase que teimava em não a abandonar: quando será a próxima?
O prazer que experimento – hoje – ao beber um bom vinho, e o meu encanto diante de uma boa mesa, sem dúvida, têm algumas de suas raízes fincadas nas “tardes de bacalhoadas” da casa do Sr. Arsênio e de Dona Maria.