UTILIZAÇÃO DO RELAXAMENTO, DA IMAGINAÇÃO CRIADORA
E DE ALGUMAS TÉCNICAS DE SENSIBILIZAÇÃO NO TRABALHO
COM CRIANÇAS DO JARDIM DE INFÂNCIA(*)
José Luiz Belas
Revisão do trabalho realizado no Centro Educacional de Niterói- RJ.
Dezembro de 1983.
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(*)- O que em 1983 se chamava de Jardim de Infância atualmente é
denominado de Educação Infantil
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DEDICATÓRIA
Este trabalho foi dedicado a todos os alunos do Jardim Integral – Sala Azul/1983, por tudo que eles me ensinaram nesse ano.
A eles, meu carinho e imensa gratidão.
Dezembro de 1983
AGRADECIMENTOS
(Texto original de 1983)
Antes de iniciar a apresentação deste trabalho, gostaria de agradecer à Coordenação de Pré-Escola pelo apoio dado à sua realização.
Agradeço também à Professora Marta de Gregório Oliveira, regente da turma Jardim Integral – Sala Azul-1983 e à Professora Jurema Lúcia Agostinho da Costa, plantonista dessa mesma turma. Em relação a essas professoras, quero deixar registrados minha admiração e reconhecimento pela dedicação e elevado espírito profissional, não só por terem levado esta árdua experiência até o final do ano, mas também por terem me ensinado muitas coisas relacionadas às atividades específicas de sua área de trabalho.
A experiência delas, com crianças desta faixa etária, foi fundamental para que pudéssemos fazer algumas correções práticas e teóricas durante a realização desse projeto pedagógico, e para atingirmos nossos objetivos naquele ano.
I –INTRODUÇÃO
Educar sempre foi um desafio. Hoje, é um desafio ainda maior e mais complexo.
A educação hoje acontece num mundo onde as mudanças inesperadas, muitas vezes violentas, irão exigir de cada ser humano, num futuro próximo, uma capacidade grande de improvisação e criatividade.
O educador precisa se preparar, e preparar os jovens, para poderem superar as fortes pressões que, fatalmente, lhes atingirão num futuro não muito longínquo.
Tais pressões serão de várias naturezas e cada pessoa precisará estar em condições de manipular, de modo ágil, funcional e sensível, os dados da realidade e, com eles, construir meios eficazes de vida.
Essa flexibilidade e abertura à experiência, serão alcançadas se, desde cedo, dermos oportunidade às nossas crianças de vivenciarem um contato profundo com elas mesmas e com o mundo que as cerca.
Conseguir este nível de vivência talvez seja muito difícil pelas limitações materiais e humanas que normalmente encontramos nos colégios, principalmente pela falta de pessoal habilitado para oferecer às crianças momentos onde elas possam viver experiências deste tipo: profundamente humanas e sensíveis.
No ano letivo de 1983, numa escola chamada Centro Educacional de Niterói, situada na cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, usando os recursos que dispúnhamos, tentei, através de uma “NOVA” experiência educacional, ir um pouco além do que , habitualmente, se conseguia ir no contato com as crianças da nossa Instituição.
Creio que esse trabalho, realizado com a participação direta da professora regente da turma, tenha conseguido dar, às crianças que participaram dele, momentos nos quais puderam, certamente, viver experiências significativamente mais profundas do que aquelas que outros colegas seus, daquele ano, de outras turmas, vivenciaram.
Espero que este texto, que ora lhes apresento, possa servir de estímulo para alguns educadores, principalmente para aqueles que acreditam que o papel do professor não se limita a desenvolver “pedaços” dos seus alunos, como se eles fossem um mosaico.
Espero também que este documento desperte no leitor, seja ele educador profissional ou não, questionamentos sobre EDUCAR.
Por fim, quero deixar claro a minha certeza de que muito ainda é preciso ser feito, melhorado, modificado, em tudo o que registrei aqui. Estou, portanto, longe de lhes apresentar uma proposta acabada, pronta.
Como escreveu Rozman, D. (3)
“Os objetivos serão atingidos somente através da tentativa e da experiência e não através de discussões teóricas e da continuação dos velhos métodos de ensino.”
E a mesma autora continua:
“Temos à nossa frente a oportunidade e o privilégio de cultivar um novo ser, um novo desenvolvimento, um novo tipo de criança em nossa civilização.” ” Para desenvolver esse novo tipo de criança, a atmosfera deve ser de amor, onde a criança sente que não há motivo para se amedrontar ou se intimidar, onde ela seja tratada com cordialidade e trate seus semelhantes da mesma forma.”
No meu trabalho deste ano, nessa Instituição, tentei contribuir para que essa atmosfera fosse criada através da elaboração desse projeto, de sua preparação, do treinamento dos professores para a operacionalização dele, das supervisões dadas aos regentes e auxiliares, e do contato direto, nas salas de aula, com as crianças que vivenciaram as experiências que foram planejadas para elas. Tenho certeza que o que sentiram, ao participarem dessa experiência, continua guardado dentro delas até hoje, em algum canto, bem cuidado, no coração de cada uma.
II – BREVE EXPOSIÇÃO SOBRE COMO SURGIURAM OS
OBJETIVOS DESTE TRABALHO
O CEN (Centro Educacional de Niterói) sempre tentou, desde a sua fundação, em 1959, desenvolver um trabalho diferente daquele que é comumente realizado nas escolas chamadas de tradicionais. No CEN não se priorizava a formação conteudística do estudante, mas sim a promoção de um desenvolvimento global das potencialidades de cada aluno.
Mas o que se entende por um “desenvolvimento global”, ou uma “educação global”?
Para muitos professores, essa educação ainda é entendida como uma ampliação do que se fazia na educação tradicional. Entretanto isso não é exatamente o que acontece quando a proposta é promover o desenvolvimento do aluno como um todo. Não se trata de uma “simples ampliação”.
A criança é um “organismo” em desenvolvimento. É uma estrutura organizada na sua base e está sempre em reorganização, em constante crescimento e transformação. Assim sendo, quando eu imagino essa globalidade, penso nesse organismo inteiro, com tudo o que o compõe, do ponto de vista físico, fisiológico, psicológico, social…
Esse organismo- a criança – precisa receber nossa ajuda para desenvolver cada um desses aspectos do modo mais favorável e construtivo.
Na educação tradicional, clássica, o que se tentava expandir e aperfeiçoar era, basicamente, o conhecimento intelectual e o desenvolvimento físico.
As aulas de educação física e as atividades em sala de aula eram, sem de dúvida, prioritárias. Os relacionamentos próximos com os alunos eram secundários. Basta pararmos um pouco e tentar relembrar nosso tempo de escola para, rapidamente, confirmarmos o que foi descrito linhas acima. E isso é profundamente mais verdadeiro dependendo da idade atual de cada um de nós. Quanto mais idosos formos hoje, mais comprovaremos a diferença de propostas entre a escola tradicional e as que são chamadas de Modernas, Experimentais, etc., as que fundamentam seus planos pedagógicos em filosofias de educação mais atuais.
A partir de um determinado momento , a Escola se deu conta de que o seu papel, na formação dos seus alunos, ia muito além do ensino estático dos fatos históricos, das tabuadas, dos cálculos matemáticos, dos conhecimentos dos acidentes geográficos. Começou também a perceber que sua meta não se limitava à educação do corpo, A escola percebeu, então, que teria que mudar. Tal mudança trouxe consigo a proposta de focalizar temas que passavam a considerar a criança como um ser individual e social, vivendo em relação com pessoas e com um meio ambiente em constante transformação.
A Escola, agora consciente do seu papel dinâmico na preparação de seus alunos, passou a reconhecer que os programas pré-estabelecidos não tinham mais o sentido que possuíam anos atrás. À medida que a informação e o desenvolvimento científico e tecnológico começaram a caminhar num ritmo cada vez mais rápido, os conhecimentos, tais como eram transmitidos nas décadas anteriores, se tornaram, se não obsoletos, anacrônicos.
Essa nova percepção dos objetivos educacionais acarretou mudanças não só na elaboração dos programas, das disciplinas e dos currículos, mas, e principalmente, nos comportamentos dos professores, dos alunos e de todos aqueles que estavam implicados no processo pedagógico.
Nesse mundo novo, onde a escola transita e vive, cada vez mais é preciso que se dê uma atenção especial ao papel do professor. Hoje ele, em suas atividades profissionais, precisa desenvolver, significativamente, sua sensibilidade para estabelecer relações humanas construtivas principalmente no seu contato com seus alunos.
O estudante chega ao colégio trazendo consigo uma série de informações e vivências oriundas do tipo de sociedade em que vive, na qual as relações pessoa a pessoa se rarefazem. Muitos deles vivem mais tempo dentro das escolas e dos cursos de línguas, nas atividades esportivas ou artísticas, do que dentro de suas próprias casas. Não que isso, em si, seja uma coisa ruim. Mas, sem dúvida, exige do educador, responsável, até então, unicamente pelo aprendizado acadêmico, uma reviravolta no seu modo de ser como pessoa-profissional.
O Novo Professor tem como tarefa principal ser um facilitador de aprendizagens as quais deixaram de ser somente de caráter intelectual. O aprender, passou a englobar também aquelas vivências que possibilitam um crescimento dos seus alunos como pessoas humanas maximamente realizadas, através do desenvolvimento de suas singulares potencialidades.
Na tentativa de encontrar mais uma alternativa para o trabalho do professor em sala de aula, que pudesse ajudá-lo a atingir esses “novos” objetivos da educação, propus a realização deste projeto, que tentarei apresentar, sucintamente, neste documento.
As idéias básicas que norteiam esta proposta de trabalho não são originais, mas talvez, pela a forma como ela foi operacionalizada, desperte, em alguns professores, a vontade de mudar seu modo de agir em relação a seus alunos. Para isso acontecer esse profissional precisará compreender, em profundidade, a importância dele fazer uma revisão bastante ampla da sua própria pessoa.
Como nossa prática clínica nos mostra, “mudar” sempre assusta, mesmo quando desejamos, ou necessitamos fazer isto. Por esse motivo, faremos deste trabalho um “convite”: cada pessoa que se envolver nele terá a oportunidade de vivenciar o que estamos propondo, e conhecer , na prática, do que estamos falando.
Será um modo de dar, ao professor, uma oportunidade para que ele “não compre” apenas uma idéia, mas que a valide durante seu contato diário com seus alunos.
Na formação, mais frequentemente dada ao professor de crianças pequenas, parece faltar o incentivo e preparação para que ele se torne um cientista, um pesquisador, um renovador da realidade. Nem sempre ele atua como uma pessoa que tem olhos, boca, ouvidos, tato, olfato. Por isso mesmo, escapa dele uma série de dados observáveis, dentro e fora de sala de aula, que poderiam ser de grande importância no seu trabalho como auxiliar no desenvolvimento global de cada aluno.
Durante muito tempo, observei que muitos professores, diga-se de passagem, cumpridores de suas funções profissionais, experimentavam uma enorme dificuldade para dividir suas experiências com outros colegas. Essa dificuldade parecia decorrer, em grande parte, por não terem o hábito de registrá-las sistematicamente, de organizar os dados vividos em sala de aula, a ponto de poderem, eles mesmos, tirarem disso os ensinamentos que os tornariam mais conscientes e preparados em sua profissão. Faltava, a muitos deles, um “espírito de cientista”, de pesquisador, de inovador. E é essa uma das habilidades que a nova realidade educacional do mundo atual exige do Novo Professor. Ele passou a ser um Formador de Pessoas e um Aprendiz Aberto à Realidade na qual está mergulhado. Uma realidade veloz exigindo uma revisão constante das verdades em mudança. Por isso, ele, ao contrário do professor de anos atrás, que era basicamente um informador, tornou-se um formador de pessoas humanas e um facilitador de aprendizagens.
O Novo Professor enfrenta agora um grande desafio: além de contribuir para que seu aluno adquira conteúdos intelectuais e habilidades, e as melhores formas de adquiri-los, tem também que formar pessoas humanas capazes de se relacionarem com outras pessoas de modo profundo e enriquecedor e, com isso criar condições para que o mundo evolua e atinja a tão sonhada Paz.
A boa escola, até bem pouco tempo atrás, era avaliada por sua eficiência na formação de “cabeças”. Hoje, isso não é suficiente. Há que se formar também “corações”.
Não bastam cabeças. Não bastam corações.
Cabeças que só promovem o desenvolvimento tecnológico têm gerado situações que nos mostram que, no final, a felicidade não é sinônimo de poder, e que poder não é ter armas atômicas, se não o mundo, provavelmente, não viveria em guerra, ou com medo dela.
Os homens ainda não aprenderam, suficientemente, sobre o se relacionar. Não aprenderam, o bastante, sobre respeito e aceitação do outro. Aprenderam matemática, línguas, geografia como fatos distantes deles e do outro. Não aprenderam essas matérias como forma de se aproximar do seu semelhante, entende-lo, amar o outro, ou pelo menos respeitá-lo.
O número cinco não é apenas um número. Ele diz que são cinco os dedos das minhas mãos, que são cinco os dedos das mãos dos meus amigos, dos meus conhecidos, e até das pessoas de quem eu não gosto. Diz que há algo em comum a todos nós.
Uma curva é uma figura geométrica, é o ondulado do meu cabelo, é a ponta do nariz do meu colega.
Macio não é só o aveludado do tecido ou de uma esponja, mas é também a pele do rosto do amigo que senta ao lado, das pessoas de mãos gorduchas.
Compasso binário também pode ser o ritmo do meu coração e do coração de muita gente, que eu até nunca vi, que sei que existe por esse mundo afora.
África e Europa não são apenas continentes distantes do nosso, mas lugares onde vivem pessoas que tem cinco dedos nas mãos, que podem ter cabelos ondulados, mãos aveludadas e gorduchas e um coração batendo em compasso binário.
Não gostaria de me tornar apenas “coração” neste momento. Tentarei voltar ao meu propósito inicial que é dizer como surgiu a idéia de realizar este trabalho.
Não tenho grandes vivências em meditação. Tenho conhecimento de algumas técnicas de relaxamento.
Ao ler o livro “MEDITANDO COM CRIANÇAS” de Débora Rozman (3), fiquei entusiasmado por encontrar ali muito daquilo que já realizei em meu consultório, e muito a respeito do que eu penso sobre Educação, e sobre os métodos utilizados para se atingir alguns objetivos dela. Principalmente me chamou atenção o modo como aquela autora vê o mundo e as crianças.
A professora Débora realiza seu trabalho com crianças a partir de cinco anos. O nosso grupo de crianças é composto de pessoas que têm de três a cinco anos.
Tudo isso foi se somando dentro de mim e, de repente, surgiu a idéia de realizar algo que pudesse ser uma síntese do que a autora citada acima documentara em seu livro e a minha própria experiência clínica.
Através desse trabalho, pretendi criar condições para que as crianças pudessem desenvolver seu potencial vivendo a infância delas de maneira mais plena possível, experimentando o mundo ao seu redor, estando sensível às coisas e pessoas nele existentes.
A partir disso, eu propus às professoras a realização de um treinamento no qual elas pudessem viver um pouco daquilo que eu estava propondo: desenvolver, junto às crianças, um trabalho onde nós iríamos, utilizando algumas técnicas de relaxamento, exercícios de imaginação criadora e algumas técnicas de sensibilização, ajudá-las a terem um desenvolvimento maior nas áreas de atenção, concentração e socialização.
Nossa hipótese básica era:
SE nós, através da utilização de exercícios de relaxamento, imaginação criadora e sensibilização, pudéssemos ajudar as crianças a:
– ficarem atentas por um tempo progressivamente maior;
– mais receptivas à relação com o outro (sentindo mais o amigo, sentindo mais as relações humanas);
– sentirem mais o seu ambiente (sentindo mais o mundo que as cercam);
– sentirem mais plenamente elas mesmas;
– vivenciarem diversos níveis de percepção.
ENTÃO , elas conseguiriam também um desenvolvimento maior, melhor, mais pleno , de todo o potencial que elas possuem do ponto de vista social, físico, intelectual e humano.
Seria interessante se lembrássemos, aqui e agora, que esse trabalho é, aparentemente, idêntico àquele que normalmente os professores desenvolviam nas outras turmas da pré-escola do CEN.
As crianças de nossa escola viviam, em sala de aula, momentos onde relaxavam, descansavam, trocavam experiências, se relacionavam com os colegas em excursões, em outras atividades de grupo, realizavam trabalhos de arte, música, recreação, onde todos esses potenciais são desenvolvidos.
Quando, no segundo parágrafo acima, disse “aparentemente, idêntico”, quis somente mostrar que existiam entre eles duas diferenças básicas:
1- O trabalho que estava sendo proposto tinha uma sistematização (ele se repetia e se tornava, gradativamente, mais complexo);
2- Nele, o professor precisaria, para realizá-lo adequadamente, estar profundamente, motivado, e preparado para compreender, do modo mais pleno possível, a teoria subjacente ao que ele iria desenvolver junto aos seus alunos.
Além disso, ele precisaria ter características de personalidade que favorecessem sua atuação no tipo de atividades que seriam propostas às crianças.
Em síntese, este trabalho não era algo novo dentro da nossa escola, a não ser por consistir numa experiência sistematizada, acompanhada, supervisionada, com anotações e registros bem estruturados dos fatos que surgissem ao longo de sua realização.
Eu esperava que os resultados obtidos pudessem se tornar a base para uma pesquisa mais ampla, com todos os requisitos exigidos para que uma experiência consistente e válida e, dependendo dos resultados, teríamos em mãos um instrumento seguro e de utilidade para outros profissionais que viessem a se interessar por essa metodologia.
A hipótese, principal, e norteadora desta experiência pode ser assim descrita: crianças podem desenvolver mais plenamente o seu potencial de atenção, concentração, criatividade e socialização a partir de vivências sistemáticas, e cada vez mais complexas, de técnicas de relaxamento, imaginação criadora e sensibilização, associadas às atividades escolares “normais”.
III-
ALGUNS ASPECTOS DO TREINAMENTO DOS PROFESSORES PARTICIPANTES DOS “GDACS” (*)
No momento em que ficou claro para o que estava pretendendo realizar, propus ao grupo de professores (mais de trinta) um treinamento nas quintas-feiras no mês de janeiro e na primeira semana de fevereiro de 1983. Ao todo, cinco encontros de três
(*)-GDACS:Grupos para Desenvolvimento da Atenção, Concentração e Socialização
horas cada um . Era um tempo pequeno para atingirmos nossos objetivos, mas… o possível.
Realizamos esses encontros obedecendo a um “programa” bastante flexível e voltado basicamente para a sensibilização do grupo e para as vivências de “exercícios” semelhantes àqueles que eles poderiam propor para seus alunos, caso se achassem motivados e interessados no plano de trabalho que pretendíamos desenvolver durante o ano letivo que estava chegando.
Para terem uma idéia do que foi desenvolvido nesse treinamento relacionarei a seguir os itens gerais abordados , bem como as vivências que , neles, foram propostas.
– Primeira Reunião (06-01-1983)
Temas:
-Discussão geral sobre o trabalho proposto;
-Apresentação e leitura do texto de D. Rozman sobre “meditação” para crianças
-Discussão geral sobre as idéias nos levaram a desenvolver esse projeto.
– Segunda Reunião (13/01/1983)
-Continuação da discussão sobre as propostas do projeto;
– A metodologia foi apresentada aos professores, concretamente, da seguinte forma:
-Vivência de um relaxamento (início da prática desse recurso) antes de se propor uma tarefa.
-Depois disso, sugeri uma proposta e pedi que imaginassem essa tarefa antes de executá-la concretamente.
– A partir daí, num estado de relaxamento e usando a imaginação criativa, propus que eles começassem, ainda na fantasia, a “fazer” o que lhes pedi.
Por exemplo: se o tema fosse “plantas”, antes faríamos um relaxamento e após isso, estando os alunos já “relaxados”, pediríamos a eles que imaginassem várias plantas, suas formas, tamanhos, folhas, caules, etc.
No caso dos professores que estavam sendo treinados fizemos o seguinte:
1- pedi que cada um desenhasse uma cadeira de balanço, e demos 3 minutos para isso;
2- apliquei a técnica de relaxamento neles e pedi que imaginassem uma cadeira de balanço e que observassem os mínimos detalhes dela. Depois disso, dei três minutos para que desenhassem a cadeira imaginada.
Quando terminaram a proposta sugerida a eles, pegamos esse material produzido e fizemos uma comparação entre os dois desenhos. Verificamos que o segundo era muito mais rico do que o primeiro.
Notamos que no primeiro desenho eles lançaram, mecanicamente, para fora, o desenho que já havia dentro deles, racionalmente, enquanto que no segundo, quando puderam viver interiormente a imagem, criando essa cadeira, ao passá-la para o papel surgiram inúmeros detalhes, ricos, criativos….
Essa experiência, em si, não trás nenhuma novidade. O interessante nela é que, ao tomarmos consciência novamente deste fato, pudemos fazer melhor uso deste velho- e útil – saber, em sala de aula.
– Terceira Reunião –(20-01-1983)
Nesse dia, inventamos, contamos e ilustramos estórias. Esse também não é um recurso novo em nossa escola. Mas lançamos mão dele usando um relaxamento maior do grupo e tentei mostrar que esse relaxamento provoca uma condição especial que é podermos “viver a estória”. Com isso, mergulhamos nela e participamos de maneira “real” da vida dos personagens, suas emoções, experiências, tudo. Viver isso, nos deu o tom e o colorido da atividade proposta.
Quanto mais profundo for o nível do relaxamento e concentração que o professor conseguir criar em seus alunos, mais interessante, rica e viva se tornará a estória por ele contada.
– Quarta Reunião – (27-01-1983)
Discutimos alguns temas que se mostraram – ao longo dos encontros anteriores – importantes para uma reflexão. Vimos, por exemplo, o quanto esses temas representavam aspectos significativos que poderiam estar influenciando na qualidade e na profundidade conseguidas no trabalho de sala de aula, numa proposta do tipo que estava sendo sugerida a eles.
Os temas foram:
– Os tabus sobre o corpo:
-Nós temos dificuldades em usar nosso corpo como um todo;
-Corpo, expressão corporal, sexo.
– A Evolução da Instituição Família (da idade da pedra até os nossos dias) – O tabu de incesto e as dificuldades para ver o corpo como algo natural.
– Educação Integral: a inclusão da Educação do Corpo, seu conhecimento, sem “controle”, não só a nível de “educação física”.
– O corpo e os sentimentos (além do intelecto).
– Sensibilização sobre o tema CORPO
– Uma viagem para dentro do nosso corpo
– Uma viagem por fora do nosso corpo.
Quinta Reunião (03-02-1983)
Este último encontro teve como meta a organização das idéias que foram discutidas e as experiências vividas durante as quatro reuniões anteriores.
Em relação ao plano de trabalho para o ano letivo de 1983, eu e o grupo chegamos a uma proposta que ficou assim estabelecida:
a- Cada professor que participou desse treinamento tentaria –de modo sistemático (diariamente , ou semanalmente, ou mensalmente) criar um clima de relaxamento junto aos seus alunos, semelhante ao que foi vivenciado por ele no treinamento que recebeu, visando “antecipar” (usando a imaginação criadora) as atividades que serão propostas em sala de aula nesse dia;
O objetivo será criar, em cada aluno, o hábito de exercitar sua capacidade de concentração, atenção e socialização;
b- O tempo de relaxamento será , progressivamente, decrescente e as atividades desenvolvidas (concentração, atenção e socialização) cada vez mais complexas;
c- Este trabalho não será obrigatório para os professores, mas disponibilizado para aqueles que se mostrarem efetivamente interessados nele;
d- Mesmo os professores que não puderam realizar o treinamento, que ocorreu em janeiro/fevereiro, mas que se mostrarem interessados nele, poderão participar, desde que associados a algum colega que tenha participado daquele treino e , além disso, se proponham a freqüentar os encontros para supervisão com o coordenador do projeto;
e- O psicólogo, coordenador da experiência, ficará à disposição dos professores que fizerem parte desse projeto, supervisionando-os.
OBSERVAÇÕES SOBRE O TREINAMENTO
Iniciamos o treinamento com a participação de 10 professores.
No último encontro (realizado no dia 03 de fevereiro) contamos somente com a presença da metade do número inicial de participantes.
Desse grupo, somente uma professora regente e sua plantonista se propuseram a levar o nosso projeto até o final do ano. Ambas participaram do curso e isso -provavelmente- deve ter facilitado o engajamento delas nas propostas feitas em sala de aula.
Por outro lado, o fato de haver um número tão pequeno de pessoas participando desse tipo de trabalho nos levou a pensar sobre :
1- A proposta em si;
2- O tipo de professor que nós temos nas escolas;
3- O tipo de escola que temos.
Em relação à proposta, pensamos o seguinte:
– Será que ela foi suficientemente clara para o grupo de professores?
– Será que ela é utópica?
– Será que é muito difícil?
– Será que o treinamento não foi suficiente para preparar os professores?
Em relação ao tipo de professores que temos nas Escolas:
– Será que o professor se interessa por experiências deste tipo?
– Será que ele se interessa por “experiências”?
– Será que ele “se interessa”?
– Será que ele acredita que é “possível mudar”?
– Será que ele se sente capaz de mudar e/ou ser um agente de mudanças?
– Será que ele se sente capaz?
– Será que ele “se sente”?
– Será que ele quer mudar?
– Será que ele acredita que seja importante mudar?
– Será que ele vê validade na mudança que estamos propondo?
– Será que ele acredita ser capaz de realizar um trabalho sistemático, com espírito de pesquisa, criando com isso novas propostas e novas vivências em sala de aula?
A partir das perguntas feitas acima, passamos a nos perguntar também sobre o TIPO DE ESCOLA QUE TEMOS.
– A escola na qual realizamos este experimento pode ser classificada como NOVA?
– Será CONSERVADORA?
– É uma escola que prepara para a VIDA?
– É uma escola que PREPARA qual VIDA?
– É uma escola onde o professor acredita na capacidade de crescimento dos seus alunos?
Reconheço que a proposta apresentada por mim, em 1983, exigia “idealismo” que – naqueles anos em especial – andava em baixa na Instituição onde tentei desenvolve-la. Todavia, creio que havia muito mais fatores, além desse, que acabaram inviabilizando o projeto tal como fora idealizado.
A despeito disso, foi possível, mesmo assim, se realizar um trabalho bastante rico e gratificante.
A seguir, apresentarei alguns aspectos teóricos que nortearam nossa experiência.
IV
UMA BREVE DEFINIÇÃO E DISCUSSÃO SOBRE OS
OBJETIVOS DOS GDACS
1- GRUPO e GRUPO SOCIAL
A- GRUPO:
“Qualquer coleção de objetos, seres ou dados que possam ser tratados como um todo unitário.” (1)
“Coleção de organismos que se associam ou vivem juntos ou que reagem em relação ao outro ou ante um estímulo comum.” (1)
“Configuração de elementos no qual a existência e propriedades de cada um dependem da natureza da configuração em sua qualidade de todo.” (1)
“É um organismo que se caracteriza pela interdependência de seus membros, possuindo direção e organização interna, constituindo uma estrutura funcional finalizada.” (Kurt Lewin) (2)
B- GRUPO SOCIAL:
“Conjunto de organismos (geralmente seres humanos) que vivem a maioria em mútua proximidade, ou reagem um em relação ao outro ou a um estímulo comum.” (1)
“Constituem elementos indispensáveis de um grupo social : pessoas reunidas com objetivos, fins e interesses comuns, numa dinâmica específica de dinâmica de relações.” (2)
Observações em relação a A e B:
Através dessas definições podemos constatar que existe algo semelhante entre elas. Duas palavras surgem constantemente: TODO e COMUM (totalidade, unidade, reação a um estímulo comum, interesses comuns…).
Desenvolver uma atividade que, num grupo heterogêneo, pudesse despertar esse sentimento de totalidade, unidade, interesse comum e reação a um estímulo comum, com o propósito de criar um grupo social, foi um desafio para o nosso trabalho.
Como veremos nas páginas seguintes, o nosso grupo é composto de crianças de idades e níveis de amadurecimento muito diferentes e, conforme Novaes, M.H (2): “Num grupo em que , do ponto de vista afetivo-emocional ou intelectual, alguns de seus elementos são imaturos e outros muito amadurecidos, haverá , de certa forma, um desequilíbrio na sua composição e no seu dinamismo.”
Com isso quero dizer que, desde o início do ano, sabíamos que iríamos encontrar essa dificuldade, já que um dos nossos propósitos era desenvolver um trabalho de grupo ( com toda a turma, mesmo havendo nela alunos com idades diferentes ) que pudesse criar um sentimento de unidade e totalidade, de comunidade, de colaboração, de grupo social, de socialização.
Sabemos que o trabalho em grupo tem se mostrado, cada vez mais, um recurso profundamente promissor, através do qual a aprendizagem – além de se tornar mais dinâmica e interessante, se torna também mais significativa e rica.
Desenvolver um trabalho– sistematicamente – com o objetivo de criar um grupo e usufruir do potencial que ele gera no processo de melhora da aprendizagem, foi um dos nossos propósitos.
2–DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO
A- DESENVOLVIMENTO
“Mudanças que apresentam na estrutura e na forma de um organismo individual desde sua origem até a maturidade. O termo se aplica às mudanças de forma compreendidas na produção de um órgão ou tecido junto com as mudanças funcionais resultantes, e também a mudanças de um grupo de indivíduos como uma sociedade, espécie, gênero, classe, etc…”(1)
B- DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO
“… organização progressiva da vida mental e da conduta no indivíduo , que vai desde a vida embrionária até a maturidade.” (1)
Observações em relação a A e B:
As crianças são seres em plena fase de mudança na estruturação de seu organismo individual, e em fase de organização progressiva de sua vida mental e de sua conduta. Nossa proposta está ligada a esse processo lento, mas bem definido Visa a criação de condições pra que essas mudanças, em sua organização psicológica, a nível da atenção, concentração e socialização, se processem da melhor forma possível.
3-ATENÇÃO, CONCENTRAÇÃO E IMAGINAÇÃO CRIADORA
A – ATENÇÃO
“Estado de consciência caracterizado pela existência de dois ou mais níveis de clareza sensorial ou imaginativa. Processo que consiste em focalizar certas partes de uma experiência de modo que se tornem relativamente mais vivas.” “… a aplicação de energia intelectual.”
“No sentido comum, popular, diz-se que atenção é CONCENTRAÇÃO DA MENTE.”(1)
A-1 – FALTA DE ATENÇÃO
“Facilidade com que uma pessoa se deixa desviar de um conteúdo determinado, por estímulos estranhos.” (1).
B – CONCENTRAÇÃO
“A capacidade de se concentrar ( ou de dirigir a atenção para alguma coisa durante um certo período de tempo ) é diretamente proporcional à quantidade de aprendizado real que ocorre em cada indivíduo. Esse aprendizado não significa apenas a obtenção de conhecimentos, mas sim a capacidade de penetrar profundamente no significado subjacente ao ensinamento que está sendo apresentado.
A aquisição de uma boa capacidade de se concentrar proporciona ao estudante uma capacidade correspondente de condensar um conjunto de fatos, e informações, em uma única estrutura, que revela um significado mais profundo ou mais sintetizado, do que aquele que aparenta ser , à primeira vista, para o observador, superficial ou desconcentrado.
A consciência , quando concentrada, adquire o potencial para um crescimento mais acelerado, devido à sua capacidade de ver o significado real e de perceber as causas que se ocultam nas aparências ou nos efeitos que confundem constantemente a consciência dispersa. Essa “confusão” é causada pela circulação descontrolada de pensamentos e impressões, e ocorre também quando há uma seleção sem critérios de certos aspectos dessas impressões e uma visão desses aspectos como se eles fossem a própria realidade. Essas atividades da mente são as regras e não produzem pensamento de alto nível, nem são métodos superiores do intelecto.
O indivíduo divagador, ou o observador ocasional, não possui a capacidade ou o poder de desenvolver sua mente como um instrumento que percebe diretamente a realidade oculta por trás das aparências, enquanto a faculdade necessária de concentração não for desenvolvida.
“É a concentração de energia mental que penetra nos níveis mais profundos do significado.” (3)
C- IMAGINAÇÃO CRIADORA
“A imaginação, ou faculdade de construir imagens, que todos nós usamos, freqüentemente condiciona nossas esperanças e temores, os quais condicionam nossas atitudes. Estas, por sua vez, fazem o mesmo com o nosso ambiente e com tudo o que nos acontece, e isso condiciona novamente nossas emoções e imagens, numa seqüência infindável. Quando começamos a tomar consciência do fato de que estamos continuamente usando a imaginação para criar nossa realidade, podemos iniciar intencionalmente a criação de imagens de beleza, de harmonia e sucesso, imaginando-as. Quando as crianças são estimuladas a utilizar naturalmente a imaginação, elas podem ser ensinadas a usar esta faculdade com propósitos construtivos, mais facilmente do que os adultos, porque elas estão menos condicionadas pelos hábitos. Elas podem ser ajudadas a exteriorizar suas imagens de maneiras criativas. E, na medida em que a mente se desenvolve, podem começar a perceber os efeitos causados pelo uso de sua imaginação.” (3)
OBSERVAÇÕES SOBRE a, b e c:
Rozman , D., afirma: ” Evidentemente, há um longo caminho entre o ideal e o real. Para atingir os objetivos mencionados (a, b e c , de acordo com os itens que estamos apresentando neste trabalho ), continua a autora, é necessário ter firmeza de propósitos, conhecimento do método e perseverança na atividade ( o grifo é nosso ). A auto-realização é um processo trabalhoso e nós precisamos ter a paciência e perseverança necessárias. Especialmente porque nós, os educadores, também estamos aprendendo.”(3)
4- SOCIALIZAÇÃO
“Processo mediante o qual os indivíduos adquirem hábitos socialmente desejáveis e que ficam capacitados para viver como membro de um grupo social.”(1)
“A socialização consiste na capacidade de saber viver em grupo e de se adaptar à vida do grupo, com formas de comportamento social adequadas às solicitações do ambiente com uma interação significativa.”(3)
Observações complementares às definições de socializaçãom:
Acreditamos que a socialização obtida, ao mesmo tempo em se desenvolve a atenção, concentração e imaginação criadora, não será algo estático, ou seja, uma absorção passiva do que o grupo social deseja para o seu novo membro em formação.
Acreditamos que este novo indivíduo em processo de socialização – através das suas novas experiências, vivenciando momentos mais significativos e profundos de crítica e criatividade – possa contribuir para uma mudança efetiva e construtiva do seu meio social.
A vida em grupo, a cooperação, a ajuda ao outro, desenvolvidas através de um aprimoramento da capacidade de atenção e concentração, tudo isso deverá levar o grupo de crianças a se integrar de forma mais positiva além de estar em melhores condições para desenvolver seu potencial intelectual e sua aprendizagem , a qual , certamente, será muito mais efetiva, profunda e dinâmica.
Através desse modo de trabalhar com as crianças, estaremos ajudando a desenvolver nelas uma base sólida que permitirá o surgimento de melhores condições para que vivenciem uma harmonia global interior e mais facilidade para o aprendizado futuro.
Obviamente, cabe uma pesquisa sobre o que afirmei, já que não tivemos condições de acompanhar as crianças que viveram essa metodologia.
Acho que seria bom esclarecer também que não quero dizer que a nossa turma tenha se tornado melhor do que as demais do CEN naquele ano. O que estou tentando dizer é que, possivelmente, se nossa hipótese for correta, e tenhamos conseguido utilizar, adequadamente, a metodologia proposta, então algo diferente deverá ter ocorrido com as nossas crianças, e esse algo diferente se refere a uma maior condição de alcançar níveis mais elevados de atenção, concentração e socialização. Deve também ter havido um reflexo disso na aprendizagem desses alunos em relação às outras crianças que não passaram por essa experiência.
Embora no CEN a melhoria da atenção, concentração e socialização fossem sempre um dos objetivos do trabalho na pré-escola, gostaria, mais uma vez, de chamar atenção para o fato de eu não considerar nosso trabalho, dos grupos GDACS, como NOVO. Ele apenas dá- propositalmente- maior ênfase a esses fatores, observando-os de perto e fazendo deles um objetivo especial, o que, certamente, não ocorre de modo geral, nas demais turmas onde eles são tão importantes quanto os demais.
CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO AO QUAL SE APLICOU ESTA METODOLOGIA
TURMA PILOTO: JARDIM INTEGRAL SALA AZUL | ||||||
Profa.Regente: Marta de Gregório Oliveira | ||||||
Profa. Plantonista :Jurema Lúcia Agostinho da Costa | ||||||
No.Alunos= |
22 |
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Alunos que tinham até março… | ||||||
Número |
% |
% |
||||
Mais de 3a.até 3a6m |
5 |
22,72727 |
||||
Mais de 3a6m até 4a |
7 |
31,81818 |
54,54545 |
|||
Mais de 4a até 4a6m |
2 |
9,090909 |
||||
Mais de 4a6m até 5a |
7 |
31,81818 |
||||
Mais de 5a até 5a2m |
1 |
4,545455 |
45,45455 |
|||
100 |
100 |
|||||
VI
MÉTODO DE TRABALHO UTILIZADO NOS GDACS
Creio que seria interessante destacar alguns aspectos do nosso trabalho, para os quais precisaremos dar uma atenção especial para conseguirmos atingir melhor nossos objetivos.
A- Introdução, mais cedo possível, das técnicas de relaxamento, imaginação criadora e de sensibilização.
Partindo da nossa experiência de sala de aula, verificamos que a criança , quando inicia um ano letivo, com uma nova turma, um novo grupo, uma nova professora, cria expectativas em relação ao que irá acontecer. Às vezes essas expectativas podem ser negativas devido às experiências anteriores vividas por ela.
A primeira reação do aluno é sempre – ou é na maioria das vezes- positiva. Isso é válido para um grande número de crianças de uma turma. Elas esperam algo novo e agradável no seu “primeiro dia de aula”. O contato com a nova professora poderá ser algo excitante e enriquecedor ou, pelo contrário, desastroso. O que se sabe é que a criança tende a aceitar a estruturação do trabalho, mais do que rejeitá-la. Dessa forma, se uma professora quiser criar alguns hábitos no seu grupo de alunos, seria bom que fizesse isso logo de início, no seu “primeiro contato”. Por essa razão, pensamos em introduzir o relaxamento com bastante freqüência e iniciamos esta atividade com as demais, já rotineiras em sala de aula, de modo a torná-la “mais uma atividade comum de sala de aula”.
A mesma coisa nós fizemos com as propostas de vivências, utilizando exercícios de “imaginação criadora”, “meditação” e “sensibilização”. Pretendíamos, com isso, não criar um MOMENTO ESPECIAL para essas atividades, mas misturá-las com as demais, de tal forma que elas fizessem parte do TODO do nosso trabalho, do dia-a-dia em sala de aula.
Além disso, se conseguíssemos fazer desta nova rotina algo natural, conseguiríamos alcançar também, ao longo do ano, um nível cada vez mais profundo em cada um desses aspectos (relaxamento, imaginação criadora e sensibilização).
Como ainda não falei sobre sensibilização, acho que seria interessante fazer isto agora.
A palavra sensibilização, por si mesma, nos sugere algo sobre o seu significado, quase que intuitivamente. Todavia, vou me ater de início ao significado da palavra “sensibilidade”. Nos dicionários encontramos o seguinte:
“Sensibilidade corresponde a capacidade de um organismo para receber estímulos… Marcada susceptibilidade para experiências afetivas e emotivas.”
Em nosso trabalho com os alunos procuramos desenvolver a sensibilidade deles através do processo de sensibilização, no qual utilizaremos uma série de exercícios, experiências, vivências com a finalidade de criar condições adequadas para que cada criança se veja mergulhada numa situação viva, que a atinja como um todo organísmico, provocando nela uma série de estímulos novos, complexos, agradáveis, estranhos, diferentes daqueles que se lhes oferta , com freqüência, em sala de aula. Por exemplo:
– olhar os olhos do amigo;
– sentir o coração do amigo;
– ver os detalhes das mãos e do corpo do amigo;
– olhar uma planta procurando sentir tudo o que ela transmite;
– sentir o cheiro do ar, da terra molhada ;
– ouvir os sons do seu ambiente, os mais próximos, os mais distantes, os mais graves, os mais agudos, os mais agradáveis, os mais irritantes;
– Olhar as nuvens do céu, os pássaros, as paisagens, uma árvore (estando-se deitado sob sua copa);
– Observar a expressão fisionômica do colega;
– Observar a cor dos olhos de um colega e compará-la com a dos demais,
– Etc., etc.
Não pretendo esgotar aqui todas as possibilidades de exemplos daquilo que chamamos, em nosso trabalho, de exercícios de sensibilização. Quero apenas sublinhar que sensibilização, ou exercícios de sensibilização – do modo que o fazemos – já é, com freqüência, realizado nas nossas salas de aula. Entretanto, mais uma vez, chamo atenção para o fato de que eles, em nosso projeto, são utilizados de modo sistemático e, além disso, há uma supervisão dada à professora responsável pela aplicação desses exercícios junto a seus alunos, a fim de ajudá-la a se sentir mais segura para aprofundar algumas experiências associadas à sensibilização. Essas supervisões servem também para que a professora se sinta mais segura ao realizar os trabalhos onde aplicará os exercícios de imaginação criadora e de relaxamento.
Vocês poderão perceber que, na base da proposta apresentada aqui está a seguinte crença: desenvolver uma criança, como um todo, implica em ajudá-la a se preparar para uma vivência profunda, e mais rica possível, no seu contato com mundo que a cerca.
Por outro lado, quero que entendam que o que fazemos não é algo do tipo “criar um grupo de elite”, um grupo tão perfeito e ideal que transforme crianças em monges, magos, cientistas ou coisa assim. Isso estaria longe do que estou propondo. Até porque, acredito também que elas têm muito a nos ensinar em relação a todos esses aspectos que estamos tentando ajudá-las a desenvolver. Em outras palavras – no fundo – o que quero criar é – na verdade – um modo de não atrapalhar o movimento e a direção do próprio desenvolvimento delas. Desejo, me afastando dos métodos tradicionais, não limitar a vivência delas com propostas fechadas, intelectualizadas, onde a capacidade que a criança possui para criar, perceber com sensibilidade e concentração, não tenha espaço para ser mais plenamente desenvolvida.
b) O tempo crescente na concentração e no relaxamento.
Sabemos que é muito difícil para uma criança pequena, e mesmo para um adulto, manter a atenção concentrada sobre um estímulo durante um tempo grande. Sabemos também que este tempo poderá ser aumentado através de um treinamento. Quanto maior e mais facilmente pudermos nos deter sobre um objeto que estiver sendo “estudado”, maior será a absorção e aprendizado conseguidos. Manter uma atenção concentrada subentende, quase sempre, a co-existência de um estado de relaxamento adequado. Quando deixo minha mente e meu corpo soltos, relaxados, posso manter minha atenção sobre um determinado objeto ou situação, e essa atenção será flutuante, abrangente, plena, atingindo a totalidade do objeto em observação (figura), bem como o todo que está ao seu redor (o fundo).
Na medida em que nossa proposta foi tentar aumentar esse nível de concentração e relaxamento, nos propusemos a criar uma sistematização na colocação de tais experiências em sala. Por exemplo, para que o relaxamento atinja um nível mais profundo, a maioria das pessoas prefere fazer isso com os olhos fechados. Quase sempre a criança pequena – logo que se começa a aprender a relaxar – não consegue ficar com os olhos fechados por muito tempo. Então nos propusemos a pedir, no início, que ela ficasse de olhos fechados por alguns segundos e, gradativamente, aula após aula, fomos aumentando esse tempo.
O mesmo fizemos com os exercícios de sensibilização e imaginação criadora. Ficar deitado com olhos fechados, observando a sua respiração e cada parte do seu corpo, etc. Fomos aumentando o tempo de tal forma que elas conseguiram alcançar um nível de concentração, sensibilização e relaxamento muito bom, permanecendo assim por vários minutos em exercícios de imaginação criadora, às vezes por mais de meia hora.
As condições ambientais nem sempre foram satisfatórias, mas nós sabíamos que assim seria, já que não pretendíamos alterar, significativamente, os meios materiais disponíveis em nossa escola, artificializando o local onde elas estudavam.
c- Utilizar , da melhor maneira possível, os recursos do nosso ambiente de trabalho (da sala de aula).
Como já mencionamos no item anterior, tínhamos o propósito de não modificar o esquema e o planejamento do trabalho da “pré-escola”, no ano em que realizamos nosso experimento. Dessa forma, as nossas atividades foram desenvolvidas nos diversos espaços já existentes, e utilizamos os vários materiais (pintura, massas plásticas, barro, lápis-cera, etc.) como seria feito em qualquer trabalho desenvolvido na nossa escola. Utilizamos também a sala de aula, sala de multi-meios, a encosta do morro ( situado nos fundos do terreno de nossa escola ), o pátio externo, as varandas, etc.
Para exemplificar como utilizamos nosso espaço, vejamos o seguinte:
-As crianças deitaram na PONTE DE MADEIRA para observar o vento movimentando as folhas das árvores;
-Deitaram no chão do “morro” debaixo das árvores, sobre o tapetinho, que cada um utiliza para o descanso depois do almoço, vendo pássaros, ninhos, nuvens…
– Brincaram com pedrinhas do chão;
– Deitaram no chão, na sala de aula, escurecida pelas cortinas, para ouvir música;
– Fizeram pequenas meditações (seguindo os modelos constantes no livro “Meditando com Crianças”) (3), quase sempre na sala de multi-meios.
d- Não prejudicar a programação e o planejamento oficial da nossa escola
Como nossa proposta de pesquisa, observação e atividade sistemática de vivências ligadas ao desenvolvimento da capacidade de atenção, concentração e socialização, não era estranha aos objetivos gerais do CEN, não houve problema maior na implementação do nosso projeto.
Tentamos, aproveitando toda a programação da pré-escola do CEN/83, acrescentar algumas propostas usando a metodologia específica, tal como a estamos apresentando ao longo deste documento.
e- As crianças participarão, ativa e diretamente, da avaliação do método que estamos utilizando no trabalho com elas.
Consideramos importante saber, periodicamente, como as crianças sentiram o trabalho que propusemos para elas. Os aspectos do projeto que tentamos avaliar, através das crianças, foram os momentos de relaxamento, de sensibilização, de concentração, socialização, que tiveram características distintas daquelas contidas nas propostas regulares da nossa escola.
Para exemplificar, alguns comentários feitos pelas crianças:
Em relação às MEDITAÇÕES
– Eu fui à Lua ;
– Eu caí da espaçonave;
– Eu estava subindo, subindo…;
– Senti que estava andando de espaçonave.
Em relação ao RELAXAMENTO
– Gostei de ficar deitado. Eu gostei.
– A música deixa eu quietinha. Eu gostei de deitar e ficar quietinha. Eu queria ir lá pra pensar de novo.
– A música e a calma deixam eu mole. …e me dá vontade de chorar. Ficar lá deitada. A música é calma. Eu gostei de ouvir música.
Em relação ao AMBIENTE:
– Lá tem cortina. Ela fecha. Eu gostei da sala.
– Eu achei lá mais calmo.
– Não gostei. A sala é escura. Gostei daquela (outra) salinha.
– Eu gostei mais de ouvir música.
Em relação ao TRABALHO APÓS O RELAXAMENTO:
– Eu queria que continuasse e ficar lá, fazendo desenho.
– Eu quero continuar a ir lá pra cima (encosta do morro). Eu gosto.
– Gostei de ouvir estorinha.
– Eu gostei de desenhar.
f- A utilização da música em nosso trabalho
Sabemos que a música atua sobre nós alterando vários aspectos do nosso comportamento.
No CEN, em muitos momentos, a música é usada dentro de alguns trabalhos de sala de aula, na recreação, nas dramatizações, etc. Todavia – no nosso caso- a música é um elemento SEMPRE presente.
As músicas que utilizamos são pouco variadas. Usamos, em via de regra, sempre, as “mesmas músicas”. Isso tem um objetivo: favorecer o surgimento de uma associação entre elas, o relaxamento, a imaginação criadora e a sensibilização. Para nós, portanto, a música passa a ser uma “ferramenta” importante, sempre presente, ponte que liga as aulas anteriores com aquela que estiver sendo iniciada e as propostas daquele dia.
A música teve, como se vê, uma finalidade diferente daquela que regularmente tem nas turmas da nossa pré-escola.
As músicas utilizadas por nós eram lentas, orquestradas, clássicas (de preferência), o que favorecia a criação de um clima de relaxamento, interiorização, concentração, sensibilização, etc.
g- As supervisões
Para a realização desta proposta, o professor – no início – precisaria ser supervisionado. Através de uma supervisão, foram estabelecidos alguns pontos considerados fundamentais para que o processo fosse posto em marcha. São eles:
1- Deixar o professor bastante livre para usar este método como achasse melhor. Todavia, os fundamentos básicos do método deveriam ser observados e seguidos;
2- O professor poderia modificar a dinâmica dos trabalhos propostos desde que mantivesse a filosofia básica norteadora da metodologia adotada na nossa experiência;
3- O supervisor não determinaria quais atividades deveriam ser propostas. O professor as sugeriria e discutiria, com ele, os modos como pensou realizá-las O supervisor deveria sempre tentar ajudar o professor a não se distanciar dos objetivos dos GDACS;
4- O supervisor poderia participar das atividades de sala de aula (o que no nosso caso aconteceu algumas vezes), por exemplo, contando estórias para as crianças, ou propondo atividades;
5- O supervisor, para ter uma idéia mais aproximada da realidade da turma, deveria, regularmente, ir à sala de aula, mesmo que só para dar um “alô!” ao grupo;
6- Sempre que possível, o supervisor deverá passar pela sala (chegar ao menos à porta), pois, como aconteceu em nosso caso, muitas vezes, a partir de uma observação dele em relação ao que estava acontecendo, naquele exato momento, foi possível sugerir algo à regente e, disso sair uma proposta interessante e eficiente para o trabalho do dia.
Nas linhas acima dei uma idéia aproximada sobre a dinâmica da supervisão. Devo acrescentar que, em 83, semanalmente, a professora regente dispunha de uma hora para apresentar o andamento do seu trabalho ao supervisor. Durante essa apresentação era permitido a qualquer professor participar (fosse ele integrante, ou não, do nosso projeto). O objetivo disso era dar oportunidade a todo corpo docente de se inteirar, e/ou dar sugestões, sobre o que estávamos realizando.
VII
CONCLUSÕES E SUGESTÕES
A partir de uma proposta de utilização de uma metodologia pedagógica experimental, com professores e alunos da Pré-Escola, tentamos preparar alguns profissionais para desenvolverem, durante o ano letivo de 1983, um trabalho com nossas crianças. De todos que participaram da fase do treinamento do corpo docente, inicialmente interessados na utilização dos recursos propostos, apenas uma turma participou plenamente deste trabalho até o final do ano. Seus alunos variavam em idades ( em março de 1983) de 3anos e 2 meses até 5 anos e 2 meses.
Caracterizado, basicamente, pela utilização sistemática de algumas técnicas de relaxamento, sensibilização e imaginação criadora (além de algumas meditações para crianças), nosso trabalho teve como objetivo acrescentar, ao que normalmente era praticado no CEN, tais recursos visando alcançar um nível maior no desenvolvimento da atenção, da concentração e da socialização daquele grupo de crianças.
Os resultados foram documentados através das próprias produções de nossas crianças, e “comparados” com o trabalho realizados nos anos anteriores na turma da regente que participou desse plano.
Embora não tenhamos (infelizmente) podido fazer a avaliação da experiência através de um “grupo de controle” convencional, tudo indica que o resultado foi bom e que este caminho (essa metodologia) parece promissor.
Dispomos de uma documentação (material gráfico das crianças) que poderá ser avaliado pelas pessoas interessadas. Através dele, fica sugerida a validade do presente trabalho.
Na ocasião, solicitamos que esse grupo não fosse desfeito em 1984. Argumentamos que seria interessante preparar a professora que regeria essa turma no próximo ano, de tal modo que ela pudesse dar continuidade trabalho de 1983. Assim, poderíamos acompanhar aquele processo, definindo melhor o grau de validade do nosso trabalho.
Infelizmente, por motivos alheios a nossa vontade, esse projeto não pode ter continuidade.
O que ficou evidenciado, depois de tudo o que vivemos ao implementar a proposta que lhes apresentei, foi o sentimento de estarmos num caminho bastante promissor e cheio de potencialidades, ainda que tenhamos recolhido material- aparentemente – insuficiente para validar nosso projeto
BIBLIOGRAFIA
01- Warren, H. C. -Dicionário de Psicologia- Ed.Fondo de Cultura Economica-Mexico/BuenosAires
02- Novaes, M. Helena –Psicologia Escolar –Ed. Vozes Ltda. RJ
03- Rozman, D. – Meditando com Crianças- Ed. Brasiliense –SP
SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS
04- Marshall, J. P.- O Professor e sua Filosofia- Summus Editorial –SP
05- Fraisse,P e Piaget ,J.-Tratado de Psicologia Experimental, Vols:1, 5, 6, 7 e 8. –Editora Forense-RJ.
06- Le Shan , Lawrence – Meditação Transcendental –Ed.Record-RJ
07- Adrados, I – Orientação Infantil – Editora Vozes – RJ
08- Krech, D. e Crutchfield, R. S. –Elementos de Psicologia- Vols. 1 e 2 – Livraria Pioneira Edit. SP
09- Woodworth, R. S. e Marquis, D. G. – Psicolgia – Companhia Editora Nacional – SP
10- Guillarme, J.J. Educação e Reeducação Psicomotoras- Edit. Artes Médicas Sul Ltda – RS
11- Miranda, N. – 200 Jogos Infantis –Editora Itatiaia Ltda- BH
12- Lyon Jr, H.C- Aprender a Sentir-Sentir para Aprender- Martins Fontes Edit – SP
13- Rogers, C.R. e Kinget, G.M – Psicologia e Relações Humanas – Vols. I e II- Ed. Alfaguara –Madrid
14- Greening, T.G. – Psicologia Existencial Humanista – Zahar Editora
15- Rizzo, G. – Educação Pré-Escolar, Livraria Francisco Alves Editora SA –RJ
16- Coulson, W.R. e Rogers, C.R. – O homem e a Ciência do Homem- Interligros – BH-MG
17- Lao Tse – Tao Te King – Editorial Estampa –Lisboa .Portugal