Psicologia Escolar
J.L.Belas – maio de 2009
Pode parecer estranho falar-se de avaliação da aprendizagem na Educação Infantil. Mais estranho ainda é falar de autoavaliação, já que esses “alunos” são pequenos e, aparentemente, sem condições de realizar uma tarefa tão complexa como essa.
No presente texto, pretendo dividir com o leitor uma experiência que vivi, ao trabalhar com crianças pequenas, cujas idades iam de 3 a 5 anos.
Tudo isso aconteceu nos anos 80, numa escola experimental da cidade de Niterói – Rio de Janeiro. Era psicólogo nessa instituição e atuava junto aos professores, através de reuniões semanais. Nessas ocasiões, discutíamos sobre o andamento das atividades desenvolvidas em sala de aula, situações curiosas, difíceis, novidades que deram certo, enfim, trocávamos experiências sobre nossos contatos com aquelas crianças, iniciantes na vida escolar.
Até aquele instante de nossas vivências como educadores de crianças da “pré-escola” (nome usado naquela época), o desenvolvimento de cada criança era avaliado pelos professores que lidavam com ela, através dos “conselhos de classe”. Cada aluno era julgado pela equipe de profissionais à qual ele estava entregue, mas não se levava em conta o que ele mesmo pensava de si. Num dado momento, em um de nossos encontros semanais, surgiu uma discussão sobre este tema e, a partir disso, uma proposta: na avaliação dos alunos deveríamos considerar, também, o que cada um deles pensa sobre seu próprio crescimento ao longo do ano letivo.
O primeiro obstáculo surgido, mas rapidamente superado, foi criar um instrumento de autoavaliação para crianças que ainda não dominavam a leitura e a escrita. Nas turmas mais adiantadas, isso seria fácil. Bastaria elaborar um questionário e pedir aos alunos que respondessem às perguntas contidas neles. Mas, no caso da pré-escola, o que poderia ser feito? Entrevistar criança por criança? Ler para ela as perguntas propostas e anotar suas respostas? É, poderia ser feito assim. Entretanto essa ideia não nos agradava. E foi aí que nasceu uma solução. No nosso grupo, havia uma professora de artes que desenhava muito bem. Logo pensamos que ela teria condições de transformar a escrita em desenho. Em outras palavras, em vez de escrevermos as perguntas, faríamos algo semelhante a uma revista em quadrinhos.
Os itens a serem avaliados eram, basicamente, os mesmos utilizados pelos professores: conteúdo, atitudes em sala de aula e relacionamento com os colegas. Para cada um dos aspectos avaliados, a criança deveria assinalar com X um dos três círculos coloridos, postos ao lado do desenho que significava um dos fatores a serem avaliados.
Esses desenhos, antes de introduzirmos na autoavaliação, foram apresentados aos alunos, de tal forma que, ao vê-los, sabiam exatamente o que significavam.
A gradação, ou “nota”, que davam a cada um dos itens avaliados, correspondia a três níveis distintos: bom, mais ou menos, preciso melhorar. Quando consideravam que conseguiram um bom resultado, colocavam X sobre o círculo VERDE. Quando consideravam que não foram tão bem durante o período em avaliação, colocavam X sobre o círculo AMARELO. Quando percebiam que não foram bem e que precisavam melhorar, X sobre o círculo VERMELHO.
Quando o grupo pensou em executar essa ideia, pairava sobre nós uma dúvida quanto aos resultados que poderiam advir dela. Não tínhamos certeza se conseguiríamos alcançar nossos objetivos, se valeria a pena desenvolver esta proposta e, principalmente, se ela seria, de fato, benéfica para aquelas crianças.
Tentamos. Ficamos encantados com os resultados. Ficaram acima das nossas expectativas.
O mais surpreendente nessa experiência foi a constatação de que crianças, mesmo as mais novas, são capazes de fazer autoavaliações fantasticamente justas, corretas e, muitas vezes, mais precisas do que as dos seus professores.
A autoconsciência crescente de suas atitudes, de seu empenho na realização de seus deveres e obrigações parece trazer, para aquelas pequenas pessoas, um amadurecimento natural (dentro do seu nível de crescimento, de sua idade), que vai ganhando forma e consistência, progressivamente.
Talvez, este recurso possa ser de grande alcance na educação de cidadãos conscientes de si, do outro e de seu papel na construção de uma sociedade mais solidária, responsável e humana.